"Maldito aquele que faz com negligência a obra do Senhor!"(Jr 48,10).
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Redemptoris Missio
Carta Encíclica
REDEMPTORIS MISSIO
DO Sumo Pontífice João Paulo II
Sobre a Validade Permanente
do Mandato Missionário
Veneráveis Irmãos
e caríssimos Filhos saudações e Bênção Apostólica!
INTRODUÇÃO
1. A MISSÃO DE CRISTO REDENTOR, confiada à
Igreja, está ainda bem longe do seu pleno cumprimento. No termo do segundo
milênio,
após a Sua vinda, uma visão de conjunto da humanidade mostra que tal missão
está ainda no começo, e que devemos empenhar-nos com todas as forças no seu
serviço. É o Espírito que impele a anunciar as grandes obras de Deus! «
Porque se anuncio o Evangelho, não tenho de que me gloriar, pois que me foi
imposta esta obrigação: ai de mim se não evangelizar! » (1 Cor 9,
16).
Em nome de toda a Igreja, sinto o dever
imperioso de repetir este grito de S. Paulo. Desde o início do meu pontificado,
decidi caminhar até aos confins da terra para manifestar esta solicitude
missionária, e este contato direto com os povos, que ignoram Cristo,
convenceu-me ainda mais da urgência de tal atividade a que dedico a presente
Encíclica.
O Concílio Vaticano II pretendeu renovar a
vida e a atividade da Igreja, de acordo com as necessidades do mundo
contemporâneo: assim sublinhou o seu caráter missionário, fundamentando-o
dinamicamente na própria missão trinitária. O impulso missionário pertence,
pois, à natureza íntima da vida cristã, e inspira também o ecumenismo: «
que todos sejam um (...) para que o mundo creia que Tu Me enviaste» (Jo
17,21).
2. Já são muitos os frutos missionários do
Concílio: multiplicaram-se as Igrejas locais, dotadas do seu bispo, clero e
agentes apostólicos próprios; verifica-se uma inserção mais profunda das
Comunidades cristãs na vida dos povos; a comunhão entre as Igrejas contribui
para um vivo intercâmbio de bens e dons espirituais; o empenhamento dos leigos
no serviço da evangelização está a mudar a vida eclesial; as Igrejas
particulares abrem-se ao encontro, ao diálogo e à colaboração com os membros
de outras Igrejas cristãs e outras religiões. Sobretudo está-se a afirmar uma
nova consciência, isto é, a de que a missão compete a todos os cristãos, a
todas as dioceses e paróquias, instituições e associações eclesiais.
No entanto, nesta « nova primavera » do
cristianismo não podemos ocultar uma tendência negativa, que, aliás, este
Documento quer ajudar a superar: a missão específica ad gentes parece
estar numa fase de afrouxamento, contra todas as indicações do Concílio e do
Magistério posterior. Dificuldades internas e externas enfraqueceram o
dinamismo missionário da Igreja ao serviço dos não-cristãos: isto é um
fato que deve preocupar todos os que crêem em Cristo. Na História da Igreja,
com efeito, o impulso missionário sempre foi um sinal de vitalidade, tal como a
sua diminuição constitui um sinal de crise de fé.1
A distancia de vinte e cinco anos da conclusão
do Concílio e da publicação do Decreto sobre a atividade missionária Ad
gentes, a quinze anos da Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi de
Paulo VI, de veneranda memória, desejo convidar a Igreja a um renovado
empenhamento missionário, dando, neste assunto, continuação ao Magistério
dos meus predecessores.2 O presente Documento tem uma finalidade interna: a
renovação da fé e da vida cristã. De fato, a missão renova a Igreja,
revigora a sua fé e identidade, dá-lhe novo entusiasmo e novas motivações. É
dando a fé que ela se fortalece! A nova evangelização dos povos cristãos
também encontrará inspiração e apoio, no empenho pela missão universal.
Mas o que me anima mais a proclamar a urgência
da evangelização missionária é que ela constitui o primeiro serviço que a
Igreja pode prestar ao homem e à humanidade inteira, no mundo de hoje, que,
apesar de conhecer realizações maravilhosas, parece ter perdido o sentido último
das coisas e da sua própria existência. « Cristo Redentor — como deixei
escrito na primeira Encíclica — revela plenamente o homem a si próprio. O
homem que a si mesmo se quiser compreender profundamente (.. ) deve aproximar-se
de Cristo (...) A Redenção, operada na cruz, restituiu definitivamente ao
homem a dignidade e o sentido da sua existência no mundo ».3
Não faltam certamente outros motivos e
finalidades: corresponder a inúmeros pedidos de um documento deste gênero;
dissipar dúvidas e ambigüidades sobre a missão ad gentes, confirmando
no seu compromisso os beneméritos homens e mulheres que se dedicam à
atividade missionária e todos quantos os ajudam; promover as vocações
missionárias; estimular os teólogos a aprofundar e expor sistematicamente os vários
aspectos da missão; relançar a missão, em sentido específico, comprometendo
as Igrejas particulares, especialmente as de recente formação, a mandarem e a
receberem missionários; garantir aos não cristãos, e particularmente às
Autoridades dos Países aos quais se dirige a atividade missionária, que esta
só tem uma finalidade, ou seja, servir o homem, revelando-lhe o amor de Deus
manifestado em Cristo Jesus.
3. Povos todos,
abri as portas a Cristo!
O Seu Evangelho não tira nada à liberdade do homem, ao devido respeito pelas
culturas, a tudo quanto de bom possui cada religião. Acolhendo Cristo,
abris-vos à Palavra definitiva de Deus, Àquele no qual Deus se deu a conhecer
plenamente e nos indicou o caminho para chegar a Ele.
O número daqueles que ignoram Cristo, e não
fazem parte da Igreja está em contínuo aumento; mais ainda: quase duplicou,
desde o final do Concílio. A favor desta imensa humanidade, amada pelo Pai a
ponto de lhe enviar o Seu Filho, é evidente a urgência da missão.
Por outro lado, a época que vivemos oferece,
neste campo, novas oportunidades à Igreja: a queda de ideologias e sistemas políticos
opressivos; o aparecimento de um mundo mais unido, graças ao incremento das
comunicações; a afirmação, cada vez mais freqüente entre os povos, daqueles
valores evangélicos que Jesus encarnou na sua vida: paz, justiça,
fraternidade, dedicação aos mais pequenos; um tipo de desenvolvimento econômico
e técnico sem alma, que, em contrapartida, está a criar necessidade da verdade
sobre Deus , o homem e o significa do da vida.
Deus abre, à Igreja, os horizontes de uma
humanidade mais preparada para a sementeira evangélica. Sinto chegado o momento
de empenhar todas as forças eclesiais na nova evangelização e na missão ad
gentes. Nenhum crente, nenhuma instituição da Igreja se pode esquivar
deste dever supremo: anunciar Cristo a todos os povos.
CAPÍTULO I
JESUS
CRISTO ÚNICO SALVADOR
4. « A tarefa fundamental da Igreja de todos
os tempos e, particularmente, do nosso — como lembrei, na minha primeira Encíclica
programática — é a de dirigir o olhar do homem e orientar a consciência e
experiência da humanidade inteira, para o mistério de Cristo ».4
A missão universal da Igreja nasce da fé em
Jesus Cristo, como se declara no Credo: « Creio em um só Senhor, Jesus Cristo,
Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos (...) E por
nós homens, e para nossa salvação, desceu dos céus. E encarnou pelo Espírito
Santo no seio da Virgem Maria, e Se fez homem ».5 No acontecimento da Redenção
está a salvação de todos, « porque todos e cada um foram compreendidos no
mistério da Redenção, e a todos e cada um se uniu Cristo para sempre, através
deste mistério »:6 somente na fé, se fundamenta e compreende a missão.
No entanto, devido às mudanças dos tempos
modernos e à difusão de novas idéias teológicas, alguns interrogam-se: ainda
é atual a missão entre os não cristãos? Não estará por acaso
substituída pelo diálogo inter-religioso? Não se deverá restringir ao empenho
pela promoção humana? O respeito pela consciência e pela liberdade não
exclui qualquer proposta de conversão? Não é possível salvar-se em qualquer
religião? Para quê, pois, a missão?
« Ninguém vai ao Pai, senão por Mim
» (Jo 14, 6)
5. Remontando às origens da Igreja, aparece
clara a afirmação de que Cristo é o único salvador de todos, o único capaz
de revelar e de conduzir a Deus. As autoridades religiosas judaicas, que
interrogam os Apóstolos sobre a cura do aleijado, realizada por Pedro, este
responde: « É em nome de Jesus Nazareno, que vós crucificastes e Deus
ressuscitou dos mortos, é por Ele que este homem se apresenta curado diante de
vós (... ) E não há salvação em nenhum outro, pois não há debaixo do céu
qualquer outro nome dado aos homens que nos possa salvar » (At 4,
10.12). Esta afirmação, dirigida ao Sinédrio, tem um valor universal, já
que, para todos — judeus e gentios —, a salvação só pode vir de Jesus
Cristo.
A universalidade desta salvação em Cristo
é afirmada em todo o Novo Testamento. S. Paulo reconhece, em Cristo
ressuscitado, o Senhor:
« Porque, ainda que haja alguns que são
chamados deuses, quer no céu quer na terra, existindo assim muitos deuses e
muitos senhores, para nós há apenas um único Deus, o Pai de Quem tudo procede
e para Quem nós existimos; e um único Senhor, Jesus Cristo, por meio do Qual
todas as coisas existem, e igualmente nós existimos também » (1Cor 8,
5-6). O único Deus e o único Senhor são afirmados em contraste com a multidão
de « deuses » e de « senhores » que o povo admitia. Paulo reage contra o
politeísmo do ambiente religioso do seu tempo, pondo em relevo a característica
da fé cristã: crença num só Deus e num só Senhor, por Aquele enviado.
No Evangelho de S. João, esta universalidade
salvífica de Cristo compreende os aspectos da Sua missão de graça, de verdade
e de revelação: « o Verbo é a Luz verdadeira que a todo o homem ilumina » (Jo
1, 9). E ainda: « ninguém jamais viu Deus: o Filho único, que está no
seio do Pai, é que O deu a conhecer » (Jo 1, 18; cf. Mt 11, 27).
A revelação de Deus tornou-se definitiva e completa, na obra do Seu Filho
Unigênito:
« Tendo Deus falado outrora aos nossos pais, muitas vezes e de muitas maneiras,
pelos profetas, agora falou-nos, nestes últimos tempos, pelo Filho, a Quem
constituiu herdeiro de tudo, e por Quem igualmente criou o mundo » (Hb
1, 1-2; cf. Jo 14, 6). Nesta Palavra definitiva da Sua revelação, Deus
deu-se a conhecer do modo mais pleno: Ele disse à humanidade Quem é. E esta
auto-revelação definitiva de Deus é o motivo fundamental pelo qual a Igreja
é, por sua natureza, missionária. Não pode deixar de proclamar o Evangelho,
ou seja, a plenitude da verdade que Deus nos deu a conhecer de Si mesmo.
Cristo é o único mediador entre Deus e os
homens: « há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, Jesus
Cristo Homem, que se deu em resgate por todos. Tal é o testemunho que foi dado
no tempo devido, e do qual eu fui constituído pregador, apóstolo e mestre
dos gentios na fé e na verdade. Digo a verdade, não minto » (1 Tm 2,
5-7; cf. Hb 4, 14-16).
Os homens, portanto, só poderão entrar em
comunhão com Deus através de Cristo, e sob a ação do Espírito. Esta Sua
mediação única e universal, longe de ser obstáculo no caminho para Deus, é
a via estabelecida pelo próprio Deus, e disso, Cristo tem plena consciência.
Se não se excluem mediações participadas de diverso tipo e ordem, todavia
elas recebem significado e valor unicamente da de Cristo, e não podem
ser entendidas como paralelas ou complementares desta.
6. É contrário à fé cristã introduzir
qualquer separação entre o Verbo divino e Jesus Cristo. S. João afirma
claramente que o Verbo, que « no princípio estava com Deus », é o mesmo que
« se fez carne » (Jo 1, 2. 14). Jesus é o Verbo encarnado, pessoa una
e indivisa: não se pode separar Jesus, de Cristo, nem falar de um «Jesus da
história » que seria diferente do « Cristo da fé ». A Igreja conhece e
confessa Jesus como « Cristo, o Filho de Deus vivo » (Mt 16, 16):
Cristo não é diferente de Jesus de Nazaré; e este é o Verbo de Deus feito
homem, para a salvação de todos.
Em Cristo, « habita corporalmente toda a
plenitude da divindade » (Cl 2, 9) e « da Sua plenitude todos nós
recebemos » (Jo 1, 16). O « Filho Unigênito, que está no seio do Pai
» (Jo 1, 18), é « o Filho muito amado, no qual temos a redenção e a
remissão dos pecados (...) Aprouve a Deus que n'Ele residisse toda a plenitude,
e por Ele fossem reconciliadas Consigo todas as coisas, pacificando, pelo sangue
da sua cruz, tanto as criaturas da terra como as do céu » (Cl 1,
13-14. 19-20). Precisamente esta singularidade única de Cristo é que Lhe
confere um significado absoluto e universal, pelo qual, enquanto está na História,
é o centro e o fim desta mesma História:7 « Eu sou o Alfa e o Ômega, o
Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim » (Ap 22, 13).
Se é lícito e útil, portanto, considerar o
mistério de Cristo sob os seus vários aspectos, nunca se deve perder de vista
a Sua unidade. À medida que formos descobrindo e valorizando os diversos tipos
de dons, e sobretudo as riquezas espirituais, que Deus distribuiu a cada povo, não
podemos separá-los de Jesus Cristo, o Qual está no centro da economia
salvadora. De fato, como « pela encarnação, o Filho de Deus se uniu de
alguma forma a todo o homem », assim « devemos acreditar que o Espírito Santo
oferece a todos, de um modo que só Deus conhece, a possibilidade de serem
associados ao mistério pascal »8 0 plano divino é « recapitular em Cristo
todas as coisas que há no céu e na terra » (Ef 1, 10).
A fé em Cristo é uma proposta à
liberdade do homem
7. A urgência da
atividade missionária
deriva da radical novidade de vida, trazida por Cristo e vivida pelos
Seus discípulos. Esta nova vida é dom de Deus, e, ao homem, é-lhe pedido que
a acolha e desenvolva, se quiser realizar integralmente a sua vocação,
conformando-se a Cristo. Todo o Novo Testamento se apresenta como um hino à
vida nova, para aquele que crê em Cristo e vive na Sua Igreja. A salvação em
Cristo, testemunhada e anunciada pela Igreja, é auto-comunicação de Deus. «
O amor não só cria o bem, mas faz participar também na própria vida de Deus:
Pai, Filho e Espírito Santo. Com efeito, aquele que ama quer dar-se a si mesmo
».9
Deus oferece ao
homem esta novidade de vida.
« Poder-se-á rejeitar Cristo e tudo aquilo que Ele introduziu na história do
homem? Certamente que sim; o homem é livre: ele pode dizer não, a Deus. O
homem pode dizer não, a Cristo. Mas permanece a pergunta fundamental: é lícito
fazê-lo? É lícito, em nome de quê? ».10
8. No
mundo moderno, há tendência para reduzir o homem unicamente à dimensão
horizontal. Mas o que acontece ao homem que não se abre ao Absoluto? A resposta
está na experiência de cada homem, mas está também inscrita, na história da
humanidade, com o sangue derramado em nome de ideologias e regimes políticos que
quiseram construir uma « humanidade nova » sem Deus.11
De resto, a quantos se mostram preocupados em
salvar a liberdade de consciência, o Concílio Vaticano II responde: « a
pessoa humana tem direito à liberdade religiosa (...) Todos os homens devem
viver imunes de coação, em matéria religiosa, quer da parte de pessoas
particulares, quer de grupos sociais ou qualquer poder humano, de tal forma que
ninguém seja obrigado a agir contra a sua consciência, nem impedido de atuar
de acordo com ela, privada ou publicamente, só ou associado ».12
O anúncio e o testemunho de Cristo, quando
feitos no respeito das consciências, não violam a liberdade. A fé exige a
livre adesão do homem, mas tem de ser proposta, já que « as multidões têm o
direito de conhecer as riquezas do mistério de Cristo, nas quais toda a
humanidade — assim o acreditamos nós — pode encontrar, numa plenitude
inimaginável, tudo aquilo que procura, às apalpadelas, a respeito de Deus, do
homem, do seu destino, da vida e da morte, da verdade (... ) É por isso que a
Igreja conserva bem vivo o seu espírito missionário, desejando até que ele se
intensifique, neste momento histórico que nos foi dado viver ».13 No entanto,
é necessário acrescentar, citando ainda o Concílio, que « todos os homens,
pela sua própria dignidade, já que são pessoas, isto é, seres dotados de razão
e vontade livre, e conseqüentemente de responsabilidade pessoal, são impelidos
pela sua natureza, e moralmente obrigados a procurar a verdade, e antes de tudo
a que se refere à religião. Têm também obrigação de aderir à verdade
conhecida, e ordenar toda a sua vida segundo as exigências da verdade ».14
A Igreja sinal e instrumento de salvação
9. A primeira beneficiária da salvação é
a Igreja: Cristo adquiriu-a com o Seu sangue (cf. At 20, 28) e tornou-a
Sua cooperadora na obra da salvação universal. Com efeito, Cristo vive nela,
é o seu Esposo, realiza o seu crescimento, e cumpre a Sua missão através
dela.
O Concílio deu grande realce ao papel da
Igreja, em favor da salvação da humanidade. Enquanto reconhece que Deus ama
todos os homens e lhes dá a possibilidade de se salvarem (cf. 1Tm 2,
4).15 a Igreja professa que Deus constituiu Cristo como único mediador e que
ela própria foi posta como instrumento universal de salvação.16 « Todos os
homens, pois, são chamados a esta católica unidade do Povo de Deus (...) à
qual, de diversos modos, pertencem ou estão ordenados quer os fiéis católicos,
quer os outros crentes em Cristo, quer universalmente todos os homens, chamados
à salvação pela graça de Deus ».17 É necessário manter unidas, estas duas
verdades: a real possibilidade de salvação em Cristo para todos os homens, e a
necessidade da Igreja para essa salvação.
Ambas facilitam a compreensão do único
mistério salvífico, permitindo experimentar a misericórdia de Deus e a
nossa responsabilidade. A salvação, que é sempre um dom do Espírito, exige a
colaboração do homem, para se salvar tanto a si próprio como aos outros.
Assim o quis Deus, e por isso estabeleceu e comprometeu a Igreja no plano da
salvação. « Este povo messiânico — diz o Concílio — estabelecido por
Cristo como uma comunhão de vida, amor e verdade, serve também, nas mãos
d'Ele, de instrumento da redenção universal, sendo enviado a todo o mundo,
como luz desse mundo e sal da terra ».18
A salvação é oferecida a todos os
homens
10. A universalidade da salvação em Cristo
não significa que ela se destina apenas àqueles que, de maneira explícita, crêem
em Cristo e entraram na Igreja. Se é destinada a todos, a salvação deve ser
posta concretamente à disposição de todos. É evidente, porém, que, hoje
como no passado, muitos homens não têm a possibilidade de conhecer ou aceitar
a revelação do Evangelho, e de entrar na Igreja. Vivem em condições
sócioculturais que o não permitem, e freqüentemente foram educados noutras
tradições religiosas. Para eles, a salvação de Cristo torna-se acessível em
virtude de uma graça que, embora dotada de uma misteriosa relação com a
Igreja, todavia não os introduz formalmente nela, mas ilumina convenientemente
a sua situação interior e ambiental. Esta graça provém de Cristo, é fruto
do Seu sacrifício e é comunicada pelo Espírito Santo: ela permite a cada um
alcançar a salvação, com a sua livre colaboração.
Por isso o Concílio, após afirmar a dimensão
central do Mistério Pascal, diz: « isto não vale apenas para aqueles que crêem
em Cristo, mas para todos os homens de boa vontade, no coração dos quais opera
invisivelmente a graça. Na verdade, se Cristo morreu por todos e a vocação última
do homem é realmente uma só, isto é, a divina, nós devemos acreditar que o
Espírito Santo oferece a todos, de um modo que só Deus conhece, a
possibilidade de serem associados ao Mistério Pascal ».19
« Não podemos calar-nos » (At 4, 20)
11. Que dizer então das
objeções, atrás
referidas, relativamente à missão ad gentes? Respeitando todas as crenças
e todas as sensibilidades, devemos afirmar antes de mais, com simplicidade, a
nossa fé em Cristo, único Salvador do homem — fé que recebemos como um dom
do Alto, sem mérito algum da nossa parte. Dizemos com S. Paulo: « eu não me
envergonho do Evangelho, o qual é poder de Deus para salvação de todo o
crente » (Rm 1, 16). Os mártires cristãos de todos os tempos — também
do nosso — deram e continuam a dar a vida para testemunhar aos homens esta fé,
convencidos de que cada homem necessita de Jesus Cristo, o Qual, destruindo o
pecado e a morte, reconciliou os homens com Deus.
Cristo proclamou-se Filho de Deus,
intimamente unido ao Pai e, como tal, foi reconhecido pelos discípulos,
confirmando as suas palavras com milagres e sobretudo com a ressurreição. A
Igreja oferece aos homens o Evangelho, documento profético, capaz de
corresponder às exigências e aspirações do coração humano: é e será
sempre a « Boa Nova ». A Igreja não pode deixar de proclamar que Jesus veio
revelar a face de Deus, e merecer, pela cruz e ressurreição, a salvação para
todos os homens.
À pergunta porquê a missão?, respondemos,
com a fé e a experiência da Igreja, que abrir-se ao amor de Cristo é a
verdadeira libertação. N'Ele, e só n'Ele, somos libertos de toda a alienação
e extravio, da escravidão ao poder do pecado e da morte. Cristo é
verdadeiramente « a nossa paz » (Ef 2,14), e « o amor de Cristo nos
impele » (2 Cor 5, 14), dando sentido e alegria à nossa vida. A missão
é um problema de fé, é a medida exata da nossa fé em Cristo e no Seu
amor por nós.
A tentação hoje é reduzir o cristianismo a
uma sabedoria meramente humana, como se fosse a ciência do bom viver. Num mundo
fortemente secularizado, surgiu uma « gradual secularização da salvação »,
onde se procura lutar, sem dúvida, pelo homem, mas por um homem dividido a
meio, reduzido unicamente à dimensão horizontal. Ora nós sabemos que Jesus
veio trazer a salvação integral, que abrange o homem todo e todos os homens,
abrindo-lhes os horizontes admiráveis da filiação divina.
Porquê a missão? Porque
a nós, como a S. Paulo, « nos foi dada esta graça de anunciar aos gentios a
insondável riqueza de Cristo » (Ef 3, 8). A novidade de vida n'Ele é
« Boa Nova » para o homem de todos os tempos: a ela todos são chamados e
destinados. Todos, de fato, a buscam, mesmo se às vezes confusamente, e têm o
direito de conhecer o valor de tal dom e aproximar-se dele. A Igreja, e nela
cada cristão, não pode esconder nem guardar para si esta novidade e riqueza,
recebida da bondade divina para ser comunicada a todos os homens.
Eis por que a missão, para além do mandato
formal do Senhor, deriva ainda da profunda exigência da vida de Deus em nós.
Aqueles que estão incorporados na Igreja Católica devem-se sentir
privilegiados, e, por isso mesmo, mais comprometidos a testemunhar a fé e a
vida cristã como serviço aos irmãos e resposta devida a Deus, lembrados
de que « a grandeza da sua condição não se deve atribuir aos próprios méritos,
mas a uma graça especial de Cristo; se não correspondem a essa graça por
pensamentos, palavras e obras, em vez de se salvarem, incorrem num julgamento
ainda mais severo ».20
CAPITULO II
O
REINO DE DEUS
12. « Deus, rico em misericórdia, é Aquele
que Jesus Cristo nos revelou como Pai. Foi o Seu próprio Filho Quem, em Si
mesmo, no-l'O manifestou e deu a conhecer »,21 Isto escrevi-o eu, no início da
Encíclica Dives in Misericordia, mostrando como Cristo é a revelação
e a encarnação da misericórdia do Pai. A salvação consiste em crer e
acolher o mistério do Pai e do Seu amor, que se manifesta e oferece em Jesus,
por meio do Espírito. Assim se cumpre o Reino de Deus, preparado já no Antigo
Testamento, realizado por Cristo e em Cristo, anunciado a todos os povos pela
Igreja, que atua e reza para que ele se realize de modo perfeito e definitivo.
Na verdade, o Antigo Testamento atesta que
Deus escolheu para Si e formou um povo, para revelar e cumprir o Seu plano de
amor. Mas, ao mesmo tempo, Deus é criador e Pai de todos os homens, atende às
necessidades de cada um, estende a Sua bênção a todos (cf. Gn 12, 3) e
com todos selou uma aliança (cf. Gn 9, 1-17). Israel faz a experiência
de um Deus pessoal e salvador (cf. Dt 4, 37;
7, 6-8; Is 43,1-7),
do Qual se torna testemunha e porta-voz, no meio das nações. Ao longo da sua
história, Israel toma consciência de que a sua eleição tem um significado
universal (cf por ex.: Is 2, 2-5; 25, 6-8; 60, 1-6; Jr 3, 17; 16,
19).
Cristo torna presente o Reino
13. Jesus de Nazaré levou o plano de Deus ao
seu pleno cumprimento. Depois de ter recebido o Espírito Santo no batismo, Ele
manifesta a sua vocação messiânica nestes moldes: percorre a Galiléia, «
pregando a Boa Nova de Deus: 'Completou-se o tempo, o Reino de Deus está perto!
Arrependei-vos, e acreditai na Boa Nova' » (Mc 1, 14-15; cf. Mt
4, 17; Lc 4, 43). A proclamação e a instauração do Reino de Deus são
o objetivo da Sua missão: « pois foi para isso que fui enviado » (Lc
4, 43). Mais ainda: o próprio Jesus é a « Boa Nova », como afirma logo no início
da missão, na sinagoga da Sua terra natal, aplicando a Si próprio as palavras
de Isaías, sobre o Ungido, enviado pelo Espírito do Senhor (cf. Lc 4,
14-21). Sendo Ele a « Boa Nova », então em Cristo há identidade entre
mensagem e mensageiro, entre o dizer, o fazer e o ser. A força e o segredo da
eficácia da Sua ação está na total identificação com a mensagem que
anuncia: proclama a « Boa Nova » não só por aquilo que diz ou faz, mas também
pelo que é.
O ministério de Jesus é descrito no
contexto das viagens na Sua terra. O horizonte da missão antes da Páscoa
concentra-se em Israel; no entanto, Jesus oferece um novo elemento de
importância capital. A realidade escatológica não fica adiada para um remoto
fim do mundo, mas está próxima e começa já a cumprir-se. O Reino de Deus
aproxima-se (cf. Mc 1, 15), roga-se que venha (Mt 6, 10), a fé já
o descobre operante nos sinais, isto é, nos milagres (cf. Mt 11, 4-5),
nos exorcismos (cf. Mt 12, 25-28), na escolha dos Doze (cf. Mc 3,
13-19), no anúncio de Boa Nova aos pobres (cf. Lc 4, 18). Nos encontros
de Jesus com os pagãos, fica claro que o acesso ao Reino se faz pela fé e
conversão (cf. Mc 1, 15), e não por mera proveniência étnica.
O Reino, inaugurado por Jesus, é o Reino de
Deus: o próprio Jesus revela Quem é este Deus, para o Qual usa a expressão
familiar « Abba », Pai (Mc 14, 36). Deus, revelado especialmente nas
parábolas (cf. Lc 15, 3-32; Mt 20, 1-16), é sensível às
necessidades e aos sofrimentos do homem: um Pai cheio de amor e compaixão, que
perdoa e dá gratuitamente os benefícios que Lhe pedem.
S. João diz-nos que « Deus é amor » (1Jo 4, 8.16). Todo o homem, por isso, é convidado a « converter-se » e
a « crer » no amor misericordioso de Deus por ele: o Reino crescerá na medida em que cada homem aprender a dirigir-se a Deus, na intimidade da oração,
como a um Pai (cf. Lc 11, 2;
Mt 23, 9), e se esforçar por cumprir
a Sua vontade (cf. Mt 7, 21).
Características e
exigências do Reino
14. Jesus revela
progressivamente as características e as exigências do Reino, através das suas
palavras, das suas obras e da sua pessoa.
O Reino de Deus destina-se a todos os homens,
pois todos foram chamados a pertencer-lhe. Para sublinhar este aspecto, Jesus
aproximou-se sobretudo daqueles que eram marginalizados pela sociedade,
dando-lhes preferência, ao anunciar a Boa Nova. No início do Seu ministério,
proclama: fui enviado a anunciar a Boa Nova aos pobres (cf. Lc 4, 18). As
vítimas da rejeição e do desprezo, declara: « bem-aventurados vós, os
pobres » (Lc 6, 20), fazendo-lhes, inclusive, sentir e viver já uma
experiência de libertação, estando com eles, partilhando a mesma mesa (cf. Lc
5, 30; 15, 2), tratando-os como iguais e amigos (cf. Lc 7, 34),
procurando que se sentissem amados por Deus, e revelando deste modo imensa
ternura pelos necessitados e pecadores (cf. Lc 15, 1-32).
A libertação e a salvação, oferecidas
pelo Reino de Deus, atingem a pessoa humana tanto nas suas dimensões físicas
como espirituais. Dois gestos caracterizam a missão de Jesus: curar e perdoar.
As múltiplas curas provam a Sua grande compaixão face às misérias humanas;
mas significam também que, no Reino de Deus, não haverá doenças nem
sofrimentos, e que a Sua missão, desde o início, visa libertar as pessoas
daqueles. Na perspectiva de Jesus, as curas são também sinal da salvação
espiritual, isto é, da libertação do pecado Realizando gestos de cura, Jesus
convida à fé, à conversão, ao desejo do perdão (cf. Lc 5, 24)
Recebida a fé, a cura impele a ir mais longe: introduz na salvação (cf. Lc
18, 42-43). Os gestos de libertação da possessão do demônio, mal supremo e símbolo
do pecado e da rebelião contra Deus, são sinais de que o « Reino de Deus
chegou até vós » (Mt 12, 28).
15. O reino pretende transformar as relações
entre os homens, e realiza-se progressivamente à medida que estes aprendem a
amar, perdoar, a servir-se mutuamente. Jesus retoma toda a Lei, centrando-a no
mandamento do amor (cf. Mt 22, 34-40; Lc 10, 25-28). Antes de
deixar os seus, dá-lhes um « mandamento novo »: « amai-vos uns aos outros
como Eu vos amei » (Jo 13, 34; cf. 15, 12). 0 amor com que Jesus amou o
mundo tem a sua expressão suprema, no dom da Sua vida pelos homens (cf. Jo
15, 13), que manifesta o amor que o Pai tem pelo mundo (cf. Jo 3, 16).
Por isso a natureza do Reino é a comunhão de todos os seres humanos entre si e
com Deus.
O Reino diz respeito a todos: às pessoas, à
sociedade, ao mundo inteiro. Trabalhar pelo Reino significa reconhecer e
favorecer o dinamismo divino, que está presente na história humana e a
transforma. Construir o Reino quer dizer trabalhar para a libertação do mal,
sob todas as suas formas. Em resumo, o Reino de Deus é a manifestação e a
atuação do Seu desígnio de salvação, em toda a sua plenitude.
Em Cristo ressuscitado, o Reino
cumpre-se e é proclamado
16. Ao ressuscitar Jesus dos mortos, Deus
venceu a morte, e n'Ele inaugurou definitivamente o Seu Reino. Durante a vida
terrena, Jesus é o profeta do Reino e, depois da Sua paixão, ressurreição e
ascensão aos céus, participa do poder de Deus, e do Seu domínio sobre o
mundo (cf Mt 28, 18; At 2, 36; Ef 1, 18-21). A ressurreição
confere à mensagem de Cristo, e a toda a Sua ação e missão, um alcance
universal. Os discípulos constatam que o Reino já está presente na pessoa de
Jesus, e pouco a pouco vai-se instaurando no homem e no mundo, por uma
misteriosa ligação com a Sua pessoa. Assim depois da ressurreição, eles
pregam o Reino, anunciando a morte e a ressurreição de Jesus; Filipe, na
Samaria, « anunciava a Boa Nova do Reino de Deus e do nome de Jesus Cristo » (At
8, 12). Paulo, em Roma, « anunciava o Reino de Deus e ensinava o que diz
respeito ao Senhor Jesus Cristo » (At 28, 31). Também os primeiros
cristãos anunciam « o Reino de Cristo e de Deus » (Ef 5, 5; cf. Ap 11, 15; 12, 10), ou então « o Reino eterno de Nosso Senhor e Salvador,
Jesus Cristo » (2 Pd 1, 11). Sobre o anúncio de Jesus Cristo, com o
Qual o Reino se identifica, se concentra a pregação da Igreja primitiva. Como
outrora, é preciso unir hoje o anúncio do Reino de Deus (o conteúdo do
« kerigma » de Jesus) e a proclamação da vinda de Jesus Cristo (o «
kerigma » dos apóstolos). Os dois anúncios completam-se e iluminam-se
mutuamente.
O Reino em relação a Cristo e à
Igreja
17. Hoje fala-se muito do Reino, mas nem
sempre em consonância com o sentir da Igreja. De fato, existem concepções de
salvação e missão que podem ser designadas « antropocêntricas », no
sentido redutivo da palavra, por se concentrarem nas necessidades terrenas do
homem. Nesta perspectiva, o Reino passa a ser uma realidade totalmente
humanizada e secularizada, onde o que conta são os programas e as lutas para a
libertação socioeconômica, política e cultural, mas sempre num horizonte
fechado ao transcendente. Sem negar que, a este nível, também existem valores
a promover, todavia estas concepções permanecem nos limites de um reino do
homem, truncado nas suas mais autênticas e profundas dimensões, espelhando-se
facilmente numa das ideologias de progresso puramente terreno. O Reino de Deus,
pelo contrário, « não é deste mundo (...) não é daqui debaixo » (Jo
18, 36).
Existem também concepções que
propositadamente colocam o acento no Reino, autodenominando-se de « reino-cêntricas
», pretendendo com isso fazer ressaltar a imagem de uma Igreja que não pensa
em si, mas dedica-se totalmente a testemunhar e servir o Reino. E uma « Igreja
para os outros » — dizem — como Cristo é o homem para os outros. A tarefa
da Igreja é orientada num duplo sentido: por um lado promover os denominados «
valores do Reino », como a paz, a justiça,a liberdade, a fraternidade, por
outro, favorecer o diálogo entre os povos, as culturas, as religiões, para
que, num mútuo enriquecimento, ajudem o mundo a renovar-se e a caminhar cada
vez mais na direção do Reino.
Ao lado de aspectos positivos, essas concepções
revelam freqüentemente outros negativos. Antes de mais, silenciam o que se
refere a Cristo: o Reino, de que falam, baseia-se num « teocentrismo », porque
— como dizem — Cristo não pode ser entendido por quem não possui a fé
n'Ele, enquanto que povos, culturas e religiões se podem encontrar na mesma e
única realidade divina, qualquer que seja o seu nome. Pela mesma razão, realçam
o mistério da criação, que se reflete na variedade de culturas e crenças,
mas omitem o mistério da redenção. Mais ainda, o Reino, tal como o entendem
eles, acaba por marginalizar ou desvalorizar a Igreja, como reação a um
suposto eclesiocentrismo do passado, por considerarem a Igreja apenas um sinal,
aliás passível de ambigüidade.
18. Ora este não é o Reino de Deus, que
conhecemos pela Revelação: ele não pode ser separado de Cristo nem da Igreja.
Como já se disse, Cristo não só anunciou o
Reino, mas, n'Ele, o próprio Reino se tornou presente e plenamente se realizou.
E não apenas através das Suas palavras e obras: « o Reino manifesta-se
principalmente na própria pessoa de Cristo, Filho de Deus e Filho do Homem, que
veio 'para servir e dar a Sua vida em resgate por muitos' (Mc 10, 45) ».22
O Reino de Deus não é um conceito, uma doutrina, um programa sujeito a livre
elaboração, mas é, acima de tudo, uma Pessoa que tem o nome e o rosto
de Jesus de Nazaré, imagem do Deus invisível.23 Se separarmos o Reino, de
Jesus, ficaremos sem o Reino de Deus por Ele pregado, acabando por se distorcer
quer o sentido do Reino, que corre o risco de se transformar numa meta puramente
humana ou ideológica, quer a identidade de Cristo, que deixa de aparecer como o
Senhor, a Quem tudo se deve submeter (cf. 1 Cor 15, 27).
De igual modo, não podemos separar o Reino,
da Igreja. Com certeza que esta não é fim em si própria, uma vez que se
ordena ao Reino de Deus, do qual é princípio, sinal e instrumento. Mesmo sendo
distinta de Cristo e do Reino, a Igreja todavia está unida indissoluvelmente a
ambos. Cristo dotou a Igreja, Seu Corpo, da plenitude de bens e de meios da
salvação; o Espírito Santo reside nela, dá-lhe a vida com os Seus dons e
carismas, santifica, guia e renova-a continuamente.24 Nasce daí uma relação
única e singular que, mesmo sem excluir a obra de Cristo e do Espírito fora
dos confins visíveis da Igreja, confere a esta um papel específico e necessário.
Disto provém a ligação especial da Igreja com o Reino de Deus e de Cristo,
que ela tem « a missão de anunciar e estabelecer em todos os povos ».25
19.
Nesta visão de conjunto, é que se compreende a realidade do Reino. É verdade que
ele exige a promoção dos bens humanos e dos valores, que podem mesmo ser
chamados « evangélicos », porque intimamente ligados à Boa Nova. Mas essa
promoção, que a Igreja também toma a peito realizar, não deve ser separada nem
contraposta às outras suas tarefas fundamentais, como são o anúncio de Cristo e
Seu Evangelho, a fundação e desenvolvimento de comunidades que atuem entre os
homens a imagem viva do Reino. Isto não nos deve fazer recear que se possa cair
numa forma de eclesiocentrismo. Paulo VI, que afirmou existir « uma profunda
ligação entre Cristo, a Igreja e a evangelização ».26 disse também que a Igreja « não é
fim em si própria, pelo contrário, deseja intensamente ser toda de Cristo, em
Cristo e para Cristo, e toda dos homens, entre os homens e para os homens ».27
A Igreja ao serviço do Reino
20. A Igreja está
efetiva e concretamente
ao serviço do Reino. Em primeiro lugar, serve-o com o anúncio que chame à
conversão: este é o primeiro e fundamental serviço à vinda do Reino para
cada pessoa e para a sociedade humana. A salvação escatológica começa já
agora, na novidade de vida em Cristo: « a todos os que O receberam, aos que crêem
n'Ele, deu o poder de se tornarem filhos de Deus » (Jo 1, 12).
A Igreja serve ainda o Reino, fundando
comunidades, constituindo Igrejas particulares, levando-as ao amadurecimento da
fé e da caridade, na abertura aos outros, no serviço à pessoa e à sociedade,
na compreensão e estima das instituições humanas.
A Igreja, além disso, serve o Reino,
difundindo pelo mundo os «valores evangélicos», que são a expressão do
Reino, e ajudam os homens a acolher o desígnio de Deus. É verdade que a
realidade incipiente do Reino se pode encontrar também fora dos confins da
Igreja, em toda a humanidade na medida em que ela viva os «valores evangélicos
» e se abra à ação do Espírito que sopra onde e como quer (cf. Jo
3, 8); mas é preciso acrescentar, logo a seguir, que esta dimensão temporal do
Reino está incompleta, enquanto não se ordenar ao Reino de Cristo, presente na
Igreja, em constante tensão para a plenitude escatológica.28
As
múltiplas perspectivas do Reino de Deus 29
não enfraquecem os fundamentos e as finalidades missionárias; pelo contrário,
fortificam e expandem-nas. A Igreja é sacramento de salvação para toda a
humanidade; a sua ação não se limita àqueles que aceitam a sua mensagem. Ela é
força atuante no caminho da humanidade rumo ao Reino escatológico, é sinal e
promotora dos valores evangélicos entre os homens.30
Neste itinerário de conversão ao projeto de Deus, a Igreja contribui com o seu
testemunho e atividade, expressa no diálogo, na promoção humana, no compromisso
pela paz e pela justiça, na educação, no cuidado dos doentes, na assistência aos
pobres e mais pequenos, mantendo sempre firme a prioridade das realidades
transcendentes e espirituais, premissas da salvação escatológica.
A Igreja serve o Reino também com a sua
intercessão, uma vez que aquele, por sua natureza, é dom e obra de Deus, como
lembram as parábolas evangélicas e a própria oração que Jesus nos ensinou.
Devemos suplicá-lo, para que seja acolhido e cresça em nós; mas devemos
simultaneamente cooperar a fim de que seja aceite e se consolide entre os
homens, até Cristo « entregar o Reino a Deus Pai », altura essa em que «
Deus será tudo em todos » (1 Cor 15, 24.28).
CAPÍTULO III
O
ESPÍRITO SANTO PROTAGONISTA DA MISSÃO
21. « No ápice da missão messiânica de
Jesus, o Espírito Santo aparece-nos, no mistério pascal, em toda a Sua
subjetividade divina, como Aquele que deve continuar agora a obra salvífica,
radicada no sacrifício da cruz. Esta obra, sem dúvida, foi confiada aos
homens: aos Apóstolos e à Igreja. No entanto, nestes homens e por meio deles,
o Espírito Santo permanece o sujeito protagonista transcendente da realização
dessa obra, no espírito do homem e na história do mundo ».31
Verdadeiramente o Espírito Santo é o
protagonista de toda a missão eclesial: a Sua obra brilha esplendorosamente na
missão ad gentes, como se vê na Igreja primitiva pela conversão de
Cornélio (cf. At 10), pelas decisões acerca dos problemas surgidos (cf. At 15), e pela escolha dos territórios e povos (cf. At 16, 6s).
O Espírito Santo age através dos Apóstolos, mas, ao mesmo tempo, opera nos
ouvintes: « pela Sua ação a Boa Nova ganha corpo nas consciências e nos
corações humanos, expandindo-se na história. Em tudo isto, é o Espírito
Santo que dá a vida ».32
O envio «até aos confins da terra »
(At 1, 8)
22. Todos os evangelistas, ao narrarem o
encontro de Cristo Ressuscitado com os Apóstolos, concluem com o mandato
missionário: « foi-Me dado todo o poder no céu e na terra Ide, pois, ensinai
todas as nações (...) Eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo
» (Mt 28, 18-20; cf. Mc 16, 15-18; Lc 24, 46-49; Jo
20, 21-23).
Esta missão é envio no Espírito, como
se vê claramente no texto de S. João: Cristo envia os Seus, ao mundo, como o
Pai O enviou a Ele; e, para isso, concede-lhes o Espírito. Lucas põe em
estreita relação o testemunho que os Apóstolos deverão prestar de Cristo com
a ação do Espírito, que os capacitará para cumprir o mandato recebido.
23. As várias formas do « mandato missionário
» contêm pontos em comum, mas também acentuações próprias de cada
evangelista; dois elementos , de fato , encontram- se em to das as versões.
Antes de mais, a dimensão universal da tarefa confiada aos Apóstolos: « todas
as nações » (Mt 28, 19); « pelo mundo inteiro, a toda a criatura » (Mc
16, 15); « todos os povos » (Lc 24, 47); « até aos confins do mundo
» (At 1, 8). Em segundo lugar, a garantia, dada pelo Senhor, de que,
nesta tarefa, não ficarão sozinhos, mas receberão a força e os meios para
desenvolver a sua missão; estes são a presença e a potência do Espírito e a
assistência de Jesus: « eles, partindo, foram pregar por toda a parte, e o
Senhor cooperava com eles » (Mc 16, 20).
Quanto às diferenças de acentuação no
mandato, Marcos apresenta a missão como proclamação ou kerigma: « anunciai o
Evangelho » (Mc 16, 15). O seu evangelho tem como objetivo levar o
leitor a repetir a confissão de Pedro: « Tu és o Cristo » (Mc 8, 29) e a
dizer como o centurião romano diante de Jesus morto na cruz: « verdadeiramente
este Homem era o Filho de Deus » (Mc 15, 39). Em Mateus, o acento missionário
situa-se na fundação da Igreja e no seu ensinamento (cf. Mt 28,19-20;
16,18); nele, o mandato evidencia a proclamação do Evangelho, mas enquanto
deve ser completada por uma específica catequese de ordem eclesial e
sacramental. Em Lucas, a missão é apresentada como um testemunho (cf. Lc
24, 48; At 1, 8), principalmente da ressurreição (At 1, 22); o
missionário é convidado a crer na potência transformadora do Evangelho e a
anunciar a conversão ao amor e à misericórdia de Deus — que Lucas ilustra
muito bem —, a experiência de uma libertação integral até à raiz de todo
o mal, o pecado.
João é o único que fala explicitamente de
« mandato » — palavra equivalente a « missão » — e une diretamente a
missão confiada por Jesus aos seus discípulos, com aquela que Ele mesmo
recebeu do Pai: « assim como o Pai me enviou, também Eu vos envio a vós » (Jo
20, 21). Jesus, dirigindo-se ao Pai, diz: « assim como Tu Me enviaste ao mundo,
também Eu os envio ao mundo » (Jo 17, 18). Todo o sentido missionário
do Evangelho de S. João se pode encontrar na « Oração Sacerdotal »: a vida
eterna é « que Te conheçam a Ti, único Deus Verdadeiro, e a Jesus Cristo, a
Quem enviaste » (Jo 17, 3). O fim último da missão é fazer participar
na comunhão que existe entre o Pai e o Filho: os discípulos devem viver a
unidade entre si, permanecendo no Pai e no Filho, para que o mundo conheça e
creia (cf. Jo 17, 21.23). Trata-se de um texto de grande alcance missionário,
fazendo-nos entender que somos missionários sobretudo por aquilo que se é, como
Igreja que vive profundamente a unidade no amor, e não tanto por aquilo que
se diz ou faz.
Portanto os quatro Evangelhos, na unidade
fundamental de mesma missão, manifestam todavia um pluralismo, que reflete as
diversas experiências e situações das primeiras comunidades cristãs. Também
esse pluralismo é fruto do impulso dinâmico do Espírito, convidando a prestar
atenção aos vários carismas missionários e às múltiplas condições
ambientais e humanas. No entanto, todos os evangelistas sublinham que a missão
dos discípulos é colaboração com a de Cristo: « Eu estarei convosco todos
os dias, até ao fim do mundo » (Mt 28, 20). Assim a missão não se
baseia na capacidade humana, mas na força de Cristo ressuscitado.
O Espírito guia a missão
24. A missão da Igreja, tal como a de Jesus,
é obra de Deus, ou, usando uma expressão freqüente em S. Lucas, é obra do Espírito
Santo. Depois da ressurreição e ascensão de Jesus, os Apóstolos viveram uma
intensa experiência que os transformou: o Pentecostes. A vinda do Espírito
Santo fez deles testemunhas e profetas (cf. At 1,8; 2,
17-18), infundindo uma serena audácia, que os leva a transmitir aos outros a
sua experiência de Jesus e a esperança que os anima. O Espírito deu-lhes a
capacidade de testemunhar Jesus « sem medo ».33
Quando os evangelizadores saiam de Jerusalém,
o Espírito assume ainda mais a função de « guia » na escolha tanto das
pessoas como dos itinerários da missão. A Sua ação manifesta-se
especialmente no impulso dado à missão que, de fato, se estende, segundo as
palavras de Cristo, desde Jerusalém, por toda a Judéia e Samaria, e vai até
aos confins do mundo.
Os
Atos dos Apóstolos referem
seis « discursos missionários », em miniatura, que foram dirigidos aos
judeus, nos primórdios da Igreja (cf. At 2, 22-39; 3, 12-26; 4, 9-12; 5,
29-32; 10, 34-43; 13, 16-41). Estes discursos-modelo, pronunciados por Pedro e
por Paulo, anunciam Jesus, convidam a « converter-se », isto é, a acolher
Jesus na fé e a deixar-se transformar n'Ele, pelo Espírito.
Paulo e Barnabé são impelidos pelo Espírito
para a missão entre os pagãos (cf At 13, 46-48), mesmo no meio de tensões
e problemas. Como devem viver os pagãos convertidos, a sua fé em Jesus? Ficam
eles vinculados à tradição do judaísmo e à lei da circuncisão? No primeiro
Concílio, que reúne em Jerusalém, à volta dos Apóstolos, os membros das
diversas Igrejas, é tomada uma decisão considerada como emanada do Espírito
Santo: não é necessário que o pagão se submeta à lei judaica para ser cristão
(cf At 15, 5-11.28) A partir desse momento, a Igreja abre as suas portas
e torna-se a casa onde todos podem entrar e sentir-se à vontade, conservando as
próprias tradições e cultura, desde que não estejam em contraste com o
Evangelho.
25. Os missionários, seguindo esta linha de
ação, tiveram presente os anseios e as esperanças, as aflições e os
sofrimentos, a cultura do povo, para lhe anunciar a salvação em Cristo. Os
discursos de Listra e de Atenas (cf. At 14, 15-17; 17, 22-31) são
considerados modelo para a evangelização dos pagãos: neles, Paulo « dialoga
» com os valores culturais e religiosos dos diferentes povos. Aos habitantes da
Licaónia, que praticavam uma religião cósmica, Paulo lembra experiências
religiosas que se referiam ao cosmos; com os Gregos, discute sobre filosofia e
cita os seus poetas (cf. At 17, 18.26-28). O Deus que vem revelar, já
está presente nas suas vidas: de fato, foi Ele Quem os criou, e é Ele que
misteriosamente conduz os povos e a história; no entanto, para reconhecerem o
verdadeiro Deus, é necessário que abandonem os falsos deuses que eles próprios
fabricaram, e se abram Àquele que Deus enviou para iluminar a sua ignorância e
satisfazer os anseios dos seus corações (cf. At 17, 27-30). São
discursos que oferecem exemplos de inculturação do Evangelho.
Sob o impulso do Espírito, a fé cristã
abre-se decididamente às nações pagãs, e o testemunho de Cristo expande-se
em direção aos centros mais importantes do Mediterrâneo oriental, para chegar
depois a Roma e ao extremo ocidente. É o Espírito que impele a ir sempre mais
além, não só em sentido geográfico, mas também ultrapassando barreiras étnicas
e religiosas, até se chegar a uma missão verdadeiramente universal.
26. O Espírito impele o grupo dos crentes a
« constituírem comunidades », a serem Igreja. Depois do primeiro anúncio de
Pedro no dia de Pentecostes e as conversões que se seguiram, forma-se a
primeira comunidade (cf. At 2, 42-47; 4, 32-35).
Com efeito, uma das finalidades centrais da
missão é reunir o povo de Deus na escuta do Evangelho, na comunhão fraterna,
na oração e na Eucaristia. Viver a « comunhão fraterna » (koinonía) significa
ter « um só coração e uma só alma » (At 4, 32), instaurando uma
comunhão sob os aspectos humano, espiritual e material. A verdadeira comunidade
cristã sente necessidade de distribuir os próprios bens, para que não haja
necessitados, e todos possam ter acesso a esses bens, « conforme as
necessidades de cada um » (At 2, 45; 4, 35). As primeiras comunidades,
onde reinava « a alegria e a simplicidade de coração » (At 2, 46),
eram dinamicamente abertas e missionárias: « gozavam da estima de todo o povo
» (At 2, 47). Antes ainda da ação, a missão é testemunho e irradiação.34
27. Os
Atos dos Apóstolos mostram
que a missão primeiro se dirigia a Israel, e depois aos pagãos. Para a atuação
dessa missão, aparece antes de tudo o grupo dos Doze que, como um corpo guiado
por Pedro, proclama a Boa Nova. Depois temos a comunidade dos crentes que, com o
seu modo de viver e agir, dá testemunho do Senhor e converte os pagãos (cf. At
2, 46-47). Existem também enviados especiais, destinados a anunciar o
Evangelho. Assim a comunidade cristã de Antioquia envia os seus membros em missão:
depois de ter jejuado, rezado e celebrado a Eucaristia, ela faz notar que o Espírito
escolheu Paulo e Barnabé para serem enviados (cf At 13, 1-4).
Logo, nas
suas origens, a missão foi vista como um compromisso comunitário e uma
responsabilidade da Igreja local, que necessita de « missionários » para se
expandir em direção a novas fronteiras. Ao lado destes enviados, havia outros
que testemunhavam espontaneamente a novidade que tinha transformado as suas
vidas e uniam à Igreja apostólica, as comunidades em formação.
A leitura dos
Atos mostra-nos que, no
início da Igreja, a missão ad gentes, embora contando com missionários
integralmente dedicados a ela por vocação especial, todavia era considera da
como o fruto normal da vida cristã, graças ao compromisso de cada crente
atuado através do testemunho pessoal e do anúncio explícito, sempre que possível.
O Espírito está presente e operante
em todo o tempo e lugar
28. O
Espírito manifesta-se particularmente na Igreja e nos seus membros, mas a Sua
presença e ação são universais, sem limites de espaço nem de tempo.35
O Concílio Vaticano II lembra a obra do Espírito no coração de cada homem,
cuidando e fazendo germinar as « sementes do Verbo », presentes nas iniciativas
religiosas e nos esforços humanos à procura da verdade, do bem, e de Deus.36
O Espírito oferece ao homem « luz e forças
que lhe permitem corresponder à sua altíssima vocação »; graças a Ele, «
o homem chega, por meio da fé, a contemplar e saborear o mistério dos planos
divinos »; mais ainda, « devemos acreditar que o Espírito Santo oferece a
todos, de um modo que só Deus conhece, a possibilidade de serem associados ao
mistério pascal ».37
Seja como for, a Igreja sabe que o homem, solicitado incessantemente pelo
Espírito de Deus, nunca poderá ser totalmente indiferente ao problema da
religião, mantendo sempre o desejo de saber, mesmo se confusamente, qual o
significado da sua vida, da sua atividade, e da sua morte.38
O Espírito está, portanto, na própria origem da questão existencial e religiosa
do homem, que surge não só de situações contingentes, mas sobretudo da estrutura
própria do seu ser.39
A presença e
ação do Espírito não
atingem apenas os indivíduos, mas também a sociedade e a história, os povos,
as culturas e as religiões. Com efeito, Ele está na base dos ideais nobres e
das iniciativas benfeitoras da humanidade peregrina: « com admirável providência,
o Espírito dirige o curso dos tempos e renova a face da terra ».40
Cristo
ressuscitado, « pela virtude do Seu Espírito, atua já nos corações dos homens,
não só despertando o desejo da vida futura, mas também alentando, purificando e
robustecendo a família humana para tornar mais humana a sua própria vida e
submeter a terra inteira a este fim »,41
É ainda o Espírito que infunde as « sementes do Verbo », presentes nos ritos e
nas culturas, e as faz maturar em Cristo.42
29. Assim o Espírito que « sopra onde quer
» (Jo 3, 8) e que « já estava a operar no mundo, antes da glorificação
do Filho »,43 que « enche o universo, abrangendo tudo e de tudo tem
conhecimento » (Sb 1, 7), induz-nos a estender o olhar, para podermos
melhor considerar a Sua ação, presente em todo o tempo e lugar.44 É uma
referência que eu próprio sigo muitas vezes e que me guiou nos encontros com
os mais diversos povos. As relações da Igreja com as restantes religiões
baseiam-se num duplo aspecto: « respeito pelo homem na sua busca de resposta às
questões mais profundas da vida, e respeito pela ação do Espírito nesse
mesmo homem ».45 0 encontro interreligioso de Assis, excluída toda e qualquer
interpretação equívoca, reforçou a minha convicção de que « toda a oração
autêntica é suscitada pelo Espírito Santo, que está misteriosamente presente
no coração dos homem ». 46
Este Espírito é o mesmo que agiu na encarnação,
vida, morte e ressurreição de Jesus, e atua na Igreja. Não é de modo nenhum
uma alternativa a Cristo, nem vem preencher uma espécie de vazio, como algumas
vezes se sugere existir, entre Cristo e o Logos. Tudo quanto o Espírito opera
no coração dos homens e na história dos povos, nas culturas e religiões,
assume um papel de preparação evangélica,47 e não pode deixar de se referir
a Cristo, Verbo feito carne pela ação do Espírito, « a fim de, como Homem
perfeito, salvar todos os homens e recapitular em Si todas as coisas ».48
A ação universal do Espírito, portanto, não
poder ser separada da obra peculiar que Ele desenvolve no Corpo de Cristo, que
é a Igreja.
Sempre é o Espírito que
atua, quer quando
dá vida à Igreja impelindo-a a anunciar Cristo, quer quando semeia e
desenvolve os seus dons em todos os homens e povos, conduzindo a Igreja à
descoberta, promoção e acolhimento desses dons, através do diálogo. Qualquer
presença do Espírito deve ser acolhida com estima e gratidão, mas o
discerni-la compete à Igreja, à qual Cristo deu o Seu Espírito para a guiar
até à verdade total (cf. Jo 16, 13).
A
atividade missionária está ainda
no início
30. O nosso tempo, com uma humanidade em
movimento e insatisfeita, exige um renovado impulso na atividade missionária
da Igreja. Os horizontes e as possibilidades da missão alargam-se, e é-nos
pedida, a nós cristãos, a coragem apostólica, apoiada sobre a confiança no
Espírito. Ele é o protagonista da missão!
Na história da humanidade, há numerosas
viragens que estimulam o dinamismo missionário, e a Igreja, guiada pelo Espírito,
sempre respondeu com generosidade e clarividência. Também não faltaram os
frutos! Pouco tempo atrás, celebrou-se o milênio da evangelização da Rússia
e dos povos eslavos, estando para se celebrar o quincentésimo aniversário da
evangelização das Américas; foram entretanto comemorados, de forma solene, os
centenários das primeiras missões em vários Países da Ásia, da África e da
Oceania. A Igreja deve hoje enfrentar outros desafios, lançando-se para novas
fronteiras, quer na primeira missão ad gentes, quer na nova evangelização
dos povos que já receberam o anúncio de Cristo: A todos os cristãos, às
Igrejas particulares e à Igreja universal, pede-se a mesma coragem que moveu os
missionários do passado, a mesma disponibilidade para escutar a voz do Espírito.
CAPÍTULO IV
OS
IMENSOS HORIZONTES DA MISSÃO AD GENTES
31. O Senhor Jesus enviou os Seus Apóstolos,
a todas as pessoas, a todos os povos e a todos os lugares da terra. Nos Apóstolos,
a Igreja recebeu uma missão universal, sem limites, referindo-se à salvação
em toda a sua integridade, segundo aquela plenitude de vida que Cristo veio
trazer (cf. Jo 10, 10): ela foi « enviada para manifestar e comunicar a
caridade de Deus a todos os homens e povos ».49
Esta missão é única, sendo a mesma a sua
origem e fim; mas na sua dinâmica de realização, há diversas funções e
atividades. Antes de tudo, está a ação missionária, denominada « missão ad
gentes » pelo Decreto conciliar: trata-se de uma atividade primária e
essencial da Igreja, jamais concluída. Com efeito, a Igreja « não pode
eximir-se da missão permanente de levar o Evangelho a quantos — e são
milhões e milhões de homens e mulheres — ainda não conhecem Cristo Redentor
do homem. Esta é a tarefa mais especificamente missionária que Jesus confiou e
continua quotidianamente a confiar à Sua Igreja ».50
Um quadro religioso complexo e em mutação
32. Encontramo-nos hoje diante de uma situação
religiosa bastante diversificada e mutável: os povos estão em movimento;
certas realidades sociais e religiosas, que, tempos atrás, eram claras e
definidas, hoje evoluem em situações complexas.
Basta pensar em fenômenos
tais como o urbanismo, as migrações em massa, a movimentação de refugiados,
a descristianização de países com antiga tradição cristã, a influência
crescente do Evangelho e dos seus valores em países de elevada maioria não
cristã, o pulular de messianismos e de seitas religiosas. É uma alteração
tal de situações religiosas e sociais, que se torna difícil aplicar em
concreto certas distinções e categorias eclesiais, a que estávamos
habituados. Já antes do Concílio, era comum atribuir, a algumas metrópoles ou
regiões cristãs, a classificação de « terra de missão », e passados estes
anos não se pode dizer que a situação melhorou.
Por outro lado, a obra missionária produziu
abundantes frutos, em todas as partes do mundo, como o demonstram as Igrejas
implantadas de uma forma tão sólida e amadurecida, que já é capaz de prover
às necessidades das suas comunidades, a ponto de enviarem até pessoas a
evangelizar outras Igrejas e territórios. Daí o contraste com áreas de antiga
tradição cristã, carecidas de serem re-evangelizadas. Alguns perguntam-se
inclusive se ainda é o caso de falar em atividade missionária específica,
ou dos seus âmbitos específicos ou se não deveríamos antes admitir que
existe uma única situação missionária, havendo apenas uma única missão,
igual em todo o lugar.
A dificuldade é real, e a prova de quão difícil é
interpretar esta realidade complexa e mutável em ordem ao mandato de
evangelizar está patente no « vocabulário missionário »: por exemplo, há
uma certa hesitação em usar os termos « missões » e « missionários »,
porque as consideram superadas por conterem resquícios históricos negativos;
prefere-se usar o substantivo « missão » no singular, e o adjetivo «
missionário » para qualificar toda a atividade da Igreja.
Estas dificuldades denotam uma mudança real,
que contém aspectos positivos. A integração das « missões » na missão da
Igreja, o confluir da missionologia para a eclesiologia, e a inserção
de ambas no plano trinitário da salvação, deu um novo ar à própria
atividade missionária, não concebida já como uma tarefa à margem da Igreja,
mas antes inserida no âmago da sua vida, como compromisso fundamental de todo o
Povo de Deus. Torna-se necessário, porém, precaver-se contra o risco de
nivelar situações muito diferentes, e reduzir ou até fazer desaparecer a missão
e os missionários ad gentes. A afirmação de que toda a Igreja é
missionária não exclui a existência de uma específica missão ad gentes, assim
como dizer que todos os católicos devem ser missionários não impede — pelo
contrário, exige-o — que haja missionários ad gentes, dedicados por
vocação específica à missão por toda a vida.
A missão ad gentes conserva o seu
valor
33. As diferenças de
atividade, no âmbito
da única missão da Igreja, nascem não de motivações intrínsecas à
própria missão, mas das diversas circunstancias onde ela se exerce.51 Olhando
o mundo de hoje, do ponto de vista da evangelização, podemos distinguir três
situações distintas.
Antes de mais, temos aquela a que se dirige a
atividade missionária da Igreja: povos, grupos humanos, contextos
sócio-culturais onde Cristo e o Seu Evangelho não é conhecido, onde faltam
comunidades cristãs suficientemente amadurecidas para poderem encarnar a fé no
próprio ambiente e anunciá-la a outros grupos. Esta é propriamente a missão ad
gentes.52
Aparecem depois as comunidades cristãs que
possuem sólidas e adequadas estruturas eclesiais, são fermento de fé e de
vida, irradiando o testemunho do Evangelho no seu ambiente, e sentindo o
compromisso da missão universal. Nelas se desenvolve a atividade ou cuidado
pastoral da Igreja.
Finalmente, existe a situação intermédia,
especialmente nos países de antiga tradição cristã, mas, por vezes, também
nas Igrejas mais jovens, onde grupos inteiros de batizados perderam o sentido
vivo da fé, não se reconhecendo já como membros da Igreja e conduzindo uma
vida distante de Cristo e do Seu Evangelho. Neste caso, torna-se necessária uma
« nova evangelização », ou « re-evangelização ».
34. A
atividade missionária específica, ou
missão ad gentes, tem como destinatários « os povos ou grupos que ainda
não crêem em Cristo », « aqueles que estão longe de Cristo », entre os quais a
Igreja « não está ainda radicada ».53
e cuja cultura ainda não foi influenciada pelo Evangelho.54 Distingue-se das outras atividades eclesiais
por se dirigir a grupos e ambientes não cristãos, caracterizados pela ausência
ou insuficiência ao anúncio evangélico e da presença eclesial.
Vem a ser,
portanto, a obra do anúncio de Cristo e do seu Evangelho, da edificação da
Igreja local, da promoção dos valores do Reino. A peculiariedade da missão ad
gentes deriva do fato de se orientar para os « não cristãos ». É
preciso evitar, por isso, que esta « tarefa especificamente missionária, que
Jesus confiou e continua quotidianamente a confiar à Sua Igreja ».55
se torne numa realidade diluída na missão global de todo o Povo de Deus, ficando
desse modo descurada ou esquecida.
De resto, os confins entre o cuidado
pastoral dos fieis, a nova evangelização e a atividade missionária
específica não são facilmente identificáveis, e não se deve pensar em
criar entre esses âmbitos barreiras ou compartimentos estanques. Não se pode,
no entanto, perder a tensão para o anúncio e para a fundação de novas
Igrejas entre povos ou grupos humanos, onde elas ainda não existem, porque esta
é a tarefa primária da Igreja, que é enviada a todos os povos, até aos
confins da terra. Sem a missão ad gentes, a própria dimensão missionária
da Igreja ficaria privada do seu significado fundamental e do seu exemplo de
atuação.
Registe-se também uma real e crescente interdependência
entre as diversas atividades salvíficas da Igreja: cada uma influi sobre a
outra, estimula e ajuda-a. O dinamismo missionário permite uma troca de valores
entre as Igrejas, e projeta para o mundo exterior influência positiva em todos
os sentidos. As Igrejas de antiga tradição cristã, por exemplo, preocupadas
com a dramática tarefa da nova evangelização, estão mais conscientes de que
não podem ser missionárias dos não cristãos de outros países e continentes,
se não se preocuparem seriamente com os não cristãos da própria casa: a
atividade missionária ad intra é sinal de autenticidade e de estímulo
para realizar a outra ad extra, e vice-versa.
A todos os povos, apesar das dificuldades
35. A missão ad gentes tem à sua
frente uma tarefa imensa, que está muito longe de se ver concluída. Pelo contrário,
quer desde o ponto de vista numérico devido ao aumento demográfico, quer do
ponto de vista sócio-cultural pelo despontar de novas relações e pela variação
das situações, aquela missão parece destinada a possuir horizontes ainda mais
vastos. A tarefa de anunciar Jesus Cristo a todos os povos apresenta-se enorme e
desproporcionada relativamente às forças humanas da Igreja.
As dificuldades parecem insuperáveis
e poderiam fazer desanimar, se se tratasse de uma obra puramente humana. Em
alguns países, está proibida a entrada de missionários; noutros, é proibida
tanto a evangelização, como a conversão e até mesmo o culto cristão. Há
outros lugares, onde os obstáculos são de natureza cultural: a transmissão da
mensagem evangélica mostra-se irrelevante ou incompreensível, e a conversão
é considerada como abandono do próprio povo e cultura.
36. Não faltam também, ao Povo de Deus, as
dificuldades internas, que são as mais dolorosas.
Já o meu predecessor Paulo VI indicava, em
primeiro lugar, « a falta de fervor, tanto mais grave por nascer de dentro;
manifesta-se no cansaço, na desilusão, no acomodamento e no desinteresse, e
sobretudo na falta de alegria e de esperança ».56 Grandes obstáculos à ação
missionária da Igreja são também as divisões, passadas e presentes, entre os
cristãos,57 a descristianização em países cristãos, a diminuição das vocações
para o apostolado, o contra-testemunho de fiéis e de comunidades cristãs que não
reproduzem em suas vidas o modelo de Cristo.
Mas uma das razões mais graves
para o escasso interesse pelo empenhamento missionário é a mentalidade do
indiferentismo, hoje muito difundida, infelizmente também entre os cristãos,
freqüentemente radicada em concepções teológicas incorretas, e geradora de
um relativismo religioso, que leva a pensar que « tanto vale uma religião como
outra ». Podemos, por último, referir ainda — como dizia o mesmo Pontífice
— a existência de « álibis que podem afastar da evangelização; os mais
insidiosos são certamente aqueles para os quais se presume encontrar apoio
neste ou naquele ensinamento do Concílio ».58
A este respeito, recomendo vivamente aos teólogos
e aos profissionais da imprensa cristã que intensifiquem o seu serviço em
favor da missão, para encontrarem o sentido profundo do seu importante
trabalho, no verdadeiro caminho do sentire cum ecclesia.
As dificuldades internas ou externas não nos
devem deixar pessimistas e inativos. O que deve contar — aqui, como nos
demais setores da vida cristã — é a confiança que provém da fé, ou seja,
a certeza de não sermos nós os protagonistas da missão, mas Jesus Cristo e o
Seu Espírito. Somos apenas colaboradores e, depois de termos feito tudo o que
estava ao nosso alcance, devemos dizer: « somos servos inúteis, só fizemos o
que devíamos fazer » (Lc 17, 10).
Âmbitos da missão ad gentes
37. A missão ad gentes, devido ao
mandato universal de Cristo, não tem fronteiras. Apesar disso, é possível
identificar vários âmbitos, em que ela se concretiza, para ficarmos com um
quadro real da situação.
a)
Âmbitos territoriais. Normalmente a
atividade missionária foi definida em relação a territórios concretos. O
Concílio Vaticano II reconheceu a dimensão territorial da missão ad gentes,59
que ainda hoje permanece válida para determinar responsabilidades, competências
e limites geográficos de ação. É certo que a uma missão universal deve
corresponder uma perspectiva universal: a Igreja, com efeito, não pode aceitar
que fronteiras geográficas e impedimentos políticos sejam obstáculos à sua
presença missionária. Mas é verdade também que a atividade missionária ad
gentes, sendo distinta do cuidado pastoral dos fiéis e da nova evangelização
dos não praticantes, se exerce em territórios e grupos humanos bem
delimitados.
O multiplicar-se das Igrejas jovens, nos últimos
tempos, não deve iludir-nos. Nos territórios confiados a estas Igrejas,
especialmente na Ásia, mas também na África, América Latina e na Oceania,
existem várias zonas não evangelizadas: povos inteiros e áreas culturais de
grande importância, em muitas nações, ainda não foram alcançados pelo anúncio
evangélico nem pela presença da Igreja local.60 Inclusive em países
tradicionalmente cristãos, há regiões confiadas ao regime especial da missão
ad gentes, com grupos e áreas não evangelizadas. Impõe-se, pois,
nestes países, não apenas uma nova evangelização, mas, em certos casos, a
primeira evangelização.61
As situações, porém, não são homogêneas.
Mesmo reconhecendo que as afirmações sobre a responsabilidade missionária da
Igreja não são dignas de crédito se não forem autenticadas por um sério
empenho numa nova evangelização nos Países de antiga tradição cristã, não
parece justo equiparar a situação de um povo que nunca ouviu falar em Jesus
Cristo, com a de um outro que o conheceu e aceitou, mas depois o rejeitou,
embora continuando a viver numa cultura que absorveu em grande parte os princípios
e valores evangélicos. Em relação à fé, são duas posições
substancialmente diferentes.
Portanto, o critério geográfico, mesmo se
provisório e não muito preciso, serve ainda para indicar as fronteiras para as
quais se deve dirigir a atividade missionária. Existem Países e áreas geográficas
e culturais onde faltam comunidades cristãs autóctones; noutros lugares, estas
são tão pequenas, que não é possível reconhecer nelas um sinal claro da
presença cristã; ou então, a estas comunidades, falta o dinamismo para
evangelizar a própria sociedade, ou pertencem a populações minoritárias, não
inseridas na cultura dominante. Em particular no Continente asiático, para onde
deveria orientar-se principalmente a missão ad gentes, os cristãos são
uma pequena minoria, apesar de às vezes se verificarem movimentos
significativos de conversão e testemunhos exemplares de presença cristã.
b) Mundos e fenômenos sociais novos. As
rápidas e profundas transformações que caracterizam o mundo de hoje,
particularmente no Hemisfério Sul, influem decididamente no quadro missionário:
onde antes as situações humanas e sociais eram estáveis, hoje tudo está em
movimentação. Pensemos, por exemplo, na urbanização e no massiço aumento
das cidades, especialmente onde é mais forte a pressão demográfica. Em muitos
Países, mais de metade da população vive em algumas megalópoles, onde os
problemas do homem freqüentemente pioram, entre outras razões, por causa do
anonimato em que ficam imersas as multidões.
Nos tempos modernos, a
atividade missionária
desenvolveu-se sobretudo em regiões isoladas, longe dos centros civilizados e
inacessíveis por dificuldades de comunicação, de língua e de clima. Hoje a
imagem da missão ad gentes está talvez a mudar: lugares privilegiados
deveriam ser as grandes cidades, onde surgem novos costumes e modelos de vida,
novas formas de cultura e comunicação que depois influem na população. É
verdade que a « escolha dos menos afortunados » deve levar a não descuidar os
grupos humanos mais isolados e marginalizados, mas também é verdade que não
é possível evangelizar as pessoas ou pequenos grupos, descuidando os centros
onde nasce — pode-se dizer — uma nova humanidade, com novos modelos de
desenvolvimento. O futuro das jovens Nações está-se a formar nas cidades.
Falando de futuro, não é possível esquecer
os jovens que, em numerosos Países, constituem mais de metade da população.
Como proceder para que a mensagem de Cristo atinja esses jovens não cristãos,
que são o futuro de inteiros Continentes? Evidentemente já não bastam os
meios tradicionais da pastoral: são necessárias associações e instituições,
grupos e centros específicos, iniciativas culturais e sociais para os jovens.
Eis um âmbito onde os modernos Movimentos eclesiais têm largo campo de ação.
Entre as grandes transformações do mundo
contemporâneo, as migrações produziram um novo fenômeno: os não cristãos
chegam em grande número aos Países de antiga tradição cristã, criando novas
ocasiões para contatos e intercâmbios culturais, esperando da Igreja o
acolhimento, o diálogo, a ajuda, numa palavra, a fraternidade. De entre os
emigrantes, os refugiados ocupam um lugar especial e merecem a máxima atenção.
São já muitos milhões no mundo e não cessam de aumentar: fogem da opressão
política e da miséria desumana, da fome e da seca que assume dimensões
catastróficas. A Igreja deve acolhê-los no âmbito da sua solicitude apostólica.
Por fim, lembramos as situações de pobreza,
freqüentemente intoleráveis, que se criam em bastantes Países, e estão muitas
vezes na origem de migrações em massa. Estas situações desumanas desafiam a
comunidade cristã: o anúncio de Cristo e do Reino de Deus deve tornar-se
instrumento de redenção humana para estas populações.
c) Áreas culturais, ou modernos areópagos.
Paulo, depois de ter pregado em numerosos lugares, chega a Atenas e vai ao areópago,
onde anuncia o Evangelho, usando uma linguagem adaptada e compreensível para
aquele ambiente (Cf. At 17, 22-31). O areópago representava, então, o
centro da cultura do douto povo ateniense, e hoje pode ser tomado como símbolo
dos novos ambientes onde o Evangelho deve ser proclamado.
O primeiro areópago dos tempos modernos é o
mundo das comunicações, que está a unificar a humanidade, transformando-a
— como se costuma dizer — na « aldeia global ». Os meios de comunicação social
alcançaram tamanha importância que são para muitos o principal instrumento de
informação e formação, de guia e inspiração dos comportamentos individuais,
familiares e sociais. Principalmente as novas gerações crescem num mundo
condicionado pelos mass-média. Talvez se tenha descuidado um pouco este
areópago: deu-se preferência a outros instrumentos para o anúncio evangélico e
para a formação, enquanto os mass-média foram deixados à iniciativa de
particulares ou de pequenos grupos, entrando apenas secundariamente na
programação pastoral. O uso dos mass-média, no entanto, não tem somente a
finalidade de multiplicar o anúncio do Evangelho: trata-se de um fato muito mais
profundo porque a própria evangelização da cultura moderna depende, em grande
parte, da sua influência.
Não é suficiente, portanto, usá-los para difundir a
mensagem cristã e o Magistério da Igreja, mas é necessário integrar a mensagem
nesta « nova cultura », criada pelas modernas comunicações. É um problema
complexo, pois esta cultura nasce, menos dos conteúdos do que do próprio fato de
existirem novos modos de comunicar com novas linguagens, novas técnicas, novas
atitudes psicológicas O meu predecessor Paulo VI dizia que « a ruptura entre o
Evangelho e a cultura é, sem dúvida, o drama da nossa época »;62
e 0 campo da comunicação moderna confirma plenamente este juízo.
Existem muitos outros areópagos do mundo
moderno, para os quais se deve orientar a atividade missionária dos povos. Por
exemplo, o empenhamento pela paz, o desenvolvimento e a libertação dos povos,
sobretudo o das minorias; a promoção da mulher e da criança; a proteção da
natureza, são outros tantos setores a serem iluminados pela luz do Evangelho.
É preciso lembrar além disso, o vastíssimo
areópago da cultura, da pesquisa científica, das relações internacionais que
favorecem o diálogo e levam a novos projetos de vida. Convém estar atentos e
empenhados nestas exigências modernas. Os homens sentem-se como que a navegar
no mesmo mar tempestuoso da vida, chamados a uma unidade e solidariedade cada
vez maior: as soluções para os problemas existenciais são estudadas,
discutidas e experimentadas com o concurso de todos. Eis porque os organismos e
as convenções internacionais se apresentam cada vez mais importantes, em
muitos setores da vida humana, desde a cultura à política, da economia à
pesquisa Os cristãos, que vivem e trabalham nesta dimensão internacional,
tenham sempre presente o seu dever de testemunhar o Evangelho.
38. A época em que vivemos é, ao mesmo
tempo, dramática e fascinante. Se por um lado, parece que os homens vão no
encalço da prosperidade material, mergulhando cada vez mais no consumismo
materialista, por outro lado, manifesta-se a angustiante procura de sentido, a
necessidade de vida interior, o desejo de aprender novas formas e meios de
concentração e de oração. Não só nas culturas densas de religiosidade, mas
também nas sociedades secularizadas, procura-se a dimensão espiritual da vida
como antídoto à desumanização. Este fenômeno, denominado « ressurgimento
religioso », não está isento de ambigüidade, mas traz com ele também um
convite. A Igreja tem em Cristo, que se proclamou « o Caminho, a Verdade e a
Vida » (Jo 14, 6), um imenso patrimônio espiritual para oferecer à
humanidade. É o caminho cristão que leva ao encontro de Deus, à oração, à
ascese, à descoberta do sentido da vida. Também este é um areópago a
evangelizar.
Fidelidade a Cristo promoção da
liberdade do homem
39. Todas as formas de
atividade missionária
se caracterizam pela consciência de promover a liberdade do homem,
anunciando-lhe Jesus Cristo. A Igreja deve ser fiel a Cristo, já que é o Seu
Corpo e continua a Sua missão. É necessário que ela « caminhe pela mesma via
de Cristo, via de pobreza, obediência, serviço e imolação própria até à
morte, da qual Ele saiu vitorioso pela sua ressurreição ».63 A Igreja,
portanto, tem o dever de fazer todo o possível para cumprir a sua missão no
mundo e alcançar todos os povos; e tem também o direito, que lhe foi dado por
Deus, de levar a termo o seu plano. A liberdade religiosa, por vezes ainda
limitada e cerceada, é a premissa e a garantia de todas as liberdades que
asseguram o bem comum das pessoas e dos povos. É de se auspiciar que a autêntica
liberdade religiosa seja concedida a todos, em qualquer lugar, e para isso a
Igreja se empenha a fim de que tal aconteça nos vários Países, especialmente
nos de maioria católica, onde ela alcançou uma maior influência. Não se
trata porém, de um problema de maioria ou de minoria, mas de um direito inalienável
de toda a pessoa humana.
Por outro lado, a Igreja dirige-se ao homem
no pleno respeito da sua liberdade: 64 a missão não restringe a liberdade,
pelo contrário, favorece-a. A Igreja propõe, não impõe nada: respeita
as pessoas e as culturas, detendo-se diante do sacrário da consciência Aos que
se opõem com os mais diversos pretextos à atividade missionária, a Igreja
repete: Abri as portas a Cristo!
Dirijo-me a todas as Igrejas particulares, antigas ou de formação recente. O
mundo vai-se unificando cada vez mais, o espírito evangélico deve levar à
supressão de barreiras culturais, nacionalistas, evitando qualquer isolamento.
Já Bento XV admoestava os missionários do seu tempo a que nunca « esquecessem a
dignidade pessoal para não pensarem mais na pátria terrena que na do céu »,65
A mesma recomendação vale hoje para as Igrejas particulares: abri as portas aos
missionários, pois « toda a Igreja particular que se separasse voluntariamente
da Igreja universal perderia a sua referência ao desígnio de Deus e
empobrecer-se-ia na sua dimensão eclesial »,66
Dirigir a atenção para Sul e Oriente
40. A
atividade missionária ainda hoje
representa o máximo desafio para a Igreja. À medida que se aproxima o fim do
segundo Milênio da Redenção, é cada vez mais evidente que os povos que ainda
não receberam o primeiro anúncio de Cristo constituem a maioria da humanidade.
Certamente o balanço da atividade missionária dos tempos modernos é
positivo: a Igreja está estabelecida em todos os continentes, e a maioria dos
fiéis e das Igrejas particulares já não está na velha Europa, mas nos
Continentes que os missionários abriram à fé.
Permanece, porém, o fato de que « os
confins da terra » para onde o Evangelho deve ser levado, alargam-se cada vez
mais e a sentença de Tertuliano, segundo a qual o Evangelho foi anunciado por
toda a terra e a todos os povos,67 está ainda longe de se concretizar: a missão
ad gentes ainda está no começo. Novos povos aparecem no cenário
mundial e também eles têm o direito de receber o anúncio da salvação. O
crescimento demográfico no sul e no oriente, em Países não cristãos, faz
aumentar continuamente o número das pessoas que ignoram a redenção de Cristo.
É necessário, portanto, dirigir a atenção
missionária para aquelas áreas geográficas e para aqueles ambientes culturais
que permaneceram à margem do influxo evangélico. Todos os crentes em Cristo
devem sentir, como parte integrante da sua fé, a solicitude apostólica de a
transmitir aos outros, pela alegria e luz que ela gera. Essa solicitude deve-se
transformar, por assim dizer, em fome e sede de dar a conhecer o Senhor, quando
estendemos o olhar para os horizontes imensos do mundo não-cristão.
CAPÍTULO V
OS
CAMINHOS DA MISSÃO
41. « A
atividade missionária não é mais
nem menos do que a manifestação ou epifania, e a realização do desígnio de
Deus no mundo e na história: pela missão, Deus realiza claramente a história
de salvação».68 Que caminhos segue a Igreja para conseguir este resultado?
A missão é uma realidade unitária, mas
complexa; e explica-se de vários modos, alguns do quais são de particular
importância, na presente situação da Igreja e do mundo.
A primeira forma de evangelização é
o testemunho
42. O homem contemporâneo acredita mais nas
testemunhas do que nos mestres,69 mais na experiência do que na doutrina, mais
na vida e nos fatos do que nas teorias. O testemunho da vida cristã é a
primeira e insubstituível forma de missão: Cristo, cuja missão nós
continuamos, é a « testemunha » por excelência (Ap 1, 5; 3, 14) e o modelo
do testemunho cristão. O Espírito
Santo acompanha o caminho da Igreja,
associando-a ao testemunho que Ele próprio dá de Cristo (cf. Jo 15,
26-27
).
A primeira forma de testemunho é a própria
vida do missionário, da família cristã e da comunidade eclesial, que torna
visível um novo modo de se comportar. O missionário que, apesar dos seus limites
e defeitos humanos, vive com simplicidade, segundo o modelo de Cristo, é um
sinal de Deus e das realidades transcendentes. Mas todos na Igreja,
esforçando-se por imitar o divino Mestre, podem e devem dar o mesmo
testemunho,70
que é, em muitos casos, o único modo possível de se ser missionário.
O testemunho evangélico, a que o mundo é
mais sensível, é o da atenção às pessoas e o da caridade a favor dos
pobres, dos mais pequenos, e dos que sofrem. A gratuidade deste relacionamento e
destas ações, em profundo contraste com o egoismo presente no homem, faz
nascer questões precisas, que orientam para Deus e para o Evangelho. Também o
compromiso com a paz, a justiça, os direitos do homem, a promoção humana, é
um testemunho do Evangelho, caso seja um sinal de atenção às pessoas e esteja
ordenado ao desenvolvimento integral do homem.71
43. O cristão e as comunidades cristãs
vivem profundamente inseridos na vida dos respectivos povos, e são também
sinal do Evangelho pela fidelidade à sua pátria, ao seu povo, e à sua cultura
nacional, sempre porém na liberdade que Cristo trouxe. O cristianismo está
aberto à fraternidade universal, porque todos os homens são filhos do mesmo
Pai e irmãos em Cristo.
A Igreja é chamada a dar o seu testemunho
por Cristo, assumindo posições corajosas e proféticas, face à corrupção do
poder político ou econômico; não correndo ela própria atrás da glória e
dos bens materiais; usando os seus bens para o serviço dos mais pobres e
imitando a simplicidade de vida de Cristo. A Igreja e os missionários devem
ainda dar o testemunho da humildade, começando por si próprios, ou seja,
desenvolvendo a capacidade de exame de consciência, a nível pessoal e comunitário,
a fim de corrigirem nas suas atitudes aquilo que é anti-evangélico e desfigura
o rosto de Cristo.
O primeiro anúncio de Cristo Salvador
44. O anúncio tem a prioridade permanente,
na missão: a Igreja não pode esquivar-se ao mandato explícito de Cristo, não
pode privar os homens da « Boa Nova » de que Deus os ama e salva. « A
evangelização conterá sempre — como base, centro e, ao mesmo tempo, vértice
do seu dinamismo — uma proclamação clara de que, em Jesus Cristo (...) a
salvação é oferecida a cada homem, como dom de graça e de misericórdia do
próprio Deus ».72 Todas as formas de atividade missionária tendem para esta
proclamação que revela e introduz no mistério, desde sempre escondido e agora
revelado em Cristo (cf. Ef 3, 3-9; Cl 1, 25-29), o qual se
encontra no âmago da missão e da vida da Igreja, como ponto fulcral de toda a
evangelização.
Na
realidade complexa da missão, o primeiro anúncio tem um papel central e
insubstituível, porque introduz « no mistério do amor de Deus, que, em Cristo,
nos chama a uma estreita relação pessoal com Ele »73
e predispõe a vida para a conversão. A fé nasce do anúncio, e cada comunidade
eclesial consolida-se e vive da resposta pessoal de cada fiel a esse anúncio.74
Como a economia salvífica está centrada em Cristo, assim a atividade missionária
tende para a proclamação do Seu mistério.
O anúncio tem por objeto Cristo
crucificado, morto e ressuscitado: por meio d'Ele se realiza a plena e autêntica
libertação do mal, do pecado e da morte; n'Ele Deus dá a « vida nova »,
divina e eterna. É esta a « Boa Nova », que muda o homem e a história da
humanidade, e que todos os povos têm o direito de conhecer. Um tal anúncio tem
de se inserir no contexto vital do homem e dos povos que o recebem. Além disso
ele deve ser feito numa atitude de amor e de estima a quem o escuta, com uma
linguagem concreta e adaptada às circunstancias. Para isso concorre o Espírito,
que instaura uma união entre o missionário e os ouvintes, tornada possível
enquanto um e os outros, por Cristo, entram em comunhão com o Pai.75
45.
Sendo feito em união com toda a comunidade eclesial, o anúncio nunca é um fato
pessoal. O missionário está presente e atuante em virtude de um mandato
recebido, pelo que, mesmo se estiver sozinho, sempre viverá coligado, através de
laços invisíveis mas profundos, à atividade evangelizadora de toda a Igreja.76
Os ouvintes, mais cedo ou mais tarde, entrevêem, por detrás dele, a comunidade
que o enviou e o apóia.
O anúncio é animado pela fé, que gera
entusiasmo e ardor no missionário. Como ficou dito, os Atos dos Apóstolos
definem uma tal atitude com a palavra parresía, que significa falar com
coragem e desembaraço; o mesmo termo aparece em S. Paulo: « No nosso Deus,
encontramos coragem para vos anunciar o Evangelho, no meio de muitos obstáculos
» (1Ts 2, 2). « Rezai também por mim, para que, quando abrir
a boca, me seja dado anunciar corajosamente o Mistério do Evangelho, do qual,
mesmo com as algemas, sou embaixador, e para que tenha a audácia de falar dele
como convém » (Ef 6, 19-20) .
Ao anunciar Cristo aos não cristãos, o
missionário está convencido de que existe já, nas pessoas e nos povos, pela
ação do Espírito, uma ânsia — mesmo se inconsciente — de conhecer a
verdade acerca de Deus, do homem, do caminho que conduz à libertação do
pecado e da morte. O entusiasmo posto no anúncio de Cristo deriva da convicção
de responder a tal ânsia, pelo que o missionário não perde a coragem nem
desiste do seu testemunho, mesmo quando é chamado a manifestar a sua fé num
ambiente hostil ou indiferente. Ele sabe que o Espírito do Pai fala nele (cf. Mt
10, 17-20; Lc 12, 11-12), podendo repetir com os apóstolos: « nós
somos testemunhas destas coisas, juntamente com o Espírito Santo » (At
5, 32). Está ciente de que não anuncia uma verdade humana, mas « a Palavra de
Deus », dotada de intrínseca e misteriosa força (cf. Rm 1, 16).
A prova suprema é o dom da vida, até ao
ponto de aceitar a morte para testemunhar a fé em Jesus Cristo. Como sempre, na
história cristã, os « mártires », isto é, as testemunhas, são numerosas e
indispensáveis no caminho do Evangelho. Também na nossa época, há tantos:
bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas, leigos, tantas vezes, heróis
desconhecidos que deram a vida para testemunhar a fé. São esses, os
anunciadores e as testemunhas por excelência.
Conversão e batismo
46. O
anúncio da Palavra de Deus visa a conversão cristã, isto é, a adesão
plena e sincera a Cristo e ao seu Evangelho, mediante a fé. A conversão é dom
de Deus, obra da Trindade: é o Espírito que abre as portas dos corações,
para que os homens possam acreditar no Senhor e « confessá-l'O » (1 Cor
12, 3). Jesus, referindo-se a quem se aproxima d'Ele pela fé, diz: « ninguém
pode vir a Mim, se o Pai, que me enviou, o não atrair » (Jo 6, 44).
Desde
o início, a conversão exprime-se com uma fé total e radical: não põe
limites nem impedimentos ao dom de Deus. Ao mesmo tempo, porém, determina um
processo dinâmico e permanente que se prolonga por toda a existência, exigindo
uma passagem contínua da « vida segundo a carne » à « vida segundo o Espírito
» (cf. Rm 8, 3-13). Esta significa aceitar, por decisão pessoal, a soberania
salvífica de Cristo, tornando-se Seu discípulo.
A
Igreja chama a todos, a esta conversão, a exemplo de João Batista que
preparava o caminho para Cristo, « pregando um batismo de conversão, em ordem
ao perdão dos pecados » (Mc 1, 4), e a exemplo do próprio Cristo que,
« depois de João ter sido preso, veio para a Galiléia pregar a Boa Nova de
Deus, dizendo: 'Completou-se o tempo, o Reino de Deus está próximo:arrependei-vos,
e acreditai no Evangelho' » (Mc 1, 14-15
).
Hoje o
apelo à conversão, que os missionários dirigem aos não cristãos, é posto
em discussão ou facilmente deixado no silêncio. Vê-se nele um ato de «
proselitismo »; diz-se que basta ajudar os homens a tornarem-se mais homens ou
mais fiéis à própria religião, que basta construir comunidades capazes de
trabalharem pela justiça, pela liberdade, pela paz, e pela solidariedade.
Esquece-se, porém, que toda a pessoa tem o direito de ouvir a « Boa Nova » de
Deus que se revela e se dá em Cristo, para realizar em plenitude a sua própria
vocação. A grandeza deste evento ressoa nas palavras de Jesus à samaritana:
« Se tu conhecesses o dom de Deus », e no desejo inconsciente, mas intenso da
mulher: « Senhor, dá-me dessa água, para que eu não tenha mais sede » (Jo
4, 10.15).
47. Os
Apóstolos, movidos pelo Espírito Santo, convidaram todos a mudarem de vida, a
converterem-se e a receberem o batismo. Logo depois do evento do Pentecostes,
Pedro fala de modo convincente à multidão: « ao ouvirem aquelas palavras, os
presentes sentiram-se emocionados até ao fundo do coração e perguntaram a
Pedro e aos outros apóstolos: 'Que havemos de fazer, irmãos?' Pedro
respondeu-lhes: 'Convertei-vos e peça cada um o batismo em nome de
Jesus Cristo, para a remissão dos seus pecados; recebereis então o dom do Espírito
Santo' » (At 2, 37-38). E naquele dia batizou cerca de três mil
pessoas. Noutra ocasião, depois da cura de um paralítico, Pedro fala à multidão,
dizendo de novo: « convertei-vos, pois, e mudai de vida, para que sejam
apagados os vossos pecados! » (At 3, 19).
A
conversão a Cristo está conexa com o batismo: está-o não só per força da
práxis da Igreja, mas por vontade de Cristo, que enviou a fazer discípulos em
todas as nações, e a batizá-los (cf. Mt 28, 19); está-o ainda por
intrínseca exigência da recepção em plenitude da vida nova n'Ele: « Em
verdade, em verdade, te digo — assim falou Jesus a Nicodemos — quem não
nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus » (Jo
3, 5). O batismo, de fato, regenera-nos para a vida de filhos de Deus, une-nos
a Jesus Cristo e unge-nos no Espírito Santo: aquele não é um simples selo da
conversão, à maneira de um sinal exterior que a comprova e atesta; mas é o
sacramento que significa e opera este novo nascimento do Espírito, instaura vínculos
reais e inseparáveis com a Trindade, torna-nos membros do Corpo de Cristo, que
é a Igreja.
Recordamos
tudo isto, porque uns tantos, precisamente onde se realiza a missão ad
gentes, tendem a separar a conversão a Cristo, do batismo, considerando-o
como desnecessário. É verdade que, em certos ambientes, alguns aspectos
sociológicos, referentes ao batismo, lhe obscurecem o genuíno significado de fé.
Isso fica-se a dever a diversos fatores históricos e culturais, que é necessário
suprimir onde ainda subsistam, para que o sacramento da regeneração espiritual
surja em todo o seu valor: nesta tarefa, empenhem-se as comunidades eclesiais
locais. Também é verdade que algumas pessoas se dizem interiormente
comprometidas com Cristo e com a Sua mensagem, mas sem quererem sê-lo
sacramentalmente, porque, devido aos seus preconceitos ou por culpa dos
cristãos, não chegam a perceber a verdadeira natureza da Igreja, mistério de fé
e de amor.77
Desejo encorajar estas pessoas a abrirem-se plenamente a Cristo, recordando, a
quantos sentem o fascínio de Cristo, que foi Ele próprio que quis a Igreja como
« lugar » aonde, de fato, O podem encontrar. Ao mesmo tempo, convido os fiéis e
as comunidades cristãs a testemunharem autenticamente Cristo com a sua vida
nova.
Cada
convertido é certamente um dom oferecido à Igreja, mas comporta também para
ela uma grave responsabilidade, não só porque ele terá de ser preparado para
o batismo com o catecumenato, e depois continuar a sua instrução religiosa,
mas também porque — especialmente se é adulto — traz como que uma energia
nova, o entusiasmo da fé, o desejo de encontrar na própria Igreja o Evangelho
vivido. Seria para ele uma desilusão se, entrando na comunidade eclesial,
encontrasse aí uma vida sem fervor, privada de sinais de renovação. Não
podemos pregar a conversão, se nós mesmos não nos convertermos todos os dias.
Formação
de Igrejas locais
48. A
conversão e o batismo inserem na Igreja, onde ela já existe, ou então
implicam a constituição de novas comunidades, que confessem Jesus Senhor e
Salvador. Isto faz parte do desígnio de Deus, a Quem aprouve « chamar os
homens a participar da Sua própria vida, não um a um , mas constituídos
como povo , no qual os Seus filhos dispersos fossem reconduzidos à unidade ».78
A missão
ad gentes tem este objetivo: fundar comunidades cristãs, desenvolver
Igrejas até à sua completa maturação. Esta é uma meta central e qualificativa da
atividade missionária, de tal modo que esta não se pode considerar
verdadeiramente concluída, enquanto não tiver conseguido edificar uma nova
Igreja particular atuando normalmente no ambiente local. Disto fala amplamente o
Decreto Ad gentes,79
e, já depois do Concílio, se consolidou a linha teológica que defende que todo o
mistério da Igreja está contido em cada uma das Igrejas particulares, desde que
esta não se isole, mas permaneça em comunhão com a Igreja universal e, por sua
vez, se faça também missionária. Trata-se de um grande e longo trabalho, onde é
difícil indicar as etapas em que cessa a ação propriamente missionária para se
passar à atividade pastoral. Mas alguns pontos devem ficar claros.
49
Antes de mais, é necessário procurar estabelecer em cada lugar comunidades
cristãs, que sejam « sinal da presença divina no mundo »80 e cresçam até
se tornarem Igrejas. Não obstante o elevado número de dioceses, existem ainda
vastas áreas onde as Igrejas locais não se encontram, ou são insuficientes
relativamente à vastidão do território e à densidade da população: está
ainda por realizar um grande trabalho de implantação e de desenvolvimento da
Igreja. Não está terminada esta fase da história eclesial, dita plantatio
Ecclesiae; pelo contrário, em muitos aglomerados humanos, está ainda por
iniciar.
A
responsabilidade de tal tarefa recai sobre a Igreja universal e sobre as Igreja
particulares, sobre todo o Povo de Deus e sobre as diversas forças missionárias.
Cada Igreja, mesmo aquela que é formada por neoconvertidos, é por sua natureza
missionária; é simultaneamente evangelizada e evangelizadora, devendo a fé
ser apresentada como dom de Deus, tanto a viver em comunidade (família, paróquia,
associações) como a irradiar par o exterior, quer pelo testemunho de vida quer
pela palavra. A ação evangelizadora da comunidade cristã, primeiramente no
próprio território e depois, mais além, como participação na missão
universal, é o sinal mais claro da maturidade da fé. Impõe-se uma conversão
radical da mentalidade para nos tornarmos missionários — e isto vale tanto
para os indivíduos como para as comunidades. O Senhor chama-nos constantemente
a sairmos de nós próprios, a partilhar com os outros os bens que temos, começando
pelo mais precioso, que é a fé. À luz deste imperativo missionário,
dever-se-á medir a validade dos organismos, movimentos, paróquias e obras de
apostolado da Igreja. Somente tornando-se missionária é que a comunidade cristã
conseguirá superar divisões e tensões internas, e reencontrar a sua unidade e
vigor de fé.
As forças
missionárias, vindas de outras Igrejas e Países, devem agir em comunhão com
as forças locais, no desenvolvimento da comunidade cristã. Em particular, toca
àquelas — sempre segundo as diretrizes dos Bispos e em colaboração com os
responsáveis locais — promover a difusão da fé e a expansão da Igreja nos
ambientes e grupos não cristãos; cabe-lhes ainda animar o sentido missionário
das Igrejas locais, para que a preocupação pastoral sempre traga associada a
si, a da missão ad gentes. Assim cada Igreja fará verdadeiramente sua a
solicitude de Cristo, o bom Pastor, que se prodigaliza pelo seu rebanho, mas
pensa ao mesmo tempo nas « outras ovelhas que não são deste aprisco » (Jo
10, 16).
50.
Tal solicitude constituirá motivo e estímulo para um renovado empenho ecumênico.
Os laços existentes entre a atividade ecumênica e a atividade
missionária tornam necessário considerar dois fatores relativos a elas.
Por um lado, temos de reconhecer que « a divisão dos cristãos prejudica a
santíssima causa de pregar o Evangelho a toda a criatura e fecha a muitos o
acesso à fé ».81 Na verdade, o fato de a Boa Nova da reconciliação ser
proclamada por cristãos, que entre si se apresentam divididos, debilita o seu
testemunho, e por isso é urgente trabalhar pela unidade dos cristãos, para que
a atividade missionária possa ser mais incisiva. Ao mesmo tempo, não devemos
esquecer que o próprio esforço em direção à unidade, constitui por si um
sinal da obra de reconciliação que Deus realiza no meio de nós.
Por
outro lado, é verdade também que todos aqueles que receberam o batismo em
Cristo estão constituídos numa certa comunhão entre si, embora não perfeita.
É sobre esta base que se fundamenta a orientação dada pelo Concílio: « Os
católicos, banindo toda a forma de indiferentismo, de sincretismo e odiosa
rivalidade, colaborem com os irmãos separados, em conformidade com as disposições
do decreto sobre o Ecumenismo, por meio da comum profissão de fé em Deus e em
Jesus Cristo diante dos gentios, na medida do possível, e pela cooperação em
questões sociais e técnicas, culturais e religiosas ».82
A
atividade ecumênica e o testemunho comum de Jesus Cristo, dado pelos cristãos
pertencentes a diversas Igrejas e comunidades eclesiais, produziu já abundantes
frutos, mas é ainda mais urgente que colaborem e testemunhem de comum acordo,
neste tempo em que seitas cristãs e paracristãs semeiam a confusão com a sua
ação. A expansão destas seitas constitui uma ameaça para a Igreja Católica
e para todas as comunidades eclesiais com quem ela mantém um diálogo. Onde for
possível e segundo as circunstâncias locais, a resposta dos cristãos poderá
também ser ecumênica.
As
« comunidades eclesiais de base » força de evangelização
51. Um
fenômeno, com crescimento rápido nas jovens Igrejas, promovido pelos bispos ou
mesmo pelas Conferências episcopais, por vezes como opção prioritária da
pastoral, são as comunidades eclesiais de base (conhecidas também por outros
nomes), que estão a dar boas provas como centros de formação cristã e de
irradiação missionária. Trata-se de grupos de cristãos, a nível familiar ou
de ambientes restritos, que se encontram para a oração, a leitura da Sagrada
Escritura, a catequese, para a partilha dos problemas humanos e eclesiais, em
vista de um compromisso comum. Elas são um sinal da vitalidade da Igreja,
instrumento de formação e evangelização, um ponto de partida válido para
uma nova sociedade, fundada na « civilização do amor ».
Tais
comunidades descentralizam e simultaneamente articulam a comunidade paroquial,
à qual sempre permanecem unidas; radicam-se em ambientes simples das aldeias,
tornando-se fermento de vida cristã, de atenção aos « últimos », de
empenho na transformação da sociedade. O indivíduo cristão faz nelas uma
experiência comunitária, onde ele próprio se sente um elemento ativo,
estimulado a dar a sua colaboração para proveito de todos. Deste modo, elas
tornam-se instrumento de evangelização e de primeiro anúncio, bem como fonte
de novos ministérios; enquanto, animadas pela caridade de Cristo, oferecem uma
indicação sobre o modo de superar divisões, tribalismos, racismos.
De
fato, cada comunidade, para ser cristã, deve fundar-se e viver em Cristo, na
escuta da Palavra de Deus, na oração onde a Eucaristia ocupa o lugar central,
na comunhão expressa pela unidade de coração e de alma, e pela partilha
conforme as necessidades dos vários membros (cf. At 2, 42-47). Toda a
comunidade recordava Paulo VI - deve viver em unidade com a Igreja particular e
universal, na comunhão sincera com os Pastores e o Magistério, empenhada na
irradiação missionária e evitando fechar-se em si mesma ou deixar-se
instrumentalizar ideologicamente.83 O Sínodo dos Bispos afirmou: « uma vez que
a Igreja é comunhão, as novas comunidades de base, se verdadeiramente vivem em
unidade com a Igreja, elas representam uma verdadeira expressão de comunhão e
um meio eficaz para construir uma comunhão ainda mais profunda. Por isso, são
um motivo de grande esperança para a vida da Igreja ».84
Encarnar
o Evangelho nas culturas dos povos
52.
Desenvolvendo a sua atividade missionária no meio dos povos, a Igreja encontra
várias culturas, vendo-se envolvida no processo de inculturação. Esta
constitui uma exigência que marcou todo o seu caminho histórico, mas hoje é
particularmente aguda e urgente.
O
processo de inserção da Igreja nas culturas dos povos requer um tempo longo:
é que não se trata de uma mera adaptação exterior, já que a inculturação
« significa a íntima transformação dos valores culturais autênticos, pela
sua integração no cristianismo, e o enraizamento do cristianismo nas várias
culturas ».85 Trata-se, pois, de um processo profundo e globalizante que
integra tanto a mensagem cristã, como a reflexão e a práxis da Igreja. Mas é
também um processo difícil, porque não pode comprometer de modo nenhum a
especificidade e a integridade da fé cristã.
Pela
inculturação, a Igreja encarna o Evangelho nas diversas culturas e
simultaneamente introduz os povos com as suas culturas na sua própria
comunidade,86 transmitindo-lhes os seus próprios valores, assumindo o que de
bom nelas existe, e renovando-as a partir de dentro.87 Por sua vez, a Igreja,
com a inculturação, torna-se um sinal mais transparente daquilo que realmente
ela é, e um instrumento mais apto para a missão.
Graças
a esta ação das Igrejas locais, a própria Igreja universal se enriquece com
novas expressões e valores nos diversos setores da vida cristã, tais como a
evangelização, o culto, a teologia, a caridade; conhece e exprime cada vez
melhor o mistério de Cristo, e é estimulada a uma renovação contínua. Estes
temas, presentes no Concílio e no Magistério sucessivo, tenho-os afrontado
repetidamente nas minhas visitas pastorais às jovens Igrejas.
A
inculturação é um caminho lento, que acompanha toda a vida missionária e que
responsabiliza os vários agentes da missão ad gentes, as comunidades cristãs
à medida que se vão desenvolvendo, e os Pastores que têm a responsabilidade
de discernimento e de estímulo na sua realização.89
53. Os
missionários, provenientes de outras Igrejas e Países, devem inserir-se no
mundo sócio-cultural daqueles a quem são enviados, superando os
condicionalismos do próprio ambiente de origem. Assim, torna-se necessário
aprender a língua da região onde trabalham, conhecer as expressões mais
significativas da sua cultura, descobrindo os seus valores por experiência
direta. Eles só poderão levar aos povos, de maneira crível e frutuosa, o
conhecimento do mistério escondido (cf. Rm 16, 25-27; Ef 3, 5
),
através daquela aprendizagem. Não se trata, por certo, de renegar a própria
identidade cultural, mas de compreender, estimar, promover e evangelizar a do
ambiente em que atuam e, deste modo, conseguir realmente comunicar com ele,
assumindo um estilo de vida que seja sinal de testemunho evangélico e de
solidariedade com o povo.
As
comunidades eclesiais em formação, inspiradas pelo Evangelho, poderão exprimir
progressivamente a própria experiência cristã em modos e formas originais, em
consonância com as próprias tradições culturais, embora sempre em sintonia com
as exigências objetivas da própria fé. Para isso, especialmente no que toca aos
setores mais delicados da inculturação, as Igrejas particulares do mesmo
território devem trabalhar em comunhão entre si 90
e com toda a Igreja, certas de que só a atenção tanto à Igreja universal como à
Igreja particular as tornará capazes de traduzirem o tesouro da fé, na legítima
variedade das suas expressões.91
Portanto os grupos evangelizados oferecerão os elementos para uma « tradução »
da mensagem evangélica,92
tendo presente os contributos positivos provenientes do contato do cristianismo
com as várias culturas, ao longo dos séculos, mas sem nunca esquecer os perigos
de alteração, de quando em vez a tentar- nos.93
54. A
propósito disto, continuam fundamentais algumas indicações. A inculturação,
em seu correto desenvolvimento, deve ser guiada por dois princípios: « a
compatibilidade com o Evangelho e a comunhão com a Igreja universal ».94 Os
Bispos, defensores do « depósito da fé », velarão pela fidelidade e,
sobretudo, pelo discernimento,95 para o qual se requer um profundo equilíbrio:
de fato corre-se o risco de se passar acriticamente de um alheamento da cultura
para uma sobrevalorização da mesma, que não deixa de ser um produto do homem
e, como tal, está marcada pelo pecado. Também ela deve ser « purificada,
elevada, e aperfeiçoada ».96
Um tal
processo requer gradualidade, para que seja verdadeiramente uma expressão da
experiência cristã da comunidade: « será necessária uma incubação do mistério
cristão no caráter do vosso povo - dizia Paulo VI em Kampala para que a sua
voz nativa, mais límpida e franca, se levante harmoniosa no coro das vozes da
Igreja universal ».97 Enfim, a inculturação deve envolver todo o povo de
Deus, e não apenas alguns peritos, dado que o povo reflete aquele sentido da fé,
que é necessário nunca perder de vista. Ela seja guiada e estimulada, mas
nunca forçada, para não provocar reações negativas nos cristãos: deve ser
uma expressão da vida comunitária, ou seja, amadurecida no seio da comunidade,
e não fruto exclusivo de investigações eruditas. A salvaguarda dos valores
tradicionais é efeito de uma fé madura.
O
diálogo com os irmãos de outras religiões
55. O
diálogo interreligioso faz parte da missão evangelizadora da Igreja. Entendido
como método e meio para um conhecimento e enriquecimento recíproco, ele não
está em contraposição com a missão ad gentes; pelo contrário, tem laços
especiais com ela, e constitui uma sua expressão. Na verdade, a missão tem por
destinatários os homens que não conhecem Cristo e o seu Evangelho, e
pertencem, na sua grande maioria, a outras religiões. Deus atrai a Si todos os
povos, em Cristo, desejando comunicar-lhes a plenitude da sua revelação e do
seu amor; Ele não deixa de Se tornar presente de tantos modos, quer aos indivíduos
quer aos povos, através das suas riquezas espirituais, das quais a principal e
essencial expressão são as religiões, mesmo se contêm também « lacunas,
insuficiências e erros ».98 Tudo isto foi amplamente sublinhado pelo Concílio
e pelo Magistério sucessivo, sem nunca deixar de afirmar que a salvação vem de
Cristo, e o diálogo não dispensa a evangelização.99
À luz
do plano de salvação, a Igreja não vê contraste entre o anúncio de Cristo e
o diálogo interreligioso; sente necessidade, porém, de os conjugar no âmbito
da sua missão ad gentes. De fato, é necessário que esses dois elementos
mantenham o seu vínculo íntimo e, ao mesmo tempo, a sua distinção, para que
não sejam confundidos, instrumentalizados, nem considerados equivalentes a
ponto de se puderem substituir entre si.
Recentemente
escrevi aos Bispos da Ásia: « mesmo reconhecendo a Igreja de bom grado o
quanto há de verdadeiro e de santo nas tradições religiosas do Budismo, do
Induismo e do Islão - reflexos daquela verdade que ilumina todos os homens -,
isso não diminui o seu dever e a sua determinação de proclamar sem hesitações
Jesus Cristo que é 'o Caminho a Verdade, e a Vida' ( ... ) O fato de os
crentes de outras religiões poderem receber a graça de Deus e serem salvos por
Cristo independentemente dos meios normais por Ele estabelecidos, não suprime,
de fato, o apelo à fé e ao batismo que Deus dirige a todos os povos ».100
Na verdade, o próprio Senhor, « ao inculcar expressamente a necessidade da fé
e do batismo, ao mesmo tempo corroborou a necessidade da Igreja, na qual os
homens entram pela porta do batismo »,101 O diálogo deve ser conduzido e
realizado com a convicção de que a Igreja é o caminho normal de salvação e
que só ela possui a plenitude dos meios de salvação.l02
56. O
diálogo não nasce de táticas ou de interesses, mas é uma atividade que apresenta
motivações, exigências, dignidade própria: é exigido pelo profundo respeito por
tudo o que o Espírito, que sopra onde quer, operou em cada homem.103
Por ele, a Igreja pretende descobrir as « sementes do Verbo »,104
os « fulgores daquela verdade que ilumina todos os homens 105
- sementes e fulgores que se abrigam nas pessoas e nas tradições religiosas da
humanidade. O diálogo fundamenta-se sobre a esperança e a caridade, e produzirá
frutos, no Espírito. As outras religiões constituem um desafio positivo para a
Igreja: estimulam-na efetivamente quer a descobrir e a reconhecer os sinais da
presença de Cristo e da ação do Espírito, quer a aprofundar a própria identidade
e a testemunhar a integridade da revelação, da qual é depositária para o bem de
todos.
Daqui
deriva o espírito que deve animar um tal diálogo, no contexto da missão. O
interlocutor deve ser coerente com as próprias tradições e convicções
religiosas, e disponível para compreender as do outro, sem dissimulações nem
restrições, mas com verdade, humildade, e lealdade, sabendo que o diálogo
pode enriquecer a ambos. Não deve haver qualquer abdicação, nem irenismo, mas
o testemunho recíproco em ordem a um progresso comum, no caminho da procura e
da experiência religiosa, e simultameamente em vista do superamento de
preconceitos, intolerâncias e mal entendidos. O diálogo tende à purificação
e conversão interior que, se for realizada na docilidade ao Espírito, será
espiritualmente frutuosa.
57. Ao
diálogo, abre-se um vasto campo, podendo ele assumir múltiplas formas e
expressões: desde o intercâmbio entre os peritos de tradições religiosas ou
com seus representantes oficiais, até à colaboração no desenvolvimento
integral e na salvaguarda dos valores religiosos; desde a comunicação das
respectivas experiências espirituais, até ao denominado « diálogo de vida »,
pelo qual os crentes das diversas religiões mutuamente testemunham, na existência
quotidiana, os próprios valores humanos e espirituais, ajudando-se a vivê-los
em ordem à edificação de uma sociedade mais justa e fraterna.
Todos
os fiéis e comunidades cristãs são chamadas a praticar o diálogo, embora não
seja no mesmo grau e forma. Para isso é indispensável o contributo dos leigos,
que « com o exemplo da sua vida e com a própria ação podem favorecer a melhoria
das relações entre os crentes das diversas religiões » 106
enquanto alguns deles poderão mesmo oferecer uma ajuda na pesquisa e no estudo.
107
Sabendo
que bastantes missionários e comunidades cristãs encontram, no caminho difícil
e por vezes incompreendido do diálogo, a única maneira de prestar um sincero
testemunho de Cristo e um generoso serviço ao homem, desejo encorajá-los a
perseverar com fé e caridade, mesmo onde os seus esforços não encontrem
acolhimento nem resposta. O diálogo é um caminho que conduz ao Reino e
seguramente dará frutos, mesmo se os tempos e os momentos estão reservados ao
Pai (cf. At 1, 7).
Promover
o desenvolvimento educando as consciências
58. A
missão ad gentes desenvolve-se ainda hoje, na sua maior parte, nas regiões do
hemisfério Sul, onde é mais urgente a ação em favor do desenvolvimento
integral e da libertação de toda a opressão. A Igreja sempre soube suscitar,
nas população que evangelizou, o impulso para o progresso, e hoje os missionários,
mais do que no passado, são reconhecidos também como promotores de
desenvolvimento por governos e peritos internacionais, que ficam admirados do
fato de obterem notáveis resultados com escassos meios.
Na Encíclica
Sollicitudo rei socialis, afirmei que « a Igreja não tem soluções técnicas
para resolver o subdesenvolvimento como tal », mas « dá o primeiro contributo
para a solução do urgente problema do progresso, quando proclama a verdade
acerca de Cristo, de Si própria e do homem, aplicando-a a uma situação
concreta ».108 A Conferência dos Bispos latino-americanos, em Puebla, afirmou
que « o melhor serviço ao irmão é a evangelização, que o predispõe a
realizar-se como filho de Deus, o liberta da injustiça e promove-o
integralmente ».109 A missão da Igreja não é a intervenção direta no
plano econômico, técnico, político ou do contributo material para o
desenvolvimento, mas consiste essencialmente em oferecer aos povos não um «
ter mais » mas um « ser mais », despertando as consciências com o Evangelho.
« O progresso humano autêntico deve assentar as suas raízes sobre uma
evangelização cada vez mais profunda ».110
A
Igreja e os missionários são também promotores de desenvolvimento com as suas
escolas, hospitais, tipografias, universidades, explorações agrícolas
experimentais. O progresso de um povo, porém, não deriva primariamente do
dinheiro, nem dos auxílios materiais, nem das estruturas técnicas, mas
sobretudo da formação das consciências, do amadurecimento das mentalidades e
dos costumes. O homem é que é o protagonista do desenvolvimento, não o
dinheiro ou a técnica. A Igreja educa as consciências, revelando aos povos
aquele Deus, que procuram sem O conhecer, a grandeza do homem criado à imagem
de Deus e por Ele amado, a igualdade de todos os homens enquanto filhos de Deus,
o domínio sobre a natureza criada e posta ao serviço do homem, o dever de se
empenhar no progresso do homem todo e de todos os homens.
59.
Com a mensagem evangélica, a Igreja oferece uma força libertadora e criadora
de desenvolvimento, exatamente porque leva à conversão do coração e da
mentalidade, faz reconhecer a dignidade de cada pessoa, predispõe à
solidariedade, ao compromisso e ao serviço dos irmãos, insere o homem no
projeto de Deus, que é a construção do Reino de paz e de justiça, já a
partir desta vida. É a perspectiva bíblica dos « novos céus e da nova terra
» (cf.Is 65, 17; 2 Pd 3, 13; Ap 21, 1
),
a qual inseriu na história, o estímulo e a meta para o avanço da humanidade. O
progresso do homem vem de Deus, do modelo Jesus e deve conduzir a Deus.111
Eis porque entre anúncio evangélico e promoção do homem existe uma estreita
conexão.
O
contributo da Igreja e da sua obra evangelizadora para o desenvolvimento dos
povos, não se restringe apenas ao hemisfério Sul, visando combater aí a miséria
material e o subdesenvolvimento, mas envolve também o Norte, que está exposto
à miséria moral e espiritual, causada pelo « superdesenvolvimento ».112 Uma
certa concepção a-religiosa da vida moderna, dominante em algumas partes do
mundo, está baseada na idéia de que, para tornar o homem mais homem, basta
enriquecer e elevar o crescimento técnico e econômico. Mas um desenvolvimento
sem alma não pode bastar ao homem, e o excesso de opulência é tão nocivo
como o excesso de pobreza. O hemisfério Norte construiu um « modelo de
desenvolvimento », e quer difundi-lo para o Sul, onde o sentido de
religiosidade e os valores humanos, que ali existem, correm o risco de serem
submersos pela vaga do consumismo.
«
Contra a fome: muda de vida » é um lema, nascido em ambientes eclesiais, que
indica, aos povos ricos, o caminho para se tornarem irmãos dos pobres: é
preciso voltar a uma vida mais austera que favoreça um novo modelo de
progresso, atento aos valores éticos e religiosos. A atividade missionária
leva aos pobres a luz e o estímulo para o verdadeiro progresso, enquanto a nova
evangelização, entre outras tarefas, deve criar, nos ricos, a consciência de
que chegou o momento de se tornarem realmente irmãos dos pobres, na conversão
comum ao « progresso integral », aberto ao Absoluto. 113
A
caridade: fonte e critério da missão
60. «
A Igreja em todo o mundo - disse-o durante a minha visita ao Brasil - quer ser a
Igreja dos pobres. Ela deseja extrair toda a verdade contida nas Bem-aventuranças,
e em particular na primeira: Bem-aventurados os pobres em espírito
.... Ela quer ensinar e pôr em prática esta verdade como Jesus, que veio
fazer e ensinar ».114
As
jovens Igrejas, que, na sua maioria, vivem no meio de povos sofrendo de uma
enorme pobreza, referem muitas vezes esta preocupação como parte integrante da
sua missão. A Conferência dos Bispos latino-americanos, em Puebla, depois de
ter recordado 0 exemplo de Jesus, escreve que « os pobres merecem uma atenção
preferencial, seja qual for a situação moral ou pessoal em que se encontrem.
Criados à imagem e semelhança de Deus, para serem seus filhos, essa imagem está
ofuscada, e até ultrajada. Por isso, Deus toma a sua defesa e os ama. Daí
resulta que os primeiros destinatários da missão são os pobres, sendo a sua
evangelização, sinal e prova por excelência da missão de Jesus ».115
Fiel
ao espírito das Bem-aventuranças, a Igreja é chamada à partilha com os
pobres e oprimidos de qualquer gênero. Assim exorto os discípulos de Cristo e
as comunidades cristãs, desde as famílias às dioceses, das paróquias aos
institutos religiosos, a fazerem uma sincera revisão da própria vida, na
perspectiva da solidariedade com os pobres. Ao mesmo tempo, agradeço aos
missionários que, com a sua presença amorosa e o seu serviço humilde,
trabalham para o desenvolvimento integral da pessoa e da sociedade, levantando
escolas, centros sanitários, leprosarias, casas de assistência para diminuídos
físicos e anciãos, iniciativas para a promoção da mulher.
Agradeço em
particular, às religiosas, aos irmãos e aos leigos missionários, pela sua
dedicação, enquanto encorajo os voluntários de Organizações não-governamentais,
hoje cada vez mais numerosos, que se dedicam a estas obras de caridade e de
promoção humana.
De
fato são estas « obras de caridade » que dão testemunho da alma de toda a
atividade missionária: o amor, que é e permanece o verdadeiro motor da missão,
constituindo também « o único critério pelo qual tudo deve ser feito ou
deixado de fazer, mudado ou mantido. É o princípio que deve dirigir cada ação,
e o fim para o qual deve tender. Agindo na perspectiva da caridade ou inspirados
pela caridade, nada é impróprio, e tudo é bom ».116
CAPÍTULO VI
OS
RESPONSÁVEIS E OS AGENTES DA PASTORAL MISSIONÁRIA
61. Não
existe testemunho sem testemunhas, como não há missão sem missionários. Com
a finalidade de colaborem na Sua missão e continuarem a Sua obra salvífica,
Jesus escolhe e envia pessoas como Suas testemunhas e apóstolos: « Sereis
minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins
do mundo » (At 1, 8
) .
Os
Doze são os primeiros agentes da missão universal: eles constituem um «
sujeito colegial » da missão, foram escolhidos por Jesus para permanecerem com
Ele e serem enviados « às ovelhas perdidas da casa de Israel » (Mt 10,
6). Esta colegialidade não impede que dentro do grupo se singularizem figuras
como Tiago, João e sobretudo Pedro, que ganhou tal relevo que se tornou usual a
expressão: « Pedro e os outros apóstolos » (At 2, 14. 37
). Graças a
ele, abrem-se os horizontes da missão universal, onde depois sobressairá
Paulo, que, por vontade divina, foi chamado e enviado aos gentios (cf. Gl 1,
15-16).
Na
expansão missionária das origens, encontramos, ao lado dos apóstolos, outros
agentes menos conhecidos, que não podemos esquecer: são pessoas, grupos,
comunidades. Um típico exemplo de Igreja local é a comunidade de Antioquia,
que de evangelizada passa a evangelizadora, enviando os seus missionários, aos
gentios (cf. At 13, 2-3). A Igreja primitiva vive a missão como tarefa
comunitária, embora reconheça, no seu seio, « enviados especiais », ou «
missionários consagrados aos pagãos », como no caso de Paulo e Barnabé.
62.
Tudo quanto, no início do cristianismo, se fez pela missão universal conserva
ainda hoje a sua validade e urgência. A Igreja é por sua natureza missionária,
porque o mandato de Cristo não é algo de contingente e exterior, mas atinge o
próprio coração da Igreja. Segue-se daí que a Igreja toda e cada uma das
Igrejas é enviada aos não cristãos. Mesmo as Igrejas mais jovens,
precisamente « para este zelo missionário florescer nos membros da sua pátria
», devem « participar o quanto antes e de fato na missão universal da
Igreja, enviando também elas, por todo o mundo, missionários a pregar o
Evangelho, mesmo se sofrem escassez de clero ».117 Muitas já assim fazem: eu
encorajo-as vivamente a continuar.
Neste
vínculo essencial de comunhão entre a Igreja universal e as Igrejas
particulares, exercita-se o seu autêntico e pleno caráter missionário. «
Num mundo que, com o encurtar das distâncias, se torna cada vez mais pequeno,
as comunidades eclesiais devem coligarem-se entre si, trocando energias e
meios, empenharem-se conjuntamente na única e comum missão de anunciar e viver
o Evangelho ( ... ) As Igrejas denominadas jovens ( ... ) têm necessidade da
força das antigas, enquanto estas precisam do testemunho e do estímulo das
mais jovens, de tal modo que cada Igreja beba da riqueza das outras Igrejas ».118
Os
primeiros responsáveis da atividade missionária
63.
Como o Senhor ressuscitado confiou o mandato da missão universal ao colégio
apostólico com Pedro à cabeça, assim essa responsabilidade incumbe antes de
mais ao colégio dos Bispos, tendo à sua cabeça o sucessor de Pedro.119
Consciente desta responsabilidade, no encontro com os Bispos, sinto o dever de a
partilhar em ordem tanto à nova evangelização como à missão universal.
Pus-me a caminho pelas estradas do mundo, « para anunciar o evangelho, para
confirmar os irmãos na fé, para consolar a Igreja, para ir ao
encontro do homem. São viagens de fé... São outras tantas ocasiões de
catequese itinerante, de anúncio evangélico alargado a todas as latitudes, e
de Magistério apostólico prolongado até aos hodiernos espaços planetários
».120
Os irmãos
Bispos são comigo diretamente responsáveis pela evangelização do mundo,
quer corno membros do colégio episcopal, quer como pastores das Igrejas
particulares. O Concílio declara a propósito disto: « O cuidado de anunciar o
Evangelho, em toda a terra, pertence ao colégio dos pastores, aos quais, em
comum, Cristo deu o mandato ».121 Aquele afirma também que os Bispos « foram
consagrados não apenas para uma diocese, mas para a salvação de todo o mundo
».122 Esta responsabilidade colegial tem conseqüências práticas. Do mesmo
modo « o Sínodo dos Bispos, entre as suas obrigações de ordem geral, deve seguir com particular solicitude a
atividade missionária, que constitui o
dever mais alto e sagrado da Igreja ».123 A mesma responsabilidade se reflete,
em graus diferentes, nas Conferências episcopais e nos seus organismos a nível
continental, que, por isso mesmo, têm um contributo próprio a oferecer ao
compromisso missionário.124
Vasto
é também o trabalho missionário de cada Bispo, enquanto pastor de uma Igreja
particular. Cabe-lhe a ele, « como cabeça e centro unificador do apostolado
diocesano, promover, dirigir e coordenar a atividade missionária... Procure
também que a atividade apostólica não fique limitada apenas aos convertidos,
mas uma parte razoável de missionários e de subsídios seja destinada à
evangelização dos não-cristãos ».125
64.
Cada Igreja particular deve-se abrir generosamente às necessidades das outras.
A colaboração entre as Igrejas, numa efetiva reciprocidade que lhes permite
dar e receber, é também fonte de enriquecimento para todas, e estende-se a vários
setores da vida eclesial. A propósito disto, serve de exemplo a declaração
dos Bispos, em Puebla: « Chegou finalmente a hora de a América Latina (...) se
lançar em missão para além das suas fronteiras, ad gentes. É verdade que nós
próprios temos ainda necessidade de missionários, mas devemos dar da nossa
pobreza ».126
Com
este espírito, convido os Bispos e as Conferências episcopais a atuarem
generosamente tudo quanto está sugerido na Nota diretiva, que a Congregação
de Clero emanou, visando a colaboração entre as Igrejas particulares e
especialmente a melhor distribuição de clero no mundo.127
A missão
da Igreja é mais vasta que a « comunhão entre as Igrejas »: esta deve ser
orientada não só para auxiliar a reevangelização, mas também e sobretudo na
direção da ação missionária específica. Dirijo o meu apelo a todas as
Igrejas, jovens e antigas, para partilharem comigo esta preocupação,
incrementando as vocações missionárias e superando as suas próprias
dificuldades.
Missionários
e Institutos ad gentes
65.
Entre os agentes da pastoral missionária, hoje como no passado, ocupam um lugar
de importância fundamental, aquelas pessoas e instituições às quais o
Decreto Ad Gentes dedica um capítulo, especial sob o título: « os missionários
».128 A propósito disso, impõe-se uma reflexão profunda, sobretudo para os
próprios missionários, que, devido às alterações no contexto da missão,
podem ser induzidos a não compreenderem já o sentido da sua vocação, a não
saberem já aquilo que hoje a Igreja espera especificamente deles.
Ponto
de referência são estas palavras do Concílio: « embora o compromisso de
difundir a fé recaia sobre todos os discípulos de Cristo, na medida das suas
possibilidades, Cristo Senhor, do meio da multidão dos seus seguidores, sempre
chama aqueles que quer, para conviverem com Ele e os enviar a pregar aos não
cristãos. Por isso, Ele, por ação do Espírito Santo que distribui como quer
os seus carismas para o bem das almas, acende no coração dos indivíduos a
vocação missionária e, ao mesmo tempo, suscita no seio da Igreja aquelas
instituições que assumem como dever específico a tarefa da evangelização,
que diz respeito a toda a Igreja ».129
Trata-se,
portanto, de uma « vocação especial », modelada a partir da dos apóstolos,
e que se manifesta na totalidade com que se orienta o compromisso para o serviço
da evangelização dos não cristãos: é compromisso que envolve toda a pessoa
e vida do missionário, exigindo-lhe uma doação de forças e de tempo sem
limites. Aqueles que estão dotados dessa vocação, « enviados pela legítima
autoridade, vão ter, por espírito de fé e obediência, com aqueles que se
encontram longe de Cristo, entregando-se exclusivamente àquela obra para a
qual, como ministros do Evangelho, foram assumidos ».130 Os missionários devem
meditar no dom recebido e na resposta que ele implica e atualizar a sua formação
doutrinal e apostólica.
66. Os
Institutos Missionários devem empregar todos os recursos necessários, tirando
proveito da sua experiência e criatividade na fidelidade ao seu carisma
originário, para prepararem adequadamente os candidatos, e assegurarem o
restabelecimento das energias espirituais, morais e físicas dos seus membros.l31
Sintam-se parte viva da comunidade eclesial e trabalhem em comunhão com ela. De
fato, cada Instituto nasceu para a Igreja e deve enriquecê-la com as
características próprias, segundo 0 seu espírito particular e sua especial
missão, e os próprios Bispos são os guardiões dessa fidelidade ao carisma
originário.132
Os
Institutos missionários, de uma forma geral, nasceram nas Igrejas de antiga
tradição cristã, e historicamente foram instrumentos da Congregação da
Propaganda Fide, em vista da difusão da fé e da fundação de novas Igrejas. Eles
acolhem hoje, numa medida sempre maior, candidatos provenientes das jovens
Igrejas que eles fundaram, enquanto surgem novos institutos, precisamente nos
países que antes só recebiam missionários e hoje já os enviam também. É de
louvar esta dupla tendência, que demonstra a validade e atualidade da vocação
missionária específica destes Institutos, hoje ainda « absolutamente necessários
»: 133
não apenas para a atividade missionária ad gentes como é sua tradição, mas
também para a animação missionária, tanto nas Igrejas de antiga tradição cristã,
como nas mais jovens.
A vocação
especial dos missionários ad vitam, isto é, por toda a vida, mantém toda a
sua validade: representa o paradigma do compromisso missionário da Igreja, que
sempre tem necessidade de doações radicais e totais, de impulsos novos e
corajosos. Os missionários e as missionárias, que consagraram a vida toda ao
testemunho de Cristo ressuscitado entre os não cristãos, não se deixem, pois,
atemorizar por dúvidas, incompreensões, recusas, perseguições. Rejuvenesçam
a graça do seu carisma específico, e retomem corajosamente o seu caminho,
preferindo - em espírito de fé, obediência e comunhão com os Pastores - os
lugares mais humildes e difíceis.
Sacerdotes
diocesanos para a missão universal
67.
Colaboradores do Bispo, os presbíteros, por força do sacramento da Ordem, são
chamados a partilhar a solicitude pela missão: « o dom espiritual que os presbíteros
receberam na ordenação prepara-os, não para uma missão limitada e restrita,
mas para uma vastíssima e universal missão de salvação até aos
confins da terra, uma vez que todo o ministério sacerdotal participa da
mesma amplitude universal da missão confiada aos Apóstolos por Cristo ».134
Por isso, a própria formação dos candidatos ao sacerdócio deve procurar
dar-lhes « aquele espírito verdadeiramente católico que os habitue a olhar
para além dos confins da própria diocese, nação ou rito, indo ao encontro
das necessidades da missão universal, prontos a pregar o Evangelho por todo o
lado ».135 Todos os sacerdotes devem ter um coração e uma mentalidade missionária,
estarem abertos às necessidades da Igreja e do mundo, atentos aos mais
distantes e, sobretudo, aos grupos não cristãos do próprio meio. Na oração
e, em particular no sacrifício eucarístico, sintam a solicitude de toda a
Igreja pela humanidade.
Especialmente
os sacerdotes, que se encontram em áreas de minoria cristã, devem-se sentir
movidos por um singular zelo e empenho missionário: o Senhor confia-lhes não só
o cuidado pastoral da comunidade cristã, mas também e sobretudo a evangelização
dos seus compatriotas que não fazem parte do Seu rebanho. « Não deixarão de
estar concretamente disponíveis ao Espírito Santo e ao Bispo, para serem
enviados a pregar o Evangelho para além das fronteiras do seu país. Isto
exigir-lhes-á não apenas maturidade na vocação, mas também uma capacidade,
fora do comum, para se afastarem da própria pátria, etnia e família, bem como
uma particular idoneidade para se inserirem, com inteligência e respeito, nas
outras culturas ».136
68. Na
encíclica Fidei Donum, Pio XII, com intuição profética, encorajou os Bispos
a oferecerem alguns sacerdotes para um serviço temporário nas Igrejas de África,
aprovando as iniciativas, nessa linha, já existentes. Nos 25 anos desse
Documento, eu quis sublinhar a sua grande novidade « que fez superar a dimensão
territorial do serviço presbiteral, para o destinar a toda a Igreja ».137 Hoje
está confirmada a validade e a fecundidade dessa experiência: na verdade, os
presbíteros, denominados Fidei Donum, evidenciam o vínculo de comunhão entre
as Igrejas, dão um precioso contributo para o crescimento de comunidades
carenciadas, enquanto recebem delas frescura e vitalidade de fé. Entretanto é
necessário que o serviço missionário do sacerdote diocesano obedeça a
alguns critérios e condições. Sejam enviados sacerdotes escolhidos de entre
os melhores, idôneos e devidamente preparados para o trabalho peculiar que os
espera.138 Eles devem-se inserir com espírito aberto e fraterno no novo
ambiente da Igreja que os acolhe, e constituirão um único presbitério com os
sacerdotes locais, sob a autoridade do Bispo;139 ( . . . ) . Faço votos de que
este espírito de serviço aumente no seio do presbitério das igrejas antigas,
e seja promovido no das Igrejas mais recentes.
A
fecundidade missionária da consagração
69. Na
inexaurível e multiforme riqueza do Espírito, se situam as vocações dos
Institutos de vida consagrada, cujos membros « desde o momento em que se
dedicam ao serviço da Igreja, por força da sua consagração, ficam obrigados
a prestar o seu serviço especialmente na ação missionária, dentro do estilo
próprio do Instituto ».140 A história atesta a extraordinária e benemérita
ação das Famílias religiosas, em favor da propagação da fé e da formação
de novas Igrejas: desde as antigas Instituições monásticas até às Congregações
modernas, passando pelas Ordens medievais.
a )
Seguindo o Concílio, convido os Institutos de vida contemplativa a estabelecer
comunidades nas jovens Igrejas, para prestarem « entre os não cristãos um
magnífico testemunho da majestade e da caridade de Deus, bem como da união
estabelecida em Cristo ».141 Esta presença é benéfica em todo o mundo não
cristão, mas especialmente naquelas regiões, onde as religiões têm em grande
estima a vida contemplativa, na perspectiva da ascese e da busca do Absoluto.
b) Aos
Institutos de vida ativa, aponto os espaços imensos da caridade, do anúncio
evangélico, da educação cristã, da cultura, e da solidariedade com os
pobres, os discriminados, os marginalizados e os oprimidos. Tais Institutos,
tendam ou não para um fim estritamente missionário, devem-se interrogar sobre
a sua possibilidade e disponibilidade de alargar a própria ação, para
expandir o Reino de Deus. Este apelo foi acolhido, nos últimos tempos, por
bastantes Institutos, mas queria que fosse tido em melhor consideração e mais
adequadamente atuado por um autêntico serviço. A Igreja deve dar a conhecer
os grandes valores evangélicos de que é portadora; ora ninguém os testemunha
mais eficazmente, do que aquele que faz profissão de vida consagrada na
castidade, pobreza e obediência, numa total doação a Deus e plena
disponibilidade para servir o homem e a sociedade, segundo o exemplo de
Cristo.142
70.
Dirijo uma palavra de especial apreço às religiosas missionárias, nas quais a
virgindade por amor do Reino se traduz em múltiplos frutos de uma maternidade
segundo o Espírito: a missão ad gentes oferece-lhes precisamente um campo
vastíssimo para « se doarem com amor, de modo total e indiviso .143
O exemplo e a atividade da mulher virgem, consagrada à caridade para com Deus e
o próximo, sobretudo do mais pobre, são indispensáveis como sinal evangélico,
naqueles povos e culturas onde a mulher deve ainda percorrer um longo caminho em
ordem à sua promoção humana e libertação. Faço votos de que muitas jovens
cristãs sintam a sedução de se entregarem a Cristo com generosidade, extraindo
da sua consagração a força e a alegria para O testemunharem entre os povos que O
ignoram.
Todos
os leigos são missionários em razão do batismo
71. Os
últimos Pontífices têm insistido bastante na importância do papel dos leigos
para a atividade missionária.l44
Na Exortação apostólica Christifideles laici, também eu tratei explicitamente da
« missão permanente de levar o Evangelho a todos quantos - e são milhões e
milhões de homens e de mulheres - ainda não conhecem Cristo redentor do homem
»,145 e do
respectivo compromisso dos fiéis leigos. A missão é de todo o Povo de Deus: se é
verdade que a fundação de uma nova Igreja requer a Eucaristia, e, por
conseguinte, o ministério sacerdotal, todavia a missão, que comporta as mais
variadas formas, é tarefa de todos os fiéis.
Aliás
a participação dos leigos na expansão da fé é clara, desde os primeiros tempos
do cristianismo, tanto a nível de indivíduos e famílias, como da comunidade
inteira. Isto foi já recordado por Pio XII, ao referir na primeira encíclica
missionária, as vicissitudes das missões laicais.146
Nos tempos modernos, também não faltou a participação ativa dos missionários
leigos e das missionárias leigas. Como não recordar o importante papel
desempenhado por estas, o seu trabalho nas famílias, nas escolas, na vida
política, social e cultural, e em particular o seu ensino da doutrina cristã?
Mais: é necessário reconhecer, como um título de honra, que algumas Igrejas
tiveram a sua origem, graças à atividade dos leigos e das leigas missionárias.
O
Vaticano II confirmou esta tradição, ilustrando o caráter missionário de
todo o Povo de Deus, em particular o apostolado dos leigos,147 e sublinhando o
contributo específico que eles são chamados a dar na atividade missionária.148
A necessidade de que todos os fiéis compartilhem tal responsabilidade não é
apenas questão de eficácia apostólica, mas é um dever-direito, fundado sobre
a dignidade batismal, pelo qual « os fiéis leigos participam, por sua vez, no
tríplice ministério - sacerdotal, profético e real - de Jesus Cristo ».149
Por isso também « recai sobre eles o mandato do Senhor, tendo o direito de se
empenharem individualmente ou reunidos em associação para que o anúncio da
salvação seja conhecido e acolhido por todo o homem em qualquer lugar; tal
obrigação vincula-os ainda mais naquelas situações onde os homens só poderão
ouvir o Evangelho e conhecer Cristo através deles ».150 Além disse pela índole
secular, que lhes é própria, cabe-lhes a vocação particular de « buscar o
Reino de Deus, tratando das coisas temporais e orientando-as segundo o plano de
Deus ».151
72. Os
setores da presença e da ação missionária dos leigos são muito amplos. «
O primeiro campo (...) é o mundo vasto e complicado da política, da realidade
social, da economia »,152 no plano local, nacional e internacional. No âmbito
da Igreja, existem vários tipos de serviços, funções, ministérios e formas
de animação da vida cristã. Recordo, como novidade surgida recentemente em
bastantes Igrejas, o grande desenvolvimento dos « Movimentos eclesiais »,
dotados de dinamismo missionário.
Quando
se inserem humildemente na vida das Igrejas locais e são acolhidos cordialmente
por Bispos e sacerdotes, nas estruturas diocesanas e paroquiais, os Movimentos
representam um verdadeiro dom de Deus para a nova evangelização e para a
atividade missionária propriamente dita. Recomendo, pois, que se difundam e
sirvam para dar novo vigor, sobretudo entre os jovens, à vida cristã e à
evangelização, numa visão pluralista dos modos de se associar e exprimir.
Na
atividade missionária, devem-se valorizar as várias expressões do laicado,
respeitando a sua índole e finalidade: associações do laicado missionário,
organismos cristãos de voluntariado internacional, movimentos eclesiais, grupos
e sodalícios de vário gênero, sejam aproveitados na missão ad gentes e na
colaboração com as Igrejas locais. Deste modo se favorecerá o crescimento de
um laicado maduro e responsável cuja « formação, nas jovens Igrejas, se
requer como elemento essencial e irrenunciável da plantatio Ecclesiae
.153
A
obra dos catequistas e a variedade dos ministérios
73.
Entre os leigos, que se tornam evangelizadores, contam-se, em primeiro lugar, os
catequistas. O Decreto missionário define-os como sendo « aquele exército tão
benemérito da obra das missões entre os pagãos ( ... ) que penetrados de espírito
apostólico, prestam com seus relevantes serviços um singular e indispensável
auxílio à causa da dilatação da fé e da Igreja »,154 Não é sem razão
que as Igrejas de antiga data, ao empenharem-se numa nova evangelização,
multiplicaram os catequistas e intensificaram a catequese. « O título de
catequistas pertence, por antonomásia aos catequistas em terra de
missão: Igrejas, hoje florescentes, sem eles não teriam sido edificadas ».155
Mesmo
com a multiplicação dos serviços eclesiais e extraeclesiais, o ministério
dos catequistas permanece ainda necessário e tem características peculiares:
os catequistas são agentes especializados, testemunhas diretas, evangelizadores insubstituíveis, que representam a força basilar das comunidades cristãs,
particularmente nas jovens Igrejas, como várias vezes pude dizer e constatar,
nas minhas viagens missionárias. O novo código de Direito Canônico refere as
suas tarefas, qualidades e requisitos.156
Mas
não se pode esquecer que o trabalho dos catequistas vai-se tornando cada vez
mais difícil e exigente, devido às mudanças eclesiais e culturais em curso. É
válido ainda hoje o que o Concílio já sugeria: uma preparação doutrinal e
pedagógica mais cuidada, a constante renovação espiritual e apostólica, a
necessidade de « garantir um digno teor de vida e de segurança social » aos
catequistas.157
É importante, por último, favorecer a criação e o fortalecimento de escolas para
catequistas que, aprovadas pelas Conferências episcopais, confiram títulos
oficialmente reconhecidos por estas últimas.158
74. Ao
lado dos catequistas, é preciso recordar outras formas de serviço à vida da
Igreja e à missão, e por conseguinte outros operadores: animadores da oração,
do canto e da liturgia; chefes de comunidades eclesiais de base e de grupos bíblicos;
encarregados das obras caritativas; administradores dos bens da Igreja;
dirigentes das várias associações de apostolado; professores de religião nas
escolas. Todos os fiéis leigos devem oferecer à Igreja uma parte do seu tempo,
vivendo com coerência a própria fé.
A
Congregação para a Evangelização dos Povos e outras estruturas da atividade
missionária
75. Os
responsáveis e os agentes da pastoral missionária devem-se sentir unidos na
comunhão que caracteriza o Corpo místico. Por isto rezou Cristo, na Última
Ceia: « Como tu, Pai, estás em Mim e Eu em Ti, que também eles sejam em nós
um só, para que o mundo creia que Tu Me enviaste » (Jo 17, 21). Nesta
comunhão, está o fundamento da fecundidade da missão.
Mas a
Igreja constitui também uma comunhão visível e orgânica, e por isso a missão
exige uma união externa e ordenada das diversas responsabilidades e funções,
para que todos os membros « façam convergir, em plena unanimidade, as suas forças
para a edificação da Igreja ».159
Compete
ao Dicastério missionário « dirigir e coordenar, em todo o mundo, a obra de
evangelização dos povos e a cooperação missionária, salva sempre a competência
da Congregação para as Igrejas Orientais ».160 Assim « é seu dever suscitar
e distribuir, segundo as carências mais urgentes das regiões, os missionários
(...) elaborar um programa orgânico de ação, emanar diretrizes e princípios
adequados à evangelização, dar o impulso inicial ».161 Só posso corroborar
estas sábias orientações: para relançar a missão ad gentes é necessário
um centro de propulsão, direção e coordenação, que é a Congregação para
a Evangelização.
Convido as Conferências episcopais e seus organismos, os
Superiores maiores das Ordens, Congregações e Institutos, os organismos
laicais empenhados na atividade missionária, a colaborar fielmente com a
referida Congregação, que tem a autoridade necessária para programar e
dirigir a atividade e a cooperação missionária a nível universal.
Esta
Congregação, tendo atrás de si uma longa e gloriosa experiência, é chamada
a desempenhar um papel de primária grandeza, no plano da reflexão e dos
programas operativos, de que a Igreja precisa para se orientar mais
decididamente para a missão, nas suas várias formas. Com este objetivo, a
Congregação deve manter estreitas relações com os outros Dicastérios da
Santa Sé, com as Igrejas particulares, e com as diversas forças missionárias.
Numa eclesiologia de comunhão, onde toda a Igreja é missionária, mas
simultaneamente se confirmam como cada vez mais indispensáveis as vocações e
instituições específicas para o trabalho ad gentes, continua a ser muito
importante o papel de guia e coordenação do Dicastério missionário, para
conjuntamente enfrentar as grandes questões de interesse comum, salvas as
competências de cada autoridade e estrutura.
76.
Para a direção e coordenação da atividade missionária a nível nacional e
regional, revestem-se de grande importância as Conferências episcopais e os seus
diversos órgãos. O Concílio pede-lhes que « tratem de pleno acordo as questões
mais graves e os problemas mais urgentes, sem transcurarem, porém, as diferenças
locais »162
nem o problema da inculturação. De fato, existe uma ação ampla e regular neste
campo, e os frutos são visíveis. Essa ação, porém, deve ser intensificada e
melhor interligada com a de outros organismos das mesmas Conferências, para que
a solicitude missionária não seja deixada apenas ao cuidado de um certo setor ou
organismo, mas seja partilhada por todos.
Os
organismos, que se empenham na atividade missionária, unam esforços e
iniciativas sempre que isso seja útil. As Conferências dos Superiores Maiores
dirijam esse empenhamento no seu âmbito, em contato com as Conferências
episcopais, segundo as indicações e as normas estabelecidas,163
recorrendo mesmo a comissões mistas.164
Enfim são de desejar encontros e formas de colaboração entre as várias
instituições missionárias, no referente tanto à formação e ao estudo,165
como à ação apostólica.
CAPÍTULO VII
A
COOPERAÇÃO NA ATIVIDADE MISSIONÁRIA
77.
Membros da Igreja por força do batismo, todos os cristãos são corresponsáveis
pela atividade missionária. A participação das comunidades e dos indivíduos
cristãos neste direito-dever, é chamada « cooperação missionária ».
Tal
cooperação radica-se e concretiza-se, antes de mais, no estar pessoalmente
unidos a Cristo: só se estivermos unidos a Ele, como 0 ramo à videira (cf. Jo
15, 5), é que poderemos dar bons frutos. A santidade de vida possibilita a cada
cristão ser fecundo na missão da Igreja: « o Sagrado Concílio convida a
todos a uma profunda renovação interior, para que, uma vez adquirida uma viva
consciência da própria responsabilidade na difusão do Evangelho, cumpram a
sua parte na atividade missionária no meio dos não cristãos »,166
A
participação na missão universal, portanto, não se reduz a algumas
atividades isoladas, mas é o sinal da maturidade da fé e de uma vida cristã
que dá fruto. Deste modo o crente alarga os horizontes da sua caridade, ao
manifestar solicitude por aqueles que estão longe e pelos que estão perto:
reza pelas missões e pelas vocações missionárias, ajuda os missionários,
acompanha-lhes a atividade com interesse e, quando regressam, acolhe-os com
aquela alegria, com que as primitivas comunidades cristãs ouviam, dos Apóstolos,
as maravilhas que Deus operara pela sua pregação (cf. At 14, 27).
Oração
e sacrifício pelos missionários
78.
Entre as várias formas de participação, ocupa o primeiro lugar a cooperação
espiritual: oração, sacrifício, testemunho de vida cristã. A oração deve
acompanhar os passos dos missionários, para que o anúncio da Palavra se torne
eficaz pela graça divina. São Paulo, nas suas Cartas, pede tantas vezes aos fiéis
que rezem por ele, para que lhe seja concedido anunciar o Evangelho com confiança
e coragem.
A oração
deve-se juntar o sacrifício: o valor salvífico de qualquer sofrimento, aceite
e oferecido a Deus por amor, brota do sacrifício de Cristo, que chama os
membros do Seu Corpo místico a associarem-se aos seus padecimentos, a completá-los
na sua própria carne (cf. Cl l, 24). O sacrifício do missionário deve
ser partilhado e apoiado pelo dos fiéis.
Por isso, àqueles que desempenham o
seu ministério pastoral junto dos doentes, recomendo que estes sejam instruídos
sobre o valor do sofrimento, encorajando-os a oferecê-lo a Deus pelos missionários.
Com esta oferta, os doentes tornam-se também missionários, como sublinham
alguns movimentos surgidos entre eles e para eles. Nesta perspectiva é que a
solenidade do Pentecostes, que assinala o início da missão da Igreja, é
celebrada, em algumas comunidades, como « jornada do sofrimento pelas Missões
».
«Eis-me,
senhor, estou pronto! Enviai-me! » (cf. Is 6, 8)
79. A
cooperação exprime-se principalmente na promoção das vocações missionárias,
que constituem o seu elemento indispensável. A este propósito, apesar da
validade reconhecida às diversas formas de empenhamento missionário, todavia
é necessário reafirmar ao mesmo tempo a prioridade da doação total e perpétua
à obra das missões, especialmente nos Institutos e Congregações missionárias,
masculinas e femininas. A promoção de tais vocações representa o coração
da cooperação: o anúncio do Evangelho requer proclamadores, a messe tem
necessidade de trabalhadores, a missão realiza-se sobretudo através de homens
e mulheres que consagraram a vida à obra do Evangelho, dispostos a irem por
todo o mundo levar a salvação.
Desejo,
portanto, recomendar insistentemente esta solicitude pelas vocações missionárias.
Conscientes da responsabilidade universal dos cristãos de contribuírem para a
obra missionária e para o progresso das populações pobres, todos nos devemos
interrogar porquê, em diversas nações, enquanto por um lado crescem os
donativos materiais, por outro ameaçam desaparecer as vocações missionárias,
que constituem a verdadeira medida da entrega aos irmãos. As vocações ao
sacerdócio e à vida consagrada são um sinal seguro da vitalidade de uma
Igreja.
80.
Pensando neste problema grave, dirijo 0 meu apelo, com particular confiança e
afeto, às famílias e aos jovens. As famílias, e sobretudo os pais, estejam
conscientes do dever que têm de dar « um contributo particular à causa
missionária da Igreja, cultivando as vocações missionárias entre os seus
filhos e filhas ».167
Uma
vida de intensa oração, um sentido real do serviço ao próximo, e uma
generosa colaboração nas atividades eclesiais oferece às famílias as condições
favoráveis à vocação dos jovens. Quando os pais estão prontos a consentir
que um dos seus filhos parta para a missão, quando eles rogaram ao Senhor uma
tal graça, Deus os recompensará, na alegria, no dia em que um dos seus filhos
ou filhas escutar o Seu chamamento.
Aos
jovens, eu peço que escutem a palavra de Cristo, a eles dirigida hoje, como então
foi dita a Simão Pedro e a André na margem do lago: « Vinde após Mim, e Eu
farei de vós pescadores de homens » (Mt 4, 19). Que eles tenham a
coragem de responder como Isaías: « Eis-me Senhor, estou pronto! Enviai- me!
» (cf. Is 6, 8). Esses jovens encontrarão à sua frente uma vida fascinante, e
conhecerão a alegria profunda de anunciar a « Boa Nova » aos irmãos e irmãs
que orientarão pelo caminho da salvação.
«
Há mais alegria em dar do que em receber » (At 20, 35)
81. São
muitas as necessidades materiais e econômicas das missões: não apenas para
dotar a Igreja de estruturas mínimas, tais como capelas, escolas para
catequistas e seminaristas, residências, mas também para sustentar as obras de
caridade, de educação e de promoção humana, campo vastíssimo de ação,
especialmente nos Países pobres. A Igreja missionária dá aquilo que recebe,
distribui aos pobres aquilo que os seus filhos mais dotados de bens materiais
lhe põem generosamente à disposição. Neste momento, desejo agradecer a todos
quantos, com sacrifício, contribuem para a obra missionária: as suas renúncias
e a sua participação são indispensáveis para construir a Igreja e
testemunhar a caridade.
Quanto
às ajudas materiais, é importante ver o espírito com que se dá. Para isso
torna-se necessário rever o próprio estilo de vida: as missões não solicitam
apenas uma ajuda, mas uma partilha do anúncio e da caridade para os pobres.
Tudo o que recebemos de Deus - tanto a vida como os bens materiais - não é
nosso, mas foi-nos confiado em uso. Que a generosidade no dar seja sempre
iluminada e inspirada pela fé! Então verdadeiramente haverá mais alegria em
dar do que em receber.
O Dia
Mundial das Missões, orientado à sensibilização para o problema missionário,
mas também para a recolha de fundos, constitui um momento importante na vida da
Igreja, porque ensina como se deve dar o contributo: na celebração eucarística,
ou seja, como oferta a Deus, e para todas as missões do mundo.
Novas
formas de cooperação missionária
82. A
cooperação alarga-se hoje para novas formas, não só no âmbito da ajuda econômica,
mas também no da participação direta. Situações novas, conexas com o fato
da mobilidade, exigem dos cristãos um autêntico espírito missionário.
Recordo algumas, a título de exemplo.
O
turismo a nível internacional é já um fenômeno de massa, certamente
positivo, se for praticado numa atitude respeitadora, para mútuo enriquecimento
cultural, evitando ostentação e esbanjamento, e procurando o contato humano.
Mas, aos cristãos, é pedida sobretudo a consciência de que devem ser sempre
testemunhas da fé e da caridade de Cristo. O conhecimento direto da vida
missionária e das novas comunidades cristãs também pode enriquecer e
revigorar a fé. Não posso deixar de louvar as visitas às missões, em
particular as dos jovens que vão trabalhar e fazer uma experiência forte de
vida cristã.
A
necessidade de emprego leva hoje numerosos cristãos de comunidades jovens, para
áreas onde o cristianismo é desconhecido e, às vezes, banido ou perseguido. O
mesmo acontece aos fiéis de Países de antiga tradição cristã, que vão
trabalhar temporariamente para Países não cristãos.
Estas estadias são de
certeza uma oportunidade para viver e testemunhar a fé. Nos primeiros séculos,
o cristianismo espalhou-se graças sobretudo aos cristãos, que, tendo de se
estabelecer, noutras regiões onde Cristo não tinha sido anunciado,
testemunhavam corajosamente a sua fé e fundavam aí as primeiras comunidades.
Mais
numerosos, porém, são os cidadãos dos Países de missão e membros de religiões
não cristãs que se vão estabelecer noutras Nações, por motivos de estudo e
de trabalho, ou forçados pelas condições políticas ou econômicas do lugar
de origem. A presença destes irmãos, nos Países de antiga tradição cristã,
constitui um desafio às comunidades eclesiais, estimulando-as ao acolhimento,
ao diálogo, ao serviço, à partilha, ao testemunho e ao anúncio direto.
Praticamente, também nos Países cristãos, se formam grupos humanos e
culturais que necessitam da missão ad gentes, e as Igrejas locais, inclusive
com a ajuda de pessoas vindas dos países originários e de missionários
regressados, devem ocupar-se destas situações.
A
cooperação missionária está também ao alcance e empenha os responsáveis da
política, da economia, da cultura, do jornalismo, bem como os peritos dos vários
organismos internacionais. No mundo atual, é cada vez mais difícil traçar
linhas de demarcação geográfica ou cultural: há uma interdependência
crescente entre os povos, o que representa um estímulo para o testemunho cristão
e para a evangelização.
Animação
e formação missionária do Povo de Deus
83. A
formação missionária é obra da Igreja local, com a ajuda dos missionários e
dos seus Institutos, bem como dos cristãos das jovens Igrejas. Este trabalho não
deve ser visto como marginal, mas central na vida cristã. Mesmo para a « nova
evangelização » dos povos cristãos, o tema missionário pode ser de grande
proveito: o testemunho dos missionários mantém efetivamente e seu fascínio
sobre os que se afastaram e os descrentes, e transmite valores cristãos. As
Igrejas locais, pois, insiram a animação missionária como elemento fulcral,
na pastoral ordinária das dioceses e paróquias, das associações e grupos,
especialmente juvenis.
Para
este fim serve antes de mais a informação através da imprensa missionária, e
dos vários subsídios audiovisuais. O seu papel é extremamente importante,
enquanto dão a conhecer a vida da Igreja, a palavra e as experiências dos
missionários e das Igrejas locais, junto daqueles para quem trabalham. É
necessário, pois, que nas Igrejas mais novas, que ainda não são capazes de
possuir um serviço de imprensa e outros subsídios, a iniciativa seja assumida
pelos Institutos missionários que, para tal, dedicarão o pessoal e meios
necessários.
Para
tal formação, estão chamados os sacerdotes e seus colaboradores pastorais, os
educadores e professores, os teólogos, especialmente aqueles que ensinam nos
seminários e nos centros para leigos. O ensino teológico não pode nem deve
prescindir da missão universal da Igreja, do ecumenismo, do estudo das grandes
religiões e da missionologia. Recomendo que, sobretudo nos seminários e nas
casas de formação para religiosos e religiosas, se faça tal estudo, procurando
também que alguns sacerdotes, ou alunos e alunas se especializem nos diversos
campos das ciências missiológicas.
As
atividades de formação sejam sempre orientadas para os seus fins específicos:
informar e formar o Povo de Deus para a missão universal da Igreja, fazer
nascer vocações ad gentes, suscitar cooperação para a evangelização. Não
podemos, de fato, dar uma imagem redutora da atividade missionária, como se
esta fosse principalmente auxílio aos pobres, contributo para a libertação
dos oprimidos, promoção do desenvolvimento, defesa dos direitos humanos. A
Igreja missionária está empenhada também nestas frentes, mas a sua tarefa
primária é outra: os pobres têm fome de Deus, e não apenas de pão e de
liberdade, devendo a atividade missionária testemunhar e anunciar, antes de
mais, a salvação em Cristo, fundando as Igrejas locais, que serão depois
instrumento de libertação integral.
A
responsabilidade primária das Obras Missionárias Pontifícias
84.
Nesta obra de animação, 'o dever primeiro compete às Pontifícias Obras
Missionárias como várias vezes afirmei nas Mensagens para o Dia Mundial das
Missões. As quatro Obras - Propagação da Fé, S. Pedro Apóstolo, Santa Infância
e União Missionária - têm em comum o objetivo de promover o espírito
missionário universal, no seio do Povo de Deus. A União Missionária tem como
fim imediato e específico a sensibilização e formação missionária dos
sacerdotes, religiosos e religiosas, que por sua vez a deverão promover nas
comunidades cristãs; além disso, ela procura impulsionar as outras Obras, de
que é a alma.l68 « A palavra de ordem deve ser esta: todas as Igrejas pela
conversão de todo o mundo »,169
Sendo
do Papa e do Colégio episcopal, estas Obras ocupam, também no âmbito das
Igrejas particulares, « justamente o primeiro lugar, já que são meios quer
para infundir nos católicos, desde a infância, um espírito verdadeiramente
universal e missionário, quer para favorecer uma adequada recolha de fundos em
favor de todas as missões, segundo a necessidade de cada uma ».170 Uma outra
finalidade das Obras Missionárias é a de suscitar vocações ad gentes, por
total consagração de vida, tanto nas Igrejas antigas como nas mais jovens.
Recomendo que orientem cada vez mais para este fim, o seu serviço de animação.
No
exercício da sua atividade, estas Obras dependem, a nível universal, da
Congregação para a Evangelização, e, a nível local, das Conferências
episcopais e do Bispo de cada diocese, devendo colaborar com os centros de animação
existentes: elas geram, no mundo católico, aquele espírito de universalidade e
de serviço à missão, sem o qual não existirá verdadeira cooperação.
Não
só dar à missão, mas também receber
85.
Cooperar para a missão, não significa apenas dar, mas também saber receber.
Todas as Igrejas particulares, jovens e antigas, são chamadas a dar e a receber
da missão universal, e nenhuma se deve fechar em si própria. « Em virtude
desta catolicidade - diz o Concílio -, cada uma das partes traz dons próprios
às outras e a toda a Igreja, de modo que o todo e cada uma das partes aumentem
pela comunicação mútua entre todos e pela aspiração comum à plenitude na
unidade (...). Daí nascem, entre as diversas partes da Igreja, laços de íntima
união quanto às riquezas espirituais, obreiros apostólicos e ajudas materiais
».171
Exorto
todas as Igrejas e os pastores, os sacerdotes, os religiosos e os fiéis, a
abrirem-se à universalidade da Igreja, evitando toda a forma de
particularismo, exclusivismo, ou qualquer sentimento de autosuficiência. As
Igrejas locais, radicadas no seu povo e na sua cultura, devem todavia manter, em
concreto, esse sentido universalístico da fé, isto é, dando e recebendo das
outras Igrejas dons espirituais, experiências pastorais de primeiro anúncio e
de evangelização, de pessoal apostólico e meios materiais.
De
fato, a tendência para se fechar em si própria pode ser forte: as Igrejas
antigas, preocupadas com a nova evangelização, pensam que agora devem realizar
a missão em casa, e correm o risco de refrear o ímpeto para o mundo não cristão,
sendo pouca a vontade de dar vocações aos Institutos missionários, às
Congregações religiosas. Ora é dando generosamente do nosso, que se recebe, e
as jovens Igrejas, muitas das quais conhecem um prodigioso florescimento de vocações,
estão já hoje em condições de enviar sacerdotes, religiosos e religiosas
para as Igrejas antigas.
As
Igrejas jovens, por outro lado, sentem o problema da própria identidade, da
inculturação, da liberdade de crescer sem influências externas, com a possível
conseqüência de fecharem as portas aos missionários. A estas Igrejas, digo:
longe de vos isolardes, acolhei de boa vontade os missionários e os meios,
vindos das outras Igrejas, e vós próprias enviai- os também. Precisamente
para os problemas que vos angustiam, tendes necessidade de vos manterdes em contínua
relação com os irmãos e irmãs na fé. Servindo-vos de todo o meio legítimo,
fazei valer a liberdade a que tendes direito, pensando que os discípulos de
Cristo têm o dever de « obedecer antes a Deus do que aos homens » (At
5, 29
) .
Deus
prepara uma nova primavera do Evangelho
86. Se
se olha superficialmente o mundo moderno, fica-se impressionado pela abundância
de fatos negativos, podendo-se ser levado ao pessimismo. Mas este sentimento é
injustificado: nós temos fé em Deus Pai e Senhor, na Sua bondade e misericórdia.
Ao aproximar-se o terceiro milênio da Redenção, Deus está a preparar uma
grande primavera cristã, cuja aurora já se entrevê. Na verdade, tanto no
mundo não cristão como naquele de antiga tradição cristã, existe uma
progressiva aproximação dos povos aos ideais e valores evangélicos, que a
presença e a missão da Igreja se empenha em favorecer. Na verdade,
manifesta-se hoje uma nova convergência por parte dos povos para esses valores:
a recusa da violência e da guerra; o respeito pela pessoa humana e pelos seus
direitos; o desejo de liberdade, de justiça e de fraternidade; a tendência à
superação dos racismos e dos nacionalismos; a afirmação da dignidade e a
valorização da mulher.
A
esperança cristã apóia-nos num empenhamento profundo a favor da nova
evangelização e da missão universal, e faz-nos rezar como Jesus nos ensinou:
« venha o Teu Reino, seja feita a Tua vontade assim na terra como no céu » (Mt
6, 10
) .
Os
homens, à espera de Cristo, constituem ainda um número imenso: os espaços
humanos e culturais, aonde o anúncio evangélico ainda não chegou, ou a Igreja
está escassamente presente, são tão amplos que requerem a unidade de todas as
suas forças. Preparando-se para celebrar o jubileu do ano Dois mil, toda a
Igreja está ainda mais empenhada num novo advento missionário. Temos de
alimentar em nós a ânsia apostólica de transmitir aos outros a luz e a
alegria da fé, e, para este ideal, devemos educar todo o Povo de Deus.
Não
podemos ficar tranqüilos, ao pensar nos milhões de irmãos e irmãs nossas,
também eles redimidos pelo sangue de Cristo, que ignoram ainda o amor de Deus.
A causa missionária deve ser, para cada crente tal como para toda a Igreja, a
primeira de todas as causas, porque diz respeito ao destino eterno dos homens e
responde ao desígnio misterioso e misericordioso de Deus.
CAPÍTULO VIII
A
ESPIRITUALIDADE MISSIONÁRIA
87. A
atividade missionária exige uma espiritualidade específica, que diz respeito
de modo particular, a quantos Deus chamou a serem missionários.
Deixar-se
conduzir pelo Espírito
Tal
espiritualidade exprime-se, antes de mais, no viver em plena docilidade ao Espírito,
e em deixar-se plasmar interiormente por Ele, para se tornar cada vez mais
semelhante a Cristo. Não se pode testemunhar Cristo sem espelhar a Sua imagem,
que é gravada em nós por obra e graça do Espírito. A docilidade ao Espírito
permitirá acolher os dons da fortaleza e do discernimento, que são traços
essenciais da espiritualidade missionária.
Paradigmático
é o caso dos Apóstolos, que durante a vida pública do Mestre, apesar do seu
amor por Ele e da generosidade da resposta ao Seu chamamento, se mostram
incapazes de compreender as Suas palavras, e renitentes em segui-l'O pelo
caminho do sofrimento e da humilhação. O Espírito transforma-los-á em
testemunhas corajosas de Cristo e anunciadores esclarecidos da Sua Palavra: será
o Espírito que os conduzirá pelos caminhos árduos e novos da missão.
Hoje a
missão continua a ser difícil e complexa, como no passado, e requer igualmente
a coragem e a luz do Espírito: vivemos tantas vezes o drama da primitiva
comunidade cristã, que via forças descrentes e hostis « coligarem-se contra o
Senhor e contra o seu Cristo » (At 4, 26). Como então, hoje é necessário
rezar para que Deus nos conceda o entusiasmo para proclamar o Evangelho. Temos
de perscrutar os caminhos misteriosos do Espírito e, por Ele, nos deixarmos
conduzir para a verdade total (cf. Jo 16, 13).
Viver
o mistério de « Cristo enviado »
88.
Nota essencial da espiritualidade missionária é a comunhão íntima com
Cristo: não é possível compreender e viver a missão, senão na referência a
Cristo, como Aquele que foi enviado para evangelizar. Paulo descreve assim o Seu
viver: « tende em vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus: Ele,
que era de condição divina, não reivindicou o direito de ser equiparado a
Deus; mas despojou-se a Si mesmo, tomando a condição de servo, tornando-se
semelhantes aos homens. Tido pelo aspeto como homem, humilhou-se a Si mesmo,
feito obediente até à morte de cruz » (Fl 2, 5-8).
Aqui
aparece descrito o mistério da encarnação e da redenção, como despojamento
total de Si mesmo que leva Cristo a viver plenamente a condição humana e a
aderir até ao fim ao desígnio do Pai. Trata-se de um aniquilamento que,
todavia, está permeado de amor e exprime o amor. Muitas vezes a missão
percorre esta mesma estrada, com o seu ponto de chegada aos pés da Cruz.
Ao
missionário, pede-se que « renuncie a si mesmo e a tudo aquilo que antes possuía
como seu, e se faça tudo para todos »:172 na pobreza que o torna livre para o
Evangelho, no distanciar-se de pessoas e bens do seu ambiente originário para
se fazer irmão daqueles a quem é enviado, levando-lhes Cristo salvador. A
espiritualidade do missionário conduz a isto: « com os fracos, fiz-me fraco
(...) Fiz-me tudo para todos, para salvar alguns a todo 0 custo. Tudo faço pelo
Evangelho... » (1 Cor 9, 22-23
) .
Precisamente
porque « enviado », o missionário experimenta a presença reconfortante de
Cristo, que o acompanha em todos os momentos de sua vida: « não tenhas medo (
... ) porque Eu estou contigo » (At 18, 9-10), e espera-o no coração
de cada homem.
Amar
a igreja e os homens como Jesus os amou
89. A
espiritualidade missionária caracteriza-se, além disso, pela caridade apostólica
- a de Cristo que veio « para trazer à unidade os filhos de Deus que andavam
dispersos » (Jo 11, 52), o Bom Pastor que conhece as suas ovelhas,
procura-as e oferece a sua vida por elas (cf. Jo 10). Quem tem espírito
missionário sente o ardor de Cristo pelas almas e ama a Igreja como Cristo a
amou.
O
missionário é impelido pelo « zelo das almas », que se inspira na própria
caridade de Cristo, feita de atenção, ternura, compaixão, acolhimento,
disponibilidade e empenhamento pelos problemas da gente. O amor de Jesus envolvia o mais fundo da pessoa: Ele, que « sabia o que há em cada homem » (Jo
2, 25
), amava a todos para lhes oferecer a redenção e sofria quando esta era
rejeitada.
O
missionário é o homem da caridade: para poder anunciar a todo o irmão que
Deus o ama e que ele próprio pode amar, ele terá de usar de caridade para com
todos, gastando a vida ao serviço do próximo. Ele é o « irmão universal »,
que leva consigo o espírito da Igreja, a sua abertura e amizade por todos os
povos e por todos os homens, particularmente pelos mais pequenos e pobres. Como
tal, supera as fronteiras e as divisões de raça, casta, ou ideologia: é sinal
do amor de Deus no mundo, que é um amor, sem qualquer exclusão nem preferência.
Por
fim, como Cristo, o missionário deve amar a Igreja: « Cristo amou a Igreja e
entregou-se a Si mesmo por ela » (Ef 5, 25
) . Este amor, levado até ao
extremo de dar a vida, constitui um ponto de referência para ele (...) Só um
amor profundo pela Igreja poderá sustentar o zelo do missionário: a sua obsessão
de cada dia - a exemplo de S. Paulo - é « o cuidado de todas as Igrejas » (2
Cor 11, 28)! Para qualquer missionário e comunidade, « a fidelidade a
Cristo não pode ser separada da fidelidade à Sua Igreja ».173
O
verdadeiro missionário é o santo
90. O
chamamento à missão deriva por sua natureza da vocação à santidade. Todo o
missionário só o é autenticamente, se se empenhar no caminho da santidade: «
a santidade deve-se considerar um pressuposto fundamental e uma condição
totalmente insubstituível para se realizar a missão de salvação da Igreja ».174
A
universal vocação à santidade está estritamente ligada à universal vocação
à missão: todo o fiel é chamado à santidade e à missão. Este foi o voto
ardente do Concílio ao desejar, « com a luz de Cristo refletida no rosto da
Igreja, iluminar todos os homens, anunciando o Evangelho a toda a criatura ».175
A espiritualidade missionária da Igreja é um caminho orientado para a
santidade.
O
renovado impulso para a missão ad gentes exige missionários santos. Não basta
explorar com maior perspicácia as bases teológicas e bíblicas da fé, nem
renovar os métodos pastorais, nem ainda organizar e coordenar melhor as forças
eclesiais: é preciso suscitar um novo « ardor de santidade » entre os missionários
e em toda a comunidade cristã, especialmente entre aqueles que são os
colaboradores mais íntimos dos missionários.176
Pensemos,
caros Irmãos e Irmãs, no ímpeto missionário das primitivas comunidades cristãs.
Não obstante a escassez de meios de transporte e comunicação de então, o anúncio
do Evangelho atingiu, em pouco tempo, os confins do mundo. E tratava-se da
religião de um Homem morto na cruz, « escândalo para os judeus e loucura para
os pagãos » (1 Cor 1, 23
) ! Na base deste dinamismo missionário,
estava a santidade dos primeiros cristãos e das primeiras comunidades.
91.
Dirijo-me aos batizados das jovens comunidades e das jovens Igrejas. Vós sois
hoje a esperança desta nossa Igreja, que tem já dois mil anos: sendo jovens na
fé, deveis ser como os primeiros cristãos, irradiando entusiasmo e coragem,
numa generosa dedicação a Deus e ao próximo: numa palavra, deveis seguir pelo
caminho da santidade. Só assim podereis ser sinal de Deus no mundo, revivendo
em vossos Países a epopéia missionária da Igreja primitiva. E sereis também
fermento de espírito missionário para as Igrejas mais antigas.
Por
sua vez, os missionários reflitam sobre o dever da santidade, que o dom da
vocação lhes exige, renovando-se dia a dia em seu espírito, e atualizando
também a sua formação doutrinal e pastoral. O missionário deve ser « um
contemplativo na ação ». Encontra resposta aos problemas, na luz da palavra
de Deus e na oração pessoal e comunitária. O contato com os representantes
das tradições espirituais não cristãs e, em particular, as da Ásia,
persuadiu-me de que o fruto da missão depende em grande parte da contemplação.
O missionário, se não é contemplativo, não pode anunciar Cristo de modo credível.
Ele é uma testemunha da experiência de Deus e deve poder dizer como os Apóstolos:
« O que nós contemplamos, ou seja o Verbo da vida ( ... ) nós vo-l'O
anunciamos » (1 Jo 1, 1-3).
O
missionário é o homem das Bem-aventuranças. Na verdade, no « discurso apostólico
» (cf. Mt 10), Jesus dá instruções ao Doze, antes de os enviar a
evangelizar, indicando-lhes os caminhos da missão: pobreza, humildade, desejo
de justiça e paz, aceitação do sofrimento e perseguição, caridade que são
precisamente as Bem-aventuranças, concretizadas na vida apostólica (Mt
5, 1-12). Vivendo as Bem-aventuranças, o missionário experimenta e demonstra
concretamente que o Reino de Deus já chegou, e ele já o acolheu. A característica
de qualquer vida missionária autêntica é a alegria interior que vem da fé.
Num mundo angustiado e oprimido por tantos problemas, que tende ao pessimismo, o
proclamador da « Boa Nova » deve ser um homem que encontrou, em Cristo, a
verdadeira esperança.
CONCLUSÃO
92.
Nunca como hoje se ofereceu à Igreja a possibilidade de, com o testemunho e a
palavra, fazer chegar o Evangelho a todos os homens e a todos os povos. Vejo
alvorecer uma nova época missionária, que se tornará dia radioso e rico de
frutos, se todos os cristãos e, em particular, os missionários e as jovens
Igrejas corresponderem generosa e santamente aos apelos e desafios do nosso
tempo.
Como
os Apóstolos depois da ascensão de Cristo, a Igreja deve reunir-se no Cenáculo
« com Maria, a Mãe de Jesus » (At 1, 14), para implorar o Espírito e
obter força e coragem para cumprir o mandato missionário. Também nós, bem
mais do que os Apóstolos, temos necessidade de ser transformados e guiados pelo
Espírito.
Na vigília
do terceiro milênio, toda a Igreja é convidada a viver mais profundamente o
mistério de Cristo, colaborando com gratidão na obra da salvação. Fa-lo-á
com Maria e como Maria, sua mãe e modelo: é Ela, Maria, o exemplo daquele amor
materno, do qual devem estar animados todos quantos, na missão apostólica,
cooperam para a regeneração dos homens. Por isso, « confortada pela presença
de Cristo, a Igreja caminha no tempo para a consumação dos séculos indo ao
encontro do Senhor que vem. Mas, nesta caminhada, a Igreja procede seguindo as
pegadas do itinerário percorrido pela Virgem Maria ».177
A «
mediação de Maria, toda Ela orientada para Cristo e disponível para a revelação
do seu poder salvífico »,178
confio a Igreja e, em particular, aqueles que se empenham na atuação do mandato
missionário, no mundo de hoje. Como Cristo enviou os seus apóstolos no nome de
Pai, do Filho e do Espírito Santo, também renovando o mesmo mandato, eu estendo
a todos vós a Bênção Apostólica no nome da mesma Trindade Santíssima. Amém.
Dado
em Roma, junto de S. Pedro, no dia 7 de Dezembro do ano de 1990, no XXV aniversário
do Decreto conciliar Ad gentes, décimo terceiro do Pontificado.
1 Cf.
PAULO VI, Mensagem para o Dia Mundial das Missões/1972 », Insegnamenti
X (1972) 522: « Estas tensões internas, que debilitam e laceram algumas
Igrejas e instituições locais, desapareceriam frente à firme convicção de
que a salvação das comunidades locais se conquista pela cooperação na obra
missionária, a fim de que esta se estenda até aos confins da terra ».
2
Cf. BENTO XV, Epist. ap. Maximum illud
(30/XI/1919): AAS 11 (1919) 440-455; Pio XI, Carta Enc. Rerum
Ecclesiae (28/II/1926): AAS 18 (1926) 65-83; Pio XII, Carta Enc. Evangelii
praecones (2/VI/1951): AAS 43 (1951) 497-528; Carta Enc. Fidei
donum (21/IV/1957): AAS 49 (1957), 225-248; JoÃo XXIII, Carta Enc. Princeps
Pastorum (28/XI/1959): AAS 51 ( 1959) 833-864.
3
Carta Enc. Redemptor hominis (4/III/1979), 10: AAS 71 (1979) 274
s.
4
ibid., 10: l.c., 275. 5
5
Credo niceno-constantinopolitano: DzS 150.
6
Carta Enc. Redemptor hominis, 13: l.c., 283.
7 Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gatrdtüm
et spes, 2.
14
Declaração sobre a líberdade religiosa Dignitatis humanae, 2.
15 Cf.
Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 14-17; Decreto sobre a atividade
missionária da Igreja Ad gentes, 3.
16 Cf.
Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 48; Const. past. sobre a Igreja no
mundo contemporâneo Gaudium et spes, 43; Decreto sobre a atividade missionária
da Igreja Ad gentes, 7. 21.
17
Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 13.
18 ibid.,
9.
19
Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 22.
20
Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 14.
21
Carta Enc. Dives in misericordia, 1: l.c., 1177.
22
Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 5.
23 Cf.
Conc. ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium
et spes, 22.
24 Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium 4.
25
ibid., 5.
26
Exort. Ap. Evangelii nuntiandi, 16: l.c., 15.
27
Discurso de Abertura da III Sessão do Conc. Ecum. Vat. II, 14 de Setembro de
1904: AAS 56 (1964) 810.
28
PAULO VI, Exort. Ap. Evangelii nuntiandi, 34: l.c., 28.
29 Cf.
COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL, Temi SceIti d'ecclesiologia no XX aniversário
do encerramento do Conc. Ecum. Vat. II (7/X/1985), 10: « L'indole escatologica
della Chiesa: Regno di Dio e Chiesa ».
30 Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium
et spes, 39.
33 A
expressão « sem medo » corresponde ao termo grego parresia, que significa
também entusiasmo, vigor; cf. At 2, 29; 4, 13. 29. 31; 9, 27. 28; 13, 46; 14,
3; 18, 26; 19, 8. 26; 28, 31.
35 Cf.
Carta Enc. Dominum et Vivificantem, 53: l.c., 874 s.
36 Cf.
Conc. Ecum. Var. II, Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad
gentes, 3. 11. 15; Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium
et spes, 10-11. 22. 26. 38. 41. 92-93.
37
CONC. ECUM. VAT. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo
Gaudaium et spes, 10. 15.
22.
38
ibid., 41.
39
Cf. Carta Enc. Dominum et Vivificantem,
54: l.c., 875 s.
40
CONC. ECUM. VAT. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaud:úm
et spes, 26.
41
ibid., 38; cf. 93.
42
Cf. CONC. ECUM. VAT. II, Const. dogm.
sobre a Igreja Lumen gentium, 17; Decreto sobre a atividade missionária da
Igreja Ad gentes, 3. 15.
43
Conc. Ecum. Var. II, Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad
gentes, 4.
44 Cf.
Carta Enc. Dominum et Vivificantem, 53: l.c., 874.
45
Discurso aos Dirigentes das religiões não cristãs, em Madras (Índia), a 5 de
Fevereiro de 1986: AAS 78 (1986), 767; cf. Mensagem aos Povos da Asia, em
Manila, a 21 de Fevereiro de 1981, 2-4: AAS 73 ( 1981 ), 392 s.; Discurso
aos representantes das religíões não cristãs, em Tóquio, a 24 de Fevereiro
de 1981, 3-4: Insegnamenti IV/1 ( 1981 ), 507 s.
46
Discurso aos Cardeais, à Família Pontifícia e à Cúria e Prelatura Romana,
22 de Dezembro de 1986, 11: AAS 79 (1987), 1089.
47 Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 16.
48
Conc. Ecum. Var. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium
et spes, 45; cf. Carta Enc. Dominum et Vivificantem, 54: l.c., 876.
49
Conc. Ecum. Vat. II, Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad
gentes, 10.
57 Cf.
Conc. Ecumt. Vat. II, Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad
gentes, 6.
58
Exort. Ap. Evangelii nuntiandi, 80: l.c., 73.
59 Cf.
Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad gentes, 6.
60 Cf.
ibid., 20.
61 Cf.
Discurso aos membros do Simpósio do Conselho das Conferências Episcopais da
Europa, 11 de Outubro de 1985: AAS 78 (1986), 178-189.
62
Exort. Ap. Evangelii nuntiandi, 20: l.c., 19.
63
Conc. Ecum. Vat. II, Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad
gentes, 5; cf. Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 8.
64 Cf.
Conc. Ecum. VAT. II, Declaração sobre a liberdade religiosa Dignitatis
humanae, 3-4; Paulo VI, Exort. Ap. Evangelii nuntiandi, 79-80: l.c.,
71-75; João Paulo II, Carta Enc. Redemptor hominis, 12: l.c.,
278-281.
65
Epist. Ap. Maximum illud: l.c., 446.
66
PauLo VI, Exort. Ap. Evangelii nuntiandi, 62: l.c., 52.
67 Cf.
De praescriptione haereticorum, XX: CCL I, 201 s.
68
Conc. Ecum. Vat. II, Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad
gentes, 9; cf. cap. II, 10-18.
69 Cf.
PAULO VI, Exort. Ap. Evangelii nuntiandi, 41: l.c., 31 s.
70 Cf.
Conc. Ecum. VAT. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 28. 35. 38;
Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 43; Decreto
sobre a atividade missionária da Igreja Ad gentes, 11-12.
72
Paulo VI, Exort. Ap. Evangelii nuntiandi, 27: l.c., 23.
73
Conc. Ecum. Vat. II, Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad
gentes, 13.
74 Cf.
Paulo VI, Exort. Ap. Evangelii nuntiandi, 15: l.c., 13-15; Coce. Ecum.
Vat. II, Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad gentes, 13-14.
87 Cf.
Paulo VI, Exort. Ap. Evangelii nuntiandi, 20: l.c., 18 s. 88 Cf. Discurso aos
Bispos do Zaire, em Kinshasa, a 3 de Maio de 1980, 4-6: AAS 72 (1980), 432-435;
Discurso aos Bispos do Quénia, em Nairóbi, a 7 de Maio de 1980, 6: AAS 72
(1980), 497; Discurso aos Bispos da Índia, em Nova Déli, a 1 de Fevereiro de
1986, 5: AAS 78 ( 1986), 748 s.; Homilia em Cartagena, a 6 de Julho de 198G,
7-8: AAS 79 (1987), 105 s.; cf. também Carta Enc. Slavorum apostoli, 21-22:
l.c., 802-804.
89
CONC. ECUM. Vat. II, Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad
gentes, 22.
92 As
Igrejas particulares « têm a missão de assimilar o essencial da mensagem
evangélica, de o traduzir, sem a mínima alteração da sua verdade
fundamental, na linguagem que estes homens compreendem, e depois anunciá-lo
nessa mesma linguagem ... O termo linguagem deve ser entendido aqui
não tanto no sentido semântico ou literário, como sobretudo naquele que
podemos designar antropológico ou cultural » (ibid., 63: l.c., 53).
93 Cf.
Discurso na Audiência Geral de 13 de Abril de 1988: Insegnamenti XI/1 (1988),
877-881.
94
Exort. Ap. Familiaris consortio (22/XI/1981), 10, que trata da inculturação «
no âmbito do matrimônio e da família »: AAS 74 (1982), 91.
96
Cocc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 17.
97
Discurso aos participantes no Simpósio dos Bispos da África, em Kampala, a 31
de Julho de 1969, 2: AAS 61 (1969), 577.
98
Paulo VI, Discurso na Abertura da II Sessão do Conc. Ecum. Vat. II, a 29 de
Setembro de 1963: AAS 55 (1963), 858; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Declaração
sobre as relações da Igreja com as religiões não cristãs Nostra aetate, 2;
Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 16; Decreto sobre a atividade
missionária da Igreja Ad gentes, 9; PAULO VI, Exort. Ap. Evangelii nuntiandi;
53: l.c., 41 s.
99 Cf.
Paulo VI, Carta Enc. Ecclesiam suam (6/XII/1964): AAS 56 ( 1964), 609-659; Conc.
Ecum. Vat. II, Declaração sobre as relações da Igreja com as religiões não
cristãs Nostra aetate; Decreto sobre a atividade missionáría da Igreja Ad
Gentes, 11. 41; SECRETARIADO PARA OS NÃO CRISTÃOS, A atitude da Igreja face
aos sequazes de outras religiões: reflexões e orientações do dialogo e missão
(4/IX/1984): AAS 76 (1984), 816-828.
100
Carta aos Bispos da Ásia, por ocasião da V Assembléia Plenária da Federação
das suas Conferências Episcopais (23/VI/1990), 4: L'Osservatore Romano, de 18
de Julho de 1990.
101
Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 14; cf. Decreto
sobre a atividade missionária da Igreja Ad gentes, 7.
102
Cf. Conc. Ecum. VAT. II, Decreto sobre o ecumenismo Unitatis redintegratio, 3;
Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad gentes, 7.
107
Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad
gentes, 41.
108
Carta Enc. Sollicitudo rei socialis (30/XII/1987), 41: AAS 80 ( 1988), 570 s.
109
Documentos da III Conferência Geral do Episcopado latino-americano, em Puebla (
1979), 3760 (1145).
110
Discurso aos Bispos, sacerdotes, religiosas e religiosos, em Jacarta, a 10 de
Outubro de 1989, 5: L'Osservatore Romano de 11 de Outubro de 1989.
111
Cf. PAULO VI, Carta Enc. Populorum progressio, 14-21. 40-42: l.c., 264-268, 277
s.; João Paulo I I, Carta Enc. Sollicitudo rei socialis, 27-41: l.c., 547-572.
112
Cf. Carta Enc. Sollicitudo rei socialis, 28: l.c., 548-550.
113
Cf. ibid., cap. IV, 27-34: l.c., 547-560; Paulo VI, Carta Enc. Populorum
progressio, 19-21. 41-42: l.c., 266-268, 277 s.
114
Discurso aos habitantes da favela do Vidigal, no Rio de Janeiro, a 2 de Julho
de 1980, 4: AAS 72 (1980), 854.
115
Documentos da III Conferência Geral do Episcopado latino-americano, em Puebla,
3757 (1142).
116
ISAAC DE STELLA, Sermone 31: PL 194, 1793.
117
Conc. Ecum. Vat. II, Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad
gentes, 20.
119
Cf. Conc. Ecum. VAT. II, Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad
gentes, 38.
120
Discurso aos membros do Sacro Colégio e a todos os colaboradores da Cúria
Romana, da Cidade do Vaticano e do Vicariato de Roma, em 28 de Junho de 1980,
10: Insegnamenti III/1 (1980), 1887.
121
Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 23.
122
Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad gentes, 38.
123
ibid., 29.
124
Cf. ibid., 38.
125
ibid., 30.
126
Documentos da III Conferência Geral do Episcopado latino-americano, em Puebla,
2941 (368). 7
127
Cf. Notas diretivas para a promoção da mútua cooperação entre as Igrejas
particulares e em especial para uma distribuição mais correta do Clero
Postquam Apostoli (25/III/1980): AAS 72 ( 1980), 343-364.
128
Cf. Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad gentes, cap. IV, 23-27.
129
ibid., 23.
130
ibid., 23.
131
Cf. ibid., 23. 27.
132
CE. CONGREGAÇÃO PARA OS RELIGIOSOS E OS INSTITUTOS SECULARES e CONGREGAÇÃO
PARA OS BISPOS, Notas diretivas para as relações mútuas entre os Bispos e os
Religiosos na Igreja Mutuae relationes (14/V/1978), 14b: AAS 70 (1978), 482; cf.
ainda n. 28, do mesmo documento.
133
CONC. ECUM. VAT. II, Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad
gentes, 27.
134
Conc. Ecum. Vat. II, Decreto sobre o ministério e a vida sacerdotal
Presbyterorum ordinis, 10; cf. Decreto sobre a atividade missionária da Igreja
Ad gentes, 39.
135
Conc. Ecum. Vat. II, Decreto sobre a formação sacerdotal Optatam totius, 20.
Cf. « Guide de vie pastorale pour les prêtres diocésains des Eglises qui dépendent
de la Congrégation pour l'Evangélisation des Peuples o (Roma, 1989).
136
Discurso aos participantes à Assembleia Plenária da Congregação para a
Evangelização dos Povos, a 14 de Abril de 1989, 4: AAS 81 (1989), 1140.
137
Mensagem para o Dia Mundial das Missões/1982: Insegnamenti V/2 (1982), 1879.
138
Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad
gentes, 38; CONGREGAÇÃO PARA O CLERO, Notas Directivas Postquam Apostoli,
24-25: l.c., 361.
139
CF. CONGREGAÇÃO PARA O CLERO, Notas diretivas
Postquam
Apostoli, 29: l.c., 362 s.; Conc. ECUM. VAT. II, Decreto sobre a atividade
missionária da Igreja Ad gentes, 20.
140
C.I.C., cán. 783.
141
Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad gentes, 40.
142
Cf. Paulo VI, Exort. Ap. Evangelii nuntiandi, 69: l.c., 58 s.
157
Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad gentes, 17.
158
Cf. Assembléia Plenária da Congregação para a Evangelização dos Povos, do
ano 1969, sobre os catequistas, e a correlativa « Instrução » de Abril de
1970: Bibliografia missionaria 34 (1970), 197-212, e ainda Sacra Congreg. de
Propaganda Fide Memoria Rerum, III/2 ( 1976), 821-831.
159
Conc. Ecum. Vat. II, Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad
gentes, 28.
160
Const. Ap. sobre a Cúria Romana Pastor Bonus, (28/VI/1988), 85: AAS 80 (1988)
881; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decreto sobre a atividade missionária da Igreja
Ad gentes, 29.
161
Conc. Ecum. Vat. II, Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad
gentes, 29; cf. João Paulo II, Const. Ap. Pastor Bonus, 86: l.c., 882.
162
Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad gentes, 31.
163
Cf. ibid., 33.
164
Cf. Paulo VI, Cart. Ap. sob forma de motu próprio data Ecclesiae Sanctae
(6/VIII/1966), II, 43: AAS 58 (1966), 782.
165
Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decreto sobre a atividade missíonária da Igreja Ad
gentes, 34; PAULO VI, Motu proprio Ecclesiae sanctae, III, n. 22: l.c., 787.
166
Conc. Ecum. Vat. II, Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad
gentes, 35; cf. C.I.C. cán. 211. 781.
176
Cf. Discurso à Assembléia do CELAM, em Porto Príncipe, a 9 de Março de 1983:
AAS 75 ( 1983 ) 771-779; Homilia na Abertura da « Novena de anos », promovida
pelo CELAM em S. Domingos, a 12 de Outubro de 1984: Insegnamenti VII/2 ( 1984)
885-897.
177
Carta Enc. Redemptoris Mater (25/III/1987), 2: AAS 79 (1987) 362 s.
Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, ao sabor das paixões, amontoa- rão para si mestres, conforme suas próprias concupiscências e des- viarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas".(2Tm 4,3-4).