"Maldito aquele que faz com negligência a obra do Senhor!"(Jr 48,10).
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Familiaris Consortio
Exortação Apostólica
FAMILIARIS CONSORTIO
de Sua Santidade João Paulo II,
ao Episcopado, ao
clero
aos Fiéis de
toda Igreja Católica sobre a função
da Família Cristã no Mundo de Hoje
INTRODUÇÃO
A Igreja
a serviço da família
1. A família
nos tempos de hoje, tanto e talvez mais que outras instituições, tem sido
posta em questão pelas amplas, profundas e rápidas transformações da
sociedade e da cultura. Muitas famílias vivem esta situação na fidelidade àqueles
valores que constituem o fundamento do instituto familiar. Outras tornaram-se
incertas e perdidas frente a seus deveres, ou ainda mais, duvidosas e quase
esquecidas do significado último e da verdade da vida conjugal e familiar.
Outras, por fim, estão impedidas por variadas situações de injustiça de
realizarem os seus direitos fundamenta.
Consciente
de que o matrimônio e a família constituem um dos bens mais preciosos da
humanidade, a Igreja quer fazer chegar a sua voz e oferecer a sua ajuda a quem,
conhecendo já o valor do matrimônio e da família, procura vivê-lo fielmente,
a quem, incerto e ansioso, anda à procura da verdade e a quem está impedido de
viver livremente o próprio projeto familiar. Sustentando os primeiros,
iluminando os segundos e ajudando os outros, a Igreja oferece o seu serviço a
cada homem interessado nos caminhos do matrimônio e da família.
Dirige-se
particularmente aos jovens, que estão para encetar o seu caminho para o matrimônio
e para a família, abrindo-lhes novos horizontes, ajudando-os a descobrir a
beleza e a grandeza da vocação ao amor e ao serviço da vida.
O Sínodo
de 1980 na continuidade dos Sínodos precedentes
2. Um sinal
deste profundo interesse da Igreja pela família foi o último Sínodo dos
Bispos celebrado em Roma de 26 de Setembro a 25 de Outubro de 1980. Este foi uma
continuação natural dos dois precedentes: a família cristã, de fato, é a
primeira comunidade chamada a anunciar o Evangelho à pessoa humana em
crescimento e a levá-la, através de uma catequese e educação progressiva, à
plenitude da maturidade humana e cristã.
Mas não só.
O recente Sínodo liga-se também idealmente de alguma forma com os anteriores
sobre o Sacerdócio ministerial e sobre a justiça no mundo contemporâneo. Na
verdade, enquanto comunidade educativa, a família deve ajudar o homem a
discernir a própria vocação e a assumir o empenho necessário para uma maior
justiça, formando-o desde o início, para relações interpessoais, ricas de
justiça e de amor.
Os Padres
Sinodais, como conclusão da última Assembléia, apresentaram-me um amplo
elenco de propostas, que recolhem os frutos das reflexões desenvolvidas no
curso de jornadas de intenso trabalho, e pediram-me com voto unânime fazer-me
intérprete diante da humanidade da viva solicitude da Igreja pela família, e
de oferecer indicações para um renovado empenhamento pastoral neste sector
fundamental da vida humana e eclesial.
Ao cumprir
tal tarefa com a presente Exortação, como uma atuação peculiar do ministério
apostólico que me foi confiado, desejo exprimir a minha gratidão a todos os
participantes no Sínodo pelo contributo precioso de doutrina e de experiência,
que puseram à minha disposição mediante as «Propositiones», cujo texto
confio ao Conselho Pontifício para a Família, dispondo que aprofunde o estudo
a fim de valorizar cada aspecto das riquezas que contém.
O bem
precioso do matrimônio e da família
3. A Igreja,
iluminada pela fé, que lhe faz conhecer toda a verdade sobre o precioso bem do matrimônio
e da família e sobre os seus significados mais profundos, sente
mais uma vez a urgência de anunciar o Evangelho, isto é, a «Boa Nova» a
todos indistintamente, em particular a todos aqueles que são chamados ao matrimônio
e para ele se preparam, a todos os esposos e pais do mundo.
Ela está
profundamente convencida de que só com o acolhimento do Evangelho encontra
realização plena toda a esperança que o homem põe legitimamente no matrimônio
e na família.
Queridos por
Deus com a própria criação, o matrimônio e a família estão interiormente
ordenados a complementarem-se em Cristo e têm necessidade da sua graça para
serem curados das feridas do pecado e conduzidos ao seu «princípio», isto é,
ao conhecimento pleno e à realização integral do desígnio de Deus.
Num momento
histórico em que a família é alvo de numerosas forças que a procuram
destruir ou de qualquer modo deformar, a Igreja, sabedora de que o bem da
sociedade e de si mesma está profundamente ligado ao bem da família, sente de
modo mais vivo e veemente a sua missão de proclamar a todos o desígnio de Deus
sobre o matrimônio e sobre a família, para lhes assegurar a plena vitalidade e
promoção humana e cristã, contribuindo assim para a renovação da sociedade
e do próprio Povo de Deus.
I. LUZES E SOMBRAS DA FAMÍLIA DE
HOJE
Necessidade
de conhecer a situação
4. Uma vez
que o desígnio de Deus sobre o matrimônio e sobre a família visa o homem e a
mulher no concreto da sua existência quotidiana, em determinadas situações
sociais e culturais, a Igreja, para cumprir a sua missão, deve esforçar-se por
conhecer as situações em que o matrimônio e a família se encontram hoje.
Este
conhecimento é, portanto, uma exigência imprescindível para a obra de
evangelização. É na verdade, às famílias do nosso tempo que a Igreja deve
levar o imutável e sempre novo Evangelho de Jesus Cristo, na forma em que as
famílias se encontram envolvidas nas presentes condições do mundo, chamadas a
acolher e a viver o projeto de Deus que lhes diz respeito. Não só, mas os
pedidos e os apelos do Espírito ressoam também nos acontecimentos da história,
e, portanto, a Igreja pode ser guiada para uma intelecção mais profunda do
inexaurível mistério do matrimônio e da família a partir das situações,
perguntas, ansiedades e esperanças dos jovens, dos esposos e dos pais de hoje.
Deve ainda
juntar-se a isto uma reflexão ulterior de particular importância no tempo
presente. Não raramente ao homem e à mulher de hoje, em sincera e profunda
procura de uma resposta aos graves e diários problemas da sua vida matrimonial
e familiar, são oferecidas visões e propostas mesmo sedutoras, mas que
comprometem em medida diversa a verdade e a dignidade da pessoa humana. É uma
oferta freqüentemente sustentada pela potente e capilar organização dos meios
de comunicação social, que põem sutilmente em perigo a liberdade e a
capacidade de julgar com objetividade.
Muitos, já
cientes deste perigo em que se encontra a pessoa humana, empenham-se pela
verdade. A Igreja, com o seu discernimento evangélico, une-se a esses,
oferecendo-lhes o seu serviço em prol da verdade, da liberdade e da dignidade
de cada homem e de cada mulher.
O
discernimento evangélico
5. O
discernimento realizado pela Igreja torna-se oferta para orientação que
salvaguarde e realize a inteira verdade e a plena dignidade do matrimônio e da
família.
Este
discernimento atinge-se pelo sentido da fé, dom que o Espírito Santo concede a
todos os fiéis, e é, portanto, obra de toda a Igreja, segundo a diversidade
dos vários dons e carismas que, ao mesmo tempo e segundo a responsabilidade própria
de cada um, cooperam para uma mais profunda compreensão e atuação da Palavra
de Deus.
A Igreja, portanto, não realiza o discernimento evangélico próprio só
por meio dos pastores, os quais ensinam em nome e com o poder de Cristo, mas
também por meio dos leigos: Cristo «constituiu-os testemunhas, e concedeu-lhes
o sentido da fé e o dom da palavra (cf. At 2,17-18 ; Ap 19,10 ) a fim de
que a força do Evangelho resplandeça na vida quotidiana, familiar e social».
Os leigos, em razão da sua vocação particular, têm o dever específico de
interpretar à luz de Cristo a história deste mundo, enquanto são chamados a
iluminar e dirigir as realidades temporais segundo o desígnio de Deus Criador e
Redentor.
O «sentido
sobrenatural da fé» não consiste, porém, somente ou necessariamente no
consenso dos fiéis. A Igreja, seguindo a Cristo, procura a verdade, que nem
sempre coincide com a opinião da maioria. Escuta a consciência e não o poder
e nisto defende os pobres e desprezados. A Igreja pode apreciar também a
investigação sociológica e estatística quando se revelar útil para a
compreensão do contexto histórico no qual a ação pastoral deve
desenrolar-se e para conhecer melhor a verdade; tal investigação, porém, não
pode ser julgada por si só como expressão do sentido da fé.
Porque é
dever do ministério apostólico assegurar a permanência da Igreja na verdade
de Cristo e introduzi-la sempre mais profundamente, os Pastores devem promover o
sentido da fé em todos os fiéis, avaliar e julgar com autoridade a genuinidade
das suas expressões, educar os crentes para um discernimento evangélico sempre
mais amadurecido.
Para a
elaboração de um autêntico discernimento evangélico nas várias situações
e culturas em que o homem e a mulher vivem o seu matrimônio e a sua vida
familiar, os esposos e os pais cristãos podem e devem oferecer um seu próprio
e insubstituível contributo. A esta tarefa habilita-os o carisma ou dom próprio,
o dom do sacramento do matrimônio.
A situação
da família no mundo de hoje
6. A situação
em que se encontra a família apresenta aspectos positivos e aspectos negativos:
sinal, naqueles, da salvação de Cristo operante no mundo; sinal, nestes, da
recusa que o homem faz ao amor de Deus.
Por um lado,
de fato, existe uma consciência mais viva da liberdade pessoal e uma maior
atenção à qualidade das relações interpessoais no matrimônio, à promoção
da dignidade da mulher, à procriação responsável, à educação dos filhos;
há, além disso, a consciência da necessidade de que se desenvolvam relações
entre as famílias por uma ajuda recíproca espiritual e material, a descoberta
de novo da missão eclesial própria da família e da sua responsabilidade na
construção de uma sociedade mais justa. Por outro lado, contudo, não faltam
sinais de degradação preocupante de alguns valores fundamentais: uma errada
concepção teórica e prática da independência dos cônjuges entre si; as
graves ambigüidades acerca da relação de autoridade entre pais e filhos; as
dificuldades concretas, que a família muitas vezes experimenta na transmissão
dos valores; o número crescente dos divórcios; a praga do aborto; o recurso
cada vez mais freqüente à esterilização; a instauração de uma verdadeira e
própria mentalidade contraceptiva.
Na raiz
destes fenômenos negativos está muitas vezes uma corrupção da idéia e da
experiência de liberdade concebida não como capacidade de realizar a verdade
do projeto de Deus sobre o matrimônio e a família, mas como força autônoma de afirmação, não raramente contra os outros, para o próprio bem-estar egoístico.
Merece também
a nossa atenção o fato de que, nos países do assim chamado Terceiro Mundo,
faltem muitas vezes às famílias quer os meios fundamentais para a sobrevivência,
como o alimento, o trabalho, a habitação, os medicamentos, quer as mais
elementares liberdades. Nos países mais ricos, pelo contrário, o bem-estar
excessivo e a mentalidade consumística, paradoxalmente unida a uma certa angústia
e incerteza sobre o futuro, roubam aos esposos a generosidade e a coragem de
suscitarem novas vidas humanas: assim a vida é muitas vezes entendida não como
uma bênção, mas como um perigo de que é preciso defender-se.
A situação
histórica em que vive a família apresenta-se, portanto, como um conjunto de
luzes e sombras.
Isto revela
que a história não é simplesmente um progresso necessário para o melhor, mas
antes um acontecimento de liberdade, e ainda um combate entre liberdades que se
opõem entre si; segundo a conhecida expressão de Santo Agostinho, um conflito
entre dois amores: o amor de Deus impelido até ao desprezo de si, e o amor de
si impelido até ao desprezo de Deus.
Segue-se que
só a educação para o amor, radicada na fé, pode levar a adquirir a
capacidade de interpretar «os sinais dos tempos», que são a expressão histórica
deste duplo amor.
O influxo
da situação na consciência dos fiéis
7.
Vivendo em tal mundo, sob pressões derivadas sobretudo dos mass-media, nem
sempre os fiéis souberam e sabem manter-se imunes diante do obscurecimento dos
valores fundamentais e pôr- se como consciência crítica desta cultura
familiar e como sujeitos ativos da construção de um humanismo familiar autêntico.
Entre os
sinais mais preocupantes deste fenômeno, os Padres Sinodais sublinharam, em
particular, o difundir-se do divórcio e do recurso a uma nova união por parte
dos mesmos fiéis; a aceitação do matrimônio meramente civil, em contradição
com a vocação dos batizados «a casarem-se no Senhor»; a celebração do
sacramento do matrimônio sem uma fé viva, mas por outros motivos; a recusa das
normas morais que guiam e promovem o exercício humano e cristão da sexualidade
no matrimônio.
A nossa
época tem necessidade de sabedoria
8. Põe-se
assim a toda a Igreja o dever de uma reflexão e de um empenho bastante
profundo, para que a nova cultura emergente seja intimamente evangelizada, sejam
reconhecidos os verdadeiros valores, sejam defendidos os direitos do homem e da
mulher e seja promovida a justiça também nas estruturas da sociedade. Em tal
modo o «novo humanismo» não afastará os homens da sua relação com Deus,
mas conduzi-los-á para Ele mais plenamente.
Na construção
de tal humanismo, a ciência e as suas aplicações técnicas oferecem novas e
imensas possibilidades. Todavia, a ciência, em conseqüência de posições políticas
que decidem a direção de investigações e aplicações, é muitas vezes
usada contra o seu significado originário, a promoção da pessoa humana.
Torna-se,
portanto, necessário recuperar por par te de todos a consciência do primado
dos valores morais, que são os valores da pessoa humana como tal. A nova
compreensão do sentido último da vida e dos seus valores fundamentais é a
grande tarefa que se impõe hoje para a renovação da sociedade. Só a consciência
do primado destes valores consente um uso das imensas possibilidades colocadas
nas mãos do homem pela ciência, que vise verdadeiramente a promoção da
pessoa humana na sua verdade integral, na sua liberdade e dignidade. A ciência
é chamada a juntar-se à sabedoria.
Podem
aplicar-se aos problemas da família as palavras do Concílio Vaticano II: «Mais
do que os séculos passados, o nosso tempo precisa de uma tal sabedoria, para
que se humanizem as novas descobertas dos homens. Está ameaçado, com efeito, o
destino do mundo, se não surgirem homens cheios de sabedoria».
A educação
da consciência moral, que faz o homem capaz de julgar e discernir os modos
aptos para a sua realização segundo a verdade originária, torna-se assim uma
exigência prioritária e irrenunciável.
É a aliança
com a sabedoria divina que deve ser mais profundamente reconstituída na cultura
moderna. De tal Sabedoria cada homem foi feito participante pelo mesmo gesto
criador de Deus. E é só na fidelidade a esta aliança que as famílias de hoje
estarão em grau de influenciar positivamente na construção de um mundo mais
justo e fraterno.
Gradualidade
e conversão
9.
Todos devemos opor-nos com uma conversão da mente e do coração, seguindo a
Cristo Crucificado, no dizer não ao próprio egoísmo, à injustiça originada
pelo pecado - profundamente penetrado também nas estruturas do mundo de hoje -
e que muitas vezes obsta a família na plena realização de si mesma e dos seus
direitos fundamentais. Uma semelhante conversão não poderá deixar de ter
influência benéfica e renovadora mesmo sobre as estruturas da sociedade.
É pedida
uma conversão contínua, permanente, que, embora exigindo o afastamento
interior de todo o mal e a adesão ao bem na sua plenitude, se atua concretamente em passos que conduzem sempre para além dela. Desenvolve-se assim
um processo dinâmico, que avança gradualmente com a progressiva integração
dos dons de Deus e das exigências do seu amor definitivo e absoluto em toda a
vida pessoal e social do homem. É, por isso, necessário um caminho pedagógico
de crescimento, a fim de que os fiéis, as famílias e os povos, antes, a própria
civilização, daquilo que já receberam do Mistério de Cristo, possam ser
conduzidos pacientemente mais além, atingindo um conhecimento mais rico e uma
integração mais plena deste mistério na sua vida.
«Inculturação»
10. É
de fato conforme à tradição constante da Igreja recolher das culturas dos
povos tudo aquilo que é em grau de exprimir melhor as inexauríveis riquezas de
Cristo. Só com o concurso de todas as culturas, tais riquezas poderão
manifestar-se sempre mais claramente e a Igreja poderá caminhar para um
conhecimento cada dia mais completo e aprofundado da verdade, que já lhe foi
inteiramente oferecida pelo seu Senhor.
Tendo firme
o duplo princípio da compatibilidade das várias culturas a assumir com o
Evangelho e da comunhão com a Igreja universal, deverá prosseguir-se no estudo
- particularmente por parte das Conferências episcopais e dos Dicastérios competentes da Cúria Romana - e no empenhamento pastoral para que esta
«inculturação»
da fé cristã se realize sempre mais amplamente também no âmbito do matrimônio
e da família.
É mediante
a «inculturação» que se caminha para a reconstituição plena da aliança
com a Sabedoria de Deus, que é o próprio Cristo. A Igreja inteira será
enriquecida também por aquelas culturas que, embora carentes de tecnologia, são
ricas em sabedoria humana e vivificadas por profundos valores morais.
Para que
seja clara a meta deste caminho e, por conseguinte, seguramente indicada a
estrada, o Sínodo, em primeiro lugar e em profundidade considerou justamente o projeto
originário de Deus acerca do matrimônio e da família: quis «retornar
ao princípio» em obséquio ao ensinamento de Cristo.
II. O DESÍGNIO DE DEUS SOBRE O
MATRIMÔNIO E SOBRE A FAMÍLIA
O homem
imagem de Deus Amor
11. Deus
criou o homem à sua imagem e semelhança: chamando-o à existência por amor,
chamou-o ao mesmo tempo ao amor.
Deus é amor
e vive em si mesmo um mistério de comunhão pessoal de amor. Criando-a à sua
imagem e conservando-a continuamente no ser, Deus inscreve na humanidade do
homem e da mulher a vocação, e, assim, a capacidade e a responsabilidade do
amor e da comunhão. O amor é, portanto, a fundamental e originária vocação
do ser humano.
Enquanto espírito
encarnado, isto é, alma que se exprime no corpo informado por um espírito
imortal, o homem é chamado ao amor nesta sua totalidade unificada. O amor abraça
também o corpo humano e o corpo torna-se participante do amor espiritual.
A Revelação
cristã conhece dois modos específicos de realizar a vocação da pessoa humana
na sua totalidade ao amor: o matrimônio e a Virgindade. Quer um quer outro, na
sua respectiva forma própria, são uma concretização da verdade mais profunda
do homem, do seu «ser à imagem de Deus».
Por
conseqüência a sexualidade, mediante a qual o homem e a mulher se doam um ao outro com os
atos próprios e exclusivos dos esposos, não é em absoluto algo puramente
biológico, mas diz respeito ao núcleo íntimo da pessoa humana como tal. Esta
realiza-se de maneira verdadeiramente humana, somente se é parte integral do
amor com o qual homem e mulher se empenham totalmente um para com o outro até
à morte. A doação física total seria falsa se não fosse sinal e fruto da
doação pessoal total, na qual toda a pessoa, mesmo na sua dimensão temporal,
está presente: se a pessoa se reservasse alguma coisa ou a possibilidade de
decidir de modo diferente para o futuro, só por isto já não se doaria
totalmente.
Esta
totalidade, pedida pelo amor conjugal, corresponde também às exigências de
uma fecundidade responsável, que, orientada como está para a geração de um
ser humano, supera, por sua própria natureza, a ordem puramente biológica, e
abarca um conjunto de valores pessoais, para cujo crescimento harmonioso é
necessário o estável e concorde contributo dos pais.
O «lugar»
único, que torna possível esta doação segundo a sua verdade total, é o matrimônio, ou seja o pacto de amor conjugal ou escolha consciente e livre, com
a qual o homem e a mulher recebem a comunidade íntima de vida e de amor,
querida pelo próprio Deus, que só a esta luz manifesta o seu verdadeiro
significado. A instituição matrimonial não é uma ingerência indevida da
sociedade ou da autoridade, nem a imposição extrínseca de uma forma, mas uma
exigência interior do pacto de amor conjugal que publicamente se afirma como único
e exclusivo, para que seja vivida assim a plena fidelidade ao desígnio de Deus
Criador. Longe de mortificar a liberdade da pessoa, esta fidelidade põe-na em
segurança em relação ao subjetivismo e relativismo, fá-la participante da
Sabedoria Criadora.
O
matrimônio e a comunhão entre Deus e os homens
12. A comunhão
de amor entre Deus e os homens, conteúdo fundamental da Revelação e da experiência
de fé de Israel, encontra uma sua significativa expressão na aliança nupcial,
que se instaura entre o homem e a mulher.
É por isto
que a palavra central da Revelação, «Deus ama o seu povo», é também
pronunciada através das palavras vivas e concretas com que o homem e a mulher
se declaram o seu amor conjugal. O seu vínculo de amor torna-se a imagem e o símbolo
da Aliança que une Deus e o seu povo. E o mesmo pecado, que pode ferir o pacto
conjugal, torna-se imagem da infidelidade do povo para com o seu Deus: a
idolatria é prostituição, a infidelidade é adultério, a desobediência à
lei é abandono do amor nupcial para com o Senhor. Mas a infidelidade de Israel
não destrói a fidelidade eterna do Senhor e, portanto, o amor sempre fiel de
Deus põe-se como exemplar das relações do amor fiel que devem existir entre
os esposos.
Jesus
Cristo, esposo da Igreja, e o sacramento do matrimônio
13. A comunhão
entre Deus e os homens encontra o seu definitivo cumprimento em Jesus Cristo, o
Esposo que ama e se doa como Salvador da humanidade, unindo-a a Si como seu
corpo.
Ele revela a
verdade originária do matrimônio, a verdade do «princípio» e, libertando o
homem da dureza do seu coração, torna-o capaz de a realizar inteiramente.
Esta revelação
chega à sua definitiva plenitude no dom do amor que o Verbo de Deus faz à
humanidade, assumindo a natureza humana, e no sacrifício que Jesus Cristo faz
de si mesmo sobre a cruz pela sua Esposa, a Igreja. Neste sacrifício
descobre-se inteiramente aquele desígnio que Deus imprimiu na humanidade do
homem e da mulher, desde a sua criação; o matrimônio dos batizados torna-se
assim o símbolo real da Nova e Eterna Aliança, decretada no Sangue de Cristo.
O Espírito, que o Senhor infunde, doa um coração novo e torna o homem e a
mulher capazes de se amarem, como Cristo nos amou. O amor conjugal atinge aquela
plenitude para a qual está interiormente ordenado: a caridade conjugal, que é
o modo próprio e específico com que os esposos participam e são chamados a
viver a mesma caridade de Cristo que se doa sobre a Cruz.
Numa página
merecidamente famosa, Tertuliano exprimia bem a grandeza e a beleza desta vida
conjugal em Cristo: «Donde me será dado expor a felicidade do matrimônio unido pela Igreja, confirmado pela oblação eucarística, selado pela bênção,
que os anjos anunciam e o Pai ratifica? ... Qual jugo aquele de dois fiéis numa
única esperança, numa única observância, numa única servidão! São irmãos
e servem conjuntamente sem divisão quanto ao espírito, quanto à carne. Mais,
são verdadeiramente dois numa só carne e donde a carne é única, único é o
espírito».
Acolhendo e
meditando fielmente a Palavra de Deus, a Igreja tem solenemente ensinado e
ensina que o matrimônio dos batizados é um dos sete sacramentos da Nova Aliança.
De
fato,
mediante o batismo, o homem e a mulher estão definitivamente inseridos na Nova
e Eterna Aliança, na Aliança nupcial de Cristo com a Igreja. E é em razão
desta indestrutível inserção que a íntima comunidade de vida e de amor
conjugal, fundada pelo Criador, é elevada e assumida pela caridade nupcial de
Cristo, sustentada e enriquecida pela sua força redentora.
Em virtude
da sacramentalidade do seu matrimônio, os esposos estão vinculados um ao outro
da maneira mais profundamente indissolúvel. A sua pertença recíproca é a
representação real, através do sinal sacramental, da mesma relação de
Cristo com a Igreja.
Os esposos são
portanto para a Igreja o chamamento permanente daquilo que aconteceu sobre a
Cruz; são um para o outro, e para os filhos, testemunhas da salvação da qual
o sacramento os faz participar. Deste acontecimento de salvação, o matrimônio
como cada sacramento, é memorial, atualização e profecia: «Enquanto
memorial, o sacramento dá-lhes a graça e o dever de recordar as grandes obras
de Deus e de as testemunhar aos filhos; enquanto atualização, dá-lhes a graça
e o dever de realizar no presente, um para com o outro e para com os filhos, as
exigências de um amor que perdoa e que redime; enquanto profecia dá-lhes a graça
e o dever de viver e de testemunhar a esperança do futuro encontro com Cristo».
Como cada um
dos sete sacramentos, também o matrimônio é um símbolo real do acontecimento
da salvação, mas de um modo próprio. «Os esposos participam nele enquanto
esposos, a dois como casal, a tal ponto que o efeito primeiro e imediato do matrimônio
(res et sacramentum) não é a graça sacramental propriamente, mas
o vínculo conjugal cristão, uma comunhão a dois tipicamente cristã porque
representa o mistério da Encarnação de Cristo e o seu Mistério de Aliança.
E o conteúdo da participação na vida de Cristo é também específico: o amor
conjugal comporta uma totalidade na qual entram todos os componentes da pessoa -
chamada do corpo e do instinto, força do sentimento e da afetividade, aspiração
do espírito e da vontade - ; o amor conjugal dirige-se a uma unidade
profundamente pessoal, aquela que, para além da união numa só carne, não
conduz senão a um só coração e a uma só alma; ele exige a indissolubilidade
e a fidelidade da doação recíproca definitiva e abre-se à fecundidade (cf.. Encíclica
, n. 9). Numa palavra, trata-se de características
normais do amor conjugal natural, mas com um significado novo que não só as
purifica e as consolida, mas eleva-as a ponto de as tornar a expressão dos
valores propriamente cristãos».
Os
filhos, dom preciosíssimo do matrimônio
14. Segundo
o desígnio de Deus, o matrimônio é o fundamento da mais ampla comunidade da
família, pois que o próprio instituto do matrimônio e o amor conjugal se
ordenam à procriação e educação da prole, na qual encontram a sua coroação.
Na sua
realidade mais profunda, o amor é essencialmente dom e o amor conjugal,
enquanto conduz os esposos ao «conhecimento» recíproco que os torna «uma só
carne», não se esgota no interior do próprio casal, já que os habilita para
a máxima doação possível, pela qual se tornam cooperadores com Deus no dom
da vida a uma nova pessoa humana. Deste modo os cônjuges, enquanto se doam
entre si, doam para além de si mesmo a realidade do filho, reflexo vivo do seu
amor, sinal permanente da unidade conjugal e síntese viva e indissociável do
ser pai e mãe.
Tornando-se
pais, os esposos recebem de Deus o dom de uma nova responsabilidade. O seu amor
paternal é chamado a tornar-se para os filhos o sinal visível do próprio amor
de Deus, «do qual deriva toda a paternidade no céu e na terra».
Não deve
todavia esquecer-se que, mesmo quando a procriação não é possível, nem por
isso a vida conjugal perde o seu valor. A esterilidade física, de fato, pode
ser para os esposos ocasião de outros serviços importantes à vida da pessoa
humana, como por exemplo a adoção, as várias formas de obras educativas, a
ajuda a outras famílias, às crianças pobres ou deficientes.
A família,
comunhão de pessoas
15. No
matrimônio e na família constitui-se um complexo de relações interpessoais -
vida conjugal, paternidade-maternidade, filiação, fraternidade - mediante as
quais cada pessoa humana é introduzida na «família humana» e na «família
de Deus», que é a Igreja.
O
matrimônio e a família dos cristãos edificam a Igreja: na família, de fato, a pessoa
humana não só é gerada e progressivamente introduzida, mediante a educação,
na comunidade humana, mas mediante a regeneração do batismo e a educação na
fé, é introduzida também na família de Deus, que é a Igreja.
A família
humana, desagregada pelo pecado, é reconstituída na sua unidade pela força
redentora da morte e ressurreição de Cristo. O matrimônio cristão, partícipe
da eficácia salvífica deste acontecimento, constitui o lugar natural onde se
cumpre a inserção da pessoa humana na grande família da Igreja.
O mandato de
crescer e de multiplicar-se, dirigido desde o princípio ao homem e à mulher,
atinge desta maneira a sua plena verdade e a sua integral realização.
A Igreja
encontra assim na família, nascida do sacramento, o seu berço e o lugar onde
pode atuar a própria inserção nas gerações humanas, e estas,
reciprocamente, na Igreja.
matrimônio
e virgindade
16. A
virgindade e o celibato pelo Reino de Deus não só não contradizem a dignidade
do matrimônio, mas a pressupõem e confirmam. O matrimônio e a virgindade são
os dois modos de exprimir e de viver o único Mistério da Aliança de Deus com
o seu povo. Quando não se tem apreço pelo matrimônio, não tem lugar a
virgindade consagrada; quando a sexualidade humana não é considerada um grande
valor dado pelo Criador, perde significado a renúncia pelo Reino dos Céus.
De modo
muito justo diz S. João Crisóstomo: «Quem condena o matrimônio, priva a
virgindade da sua glória; pelo contrário, quem o louva, torna a virgindade
mais admirável e esplendente. O que parece um bem apenas quando comparado ao
mal, não é pois um grande bem; mas o que é melhor do que aquilo que todos
consideram bom, é certamente um bem em grau superlativo»
Na
virgindade o homem está inclusive corporalmente em atitude de espera, pelas núpcias
escatológicas de Cristo com a Igreja, dando-se integralmente à Igreja na
esperança de que Cristo se lhe doe na plena verdade da vida eterna. A pessoa
virgem antecipa assim na sua carne o mundo novo da ressurreição futura.
Por força
deste testemunho, a virgindade mantém viva na Igreja a consciência do mistério
do matrimônio e defende-o de todo o desvio e de todo o empobrecimento.
Tornando
livre de um modo especial o coração humano, «de forma a inebriá-lo muito
mais de caridade para com Deus e para com todos os homens», a virgindade
testemunha que o Reino de Deus e a sua justiça são aquela pérola preciosa que
é preferida a qualquer outro valor, mesmo que seja grande, e, mais ainda, é
procurada como o único valor definitivo. É por isso que a Igreja, durante toda
a sua história, defendeu sempre a superioridade deste carisma no confronto com
o do matrimônio, em razão do laço singular que ele tem com o Reino de Deus.
Embora tendo
renunciado à fecundidade física, a pessoa virgem torna-se espiritualmente
fecunda, pai e mãe de muitos, cooperando na realização da família segundo o
desígnio de Deus.
Os esposos
cristãos têm portanto o direito de esperar das pessoas virgens o bom exemplo e
o testemunho da fidelidade à sua vocação até à morte. Como para os esposos
a fidelidade se torna às vezes difícil e exige sacrifício, mortificação e
renúncia, também o mesmo pode acontecer às pessoas virgens. A fidelidade
destas, mesmo na provação eventual, deve edificar a fidelidade daqueles.
Estas reflexões
sobre a virgindade podem iluminar e ajudar os que, por motivos independentes da
sua vontade, não se puderam casar e depois aceitaram a sua situação em espírito
de serviço.
III. OS DEVERES DA FAMÍLIA CRISTÃ
Família,
torna-te aquilo que és!
17. No
plano de Deus Criador e Redentor a família descobre não só a sua «identidade»,
o que «é», mas também a sua «missão», o que ela pode e deve «fazer». As
tarefas, que a família é chamada por Deus a desenvolver na história, brotam
do seu próprio ser e representam o seu desenvolvimento dinâmico e existencial.
Cada família descobre e encontra em si mesma o apelo inextinguível, que ao
mesmo tempo define a sua dignidade e a sua responsabilidade: família, «torna-te
aquilo que és»!
Voltar ao «princípio»
do gesto criativo de Deus é então uma necessidade para a família, se se
quiser conhecer e realizar segundo a verdade interior não só do seu ser mas
também do seu agir histórico. E porque, segundo o plano de Deus, é constituída
qual «íntima comunidade de vida e de amor», a família tem a missão de se
tornar cada vez mais aquilo que é, ou seja, comunidade de vida e de amor, numa
tensão que, como para cada realidade criada e redimida, encontrará a plenitude
no Reino de Deus. E numa perspectiva que atinge as próprias raízes da
realidade, deve dizer-se que a essência e os deveres da família são, em última
análise, definidos pelo amor. Por isto é-lhe confiada a missão de guardar,
revelar e comunicar o amor, qual reflexo vivo e participação real do amor de
Deus pela humanidade e do amor de Cristo pela Igreja, sua esposa.
Cada dever
particular da família é a expressão e a atuação concreta de tal missão
fundamental. É necessário, portanto, penetrar mais profundamente na riqueza
singular da missão da família e sondar os seus conteúdos numerosos e unitários.
Em tal
sentido, partindo do amor e em permanente referência a ele, o recente Sínodo pôs
em evidência quatro deveres gerais da família:
a
formação de uma comunidade de pessoas;
o
serviço à vida;
a
participação no desenvolvimento da sociedade;
a
participação na vida e na missão da Igreja.
i - A Formação de uma Comunidade
de Pessoas
O
amor, princípio e força de comunhão
18.
A família, fundada e vivificada pelo amor, é uma comunidade de pessoas: dos
esposos, homem e mulher, dos pais e dos filhos, dos parentes. A sua primeira
tarefa é a de viver fielmente a realidade da comunhão num constante empenho
por fazer crescer uma autêntica comunidade de pessoas.
O
princípio interior, a força permanente e a meta última de tal dever é o
amor: como, sem o amor, a família não é uma comunidade de pessoas, assim, sem
o amor, a família não pode viver, crescer e aperfeiçoar-se como comunidade de
pessoas. Quanto escrevi na Encíclica
encontra, exatamente na família
como tal, a sua aplicação originária e privilegiada: «O homem não
pode viver sem amor. Ele permanece para si próprio um ser incompreensível e a
sua vida é destituída de sentido, se não lhe for revelado o amor, se ele não
se encontra com o amor, se não o experimenta e se não o torna algo próprio,
se nele não participa vivamente».
O
amor entre o homem e a mulher no matrimônio e, de forma derivada e ampla, o
amor entre os membros da mesma família - entre pais e filhos, entre irmãos e
irmãs, entre parentes e familiares - é animado e impelido por um dinamismo
interior e incessante, que conduz a família a uma comunhão sempre mais
profunda e intensa, fundamento e alma da comunidade conjugal e familiar.
A
unidade indivisível da comunhão conjugal
19.
A primeira comunhão é a que se instaura e desenvolve entre os cônjuges: em
virtude do pacto de amor conjugal, o homem e a mulher «já não são dois, mas
uma só carne» e são chamados a crescer continuamente nesta comunhão através
da fidelidade quotidiana à promessa matrimonial do recíproco dom total.
Esta
comunhão conjugal radica-se na complementariedade natural que existe entre o
homem e a mulher e alimenta-se mediante a vontade pessoal dos esposos de
condividir, num projeto de vida integral, o que têm e o que são: por isso,
tal comunhão é fruto e sinal de uma exigência profundamente humana. Porém,
em Cristo, Deus assume esta exigência humana, confirma-a, purifica-a e eleva-a,
conduzindo-a à perfeição com o sacramento do matrimônio: o Espírito Santo
infuso na celebração sacramental oferece aos esposos cristãos o dom de uma
comunidade nova, de amor, que é a imagem viva e real daquela unidade singularíssima,
que torna a Igreja o indivisível Corpo Místico do Senhor.
O
dom do Espírito é um mandamento de vida para os esposos cristãos e, ao mesmo
tempo, impulso estimulante a que progridam continuamente numa união cada vez
mais rica a todos os níveis - dos corpos, dos caracteres, dos corações, das
inteligências e das vontades, das almas - revelando deste modo à Igreja e ao
mundo a nova comunhão de amor, doada pela graça de Cristo.
A
poligamia contradiz radicalmente uma tal comunhão. Nega de fato, diretamente o plano de Deus como nos foi revelado nas origens, porque contrária à igual
dignidade pessoal entre o homem e a mulher, que no matrimônio se doam com um
amor total e por isso mesmo único e exclusivo. Como escreve o Concílio
Vaticano II: «A unidade do matrimônio, confirmado pelo Senhor, manifesta-se
também claramente na igual dignidade pessoal da mulher e do homem que se deve
reconhecer no mútuo e pleno amor».
Uma
comunhão indissolúvel
20.
A comunhão conjugal caracteriza-se não só pela unidade mas também pela sua
indissolubilidade: «Esta união íntima, já que é dom recíproco de duas
pessoas, exige, do mesmo modo que o bem dos filhos, a inteira fidelidade dos cônjuges
e a indissolubilidade da sua união».
É
dever fundamental da Igreja reafirmar vigorosamente - como fizeram os Padres do
Sínodo - a doutrina da indissolubilidade do matrimônio: a quantos, nos nossos
dias, consideram difícil ou mesmo impossível ligar-se a uma pessoa por toda a
vida e a quantos, subvertidos por uma cultura que rejeita a indissolubilidade
matrimonial e que ridiculariza abertamente o empenho de fidelidade dos esposos,
é necessário reafirmar o alegre anúncio da forma definitiva daquele amor
conjugal, que tem em Jesus Cristo o fundamento e o vigor.
Radicada
na doação pessoal e total dos cônjuges e exigida pelo bem dos filhos, a
indissolubilidade do matrimônio encontra a sua verdade última no desígnio que
Deus manifestou na Revelação: Ele quer e concede a indissolubilidade
matrimonial como fruto, sinal e exigência do amor absolutamente fiel que Deus
Pai manifesta pelo homem e que Cristo vive para com a Igreja.
Cristo
renova o desígnio primitivo que o Criador inscreveu no coração do homem e da
mulher, e, na celebração do sacramento do matrimônio, oferece um «coração
novo»: assim os cônjuges podem não só superar a «dureza do coração», mas
também e sobretudo compartir o amor pleno e definitivo de Cristo, nova e eterna
Aliança feita carne. Assim como o Senhor Jesus é a «testemunha fiel», é o
«sim» das promessas de Deus e, portanto, a realização suprema da fidelidade
incondicional com que Deus ama o seu povo, da mesma forma os cônjuges cristãos
são chamados a uma participação real na indissolubilidade irrevogável, que
liga Cristo à Igreja, sua esposa, por Ele amada até ao fim.
O
dom do sacramento é, ao mesmo tempo, vocação e dever dos esposos cristãos,
para que permaneçam fiéis um ao outro para sempre, para além de todas as
provas e dificuldades, em generosa obediência à santa vontade do Senhor: «O
que Deus uniu, não o separe o homem».
Testemunhar
o valor inestimável da indissolubilidade e da fidelidade matrimonial é uma das
tarefas mais preciosas e mais urgentes dos casais cristãos do nosso tempo. Por
isso, juntamente com todos os Irmãos que participaram no Sínodo dos Bispos,
louvo e encorajo os numerosos casais que, embora encontrando não pequenas
dificuldades, conservam e desenvolvem o dom da indissolubilidade: cumprem desta
maneira, de um modo humilde e corajoso, o dever que lhes foi confiado de ser no
mundo um «sinal» - pequeno e precioso sinal, submetido também às vezes à
tentação, mas sempre renovado - da fidelidade infatigável com que Deus e
Jesus Cristo amam todos os homens e cada homem. Mas é também imperioso
reconhecer o valor do testemunho daqueles cônjuges que, embora tendo sido
abandonados pelo consorte, com a força da fé e da esperança cristãs, não
contraíram uma nova união. Estes cônjuges dão também um autêntico
testemunho de fidelidade, de que tanto necessita o mundo de hoje. Por isto mesmo
devem ser encorajados e ajudados pelos pastores e pelos fiéis da Igreja.
A
comunhão mais ampla da família
21.
A comunhão conjugal constitui o fundamento sobre o qual se continua a edificar
a mais ampla comunhão da família: dos pais e dos filhos, dos irmãos e das irmãs
entre si, dos parentes e de outros familiares.
Tal
comunhão radica-se nos laços naturais da carne e do sangue, e desenvolve-se
encontrando o seu aperfeiçoamento propriamente humano na instauração e maturação
dos laços ainda mais profundos e ricos do espírito: o amor, que anima as relações
interpessoais dos diversos membros da família, constitui a força interior que
plasma e vivifica a comunhão e a comunidade familiar.
A
família cristã é, portanto, chamada a fazer a experiência de uma comunhão
nova e original, que confirma e aperfeiçoa a comunhão natural e humana. Na
realidade, a graça de Jesus Cristo, «o Primogênito entre muitos irmãos», é
por sua natureza e dinamismo interior uma «graça de fraternidade» como a
chama Santo Tomás de Aquino. O Espírito Santo, que se infunde na celebração
dos sacramentos, é a raiz viva e o alimento inexaurível da comunhão
sobrenatural que estreita e vincula os crentes com Cristo, na unidade da Igreja
de Deus. Uma revelação e atuação específica da comunhão eclesial é
constituída pela família cristã que também, por isto, se pode e deve chamar
«Igreja doméstica»,
Todos
os membros da família, cada um segundo o dom que lhe é peculiar, possuem a graça
e a responsabilidade de construir, dia após dia, a comunhão de pessoas,
fazendo da família uma «escola de humanismo mais completo e mais rico»: é o
que vemos surgir com o cuidado e o amor para com os mais pequenos, os doentes e
os anciãos; com o serviço recíproco de todos os dias; com a co-participação
nos bens, nas alegrias e nos sofrimentos.
Um
momento fundamental para construir uma comunhão semelhante é constituído pelo
intercambio educativo entre pais e filhos, no qual cada um deles dá e recebe.
Mediante o amor, o respeito, a obediência aos pais, os filhos dão o seu
contributo específico e insubstituível para a edificação de uma família
autenticamente humana e cristã. Isso ser-lhe-á facilitado, se os pais
exercerem a sua autoridade irrenunciável como um «ministério» verdadeiro e
pessoal, ou seja, como um serviço ordenado ao bem humano e cristão dos filhos,
ordenado particularmente a proporcionar-lhes uma liberdade verdadeiramente
responsável; e se os pais mantiverem viva a consciência do «dom» que recebem
continuamente dos filhos.
A
comunhão familiar só pode ser conservada e aperfeiçoada com grande espírito
de sacrifício. Exige, de fato, de todos e de cada um, pronta e generosa
disponibilidade à compreensão, à tolerância, ao perdão, à reconciliação.
Nenhuma família ignora como o egoísmo, o desacordo, as tensões, os conflitos
agridem, de forma violenta e às vezes mortal, a comunhão: daqui as múltiplas
e variadas formas de divisão da vida familiar. Mas, ao mesmo tempo, cada família
é sempre chamada pelo Deus da paz a fazer a experiência alegre e renovadora da
«reconciliação», ou seja, da comunhão restabelecida, da unidade
reencontrada Em particular a participação no sacramento da reconciliação e
no banquete do único Corpo de Cristo oferece à família cristã a graça e a
responsabilidade de superar todas as divisões e de caminhar para a plena
verdade querida por Deus, respondendo assim ao vivíssimo desejo do Senhor: que
«todos sejam um».
Direitos
e função da mulher
22.
Enquanto é, e deve tornar-se, comunhão e comunidade de pessoas, a família
encontra no amor a fonte e o estímulo incessante para acolher, respeitar e
promover cada um dos seus membros na altíssima dignidade de pessoas, isto é,
de imagens vivas de Deus. Como justamente afirmaram os Padres Sinodais, o critério
moral da autenticidade das relações conjugais e familiares consiste na promoção
da dignidade e vocação de cada uma das pessoas que encontram a sua plenitude
mediante o dom sincero de si mesmas.
Nesta
perspectiva, o Sínodo quis prestar atenção privilegiada à mulher, aos seus
direitos e função na família e na sociedade. Nesta mesma perspectiva devem
considerar-se também o homem como esposo e pai, a criança e os anciãos.
É
de ressaltar- se antes de tudo a igual dignidade e responsabilidade da mulher em
relação ao homem: tal igualdade encontra uma forma singular de realização na
doação recíproca de si ao outro e de ambos aos filhos, doação que é específica
do matrimônio e da família. Tudo o que a razão intui e reconhece, vem
revelado plenamente pela Palavra de Deus: a história da salvação é, de fato, um contínuo e claro testemunho da dignidade da mulher.
Ao
criar o homem «varão e mulher», Deus dá a dignidade pessoal de igual modo ao
homem e à mulher, enriquecendo-os dos direitos inalienáveis e das
responsabilidades que são próprias da pessoa humana. Deus manifesta ainda na
forma mais elevada possível a dignidade da mulher, ao assumir Ele mesmo a carne
humana da Virgem Maria, que a Igreja honra como Mãe de Deus, chamando-a nova
Eva e propondo-a como modelo da mulher redimida. O delicado respeito de Jesus
para com as mulheres a quem chamou ao seu séquito e amizade, a aparição na
manhã da Páscoa a uma mulher antes que aos discípulos, a missão confiada às
mulheres de levar a boa nova da Ressurreição aos apóstolos, são tudo sinais
que confirmam a especial estima de Jesus para com a mulher. Dirá o Apóstolo
Paulo: «Porque todos vós sois filhos de Deus, mediante a fé em Jesus Cristo
... Não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há homem nem
mulher, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus».
A
mulher e a sociedade
23.
Sem entrar agora a tratar nos seus vários aspectos o amplo e complexo tema das
relações mulher-sociedade, mas limitando estas considerações a alguns pontos
essenciais, não se pode deixar de observar como, no campo mais especificamente
familiar, uma ampla e difundida tradição social e cultural tenha pretendido
confiar à mulher só a tarefa de esposa e mãe, sem a estender adequadamente às
funções públicas, em geral, reservadas ao homem.
Não
há dúvida que a igual dignidade e responsabilidade do homem e da mulher
justificam plenamente o acesso da mulher às tarefas públicas. Por outro lado,
a verdadeira promoção da mulher exige também que seja claramente reconhecido
o valor da sua função materna e familiar em confronto com todas as outras
tarefas públicas e com todas as outras profissões. De resto, tais tarefas e
profissões devem integrar-se entre si se se quer que a evolução social e
cultural seja verdadeira e plenamente humana.
Isto
conseguir-se-á mais facilmente se, como o desejou o Sínodo, uma renovada «teologia
do trabalho» esclarecer e aprofundar o significado do trabalho na vida cristã
e determinar o laço fundamental que existe entre o trabalho e a família, e,
portanto, o significado original e insubstituível do trabalho da casa e da
educação dos filhos. Portanto a Igreja pode e deve ajudar a sociedade atual pedindo insistentemente que seja reconhecido por todos e honrado no seu
insubstituível valor o trabalho da mulher em casa. Isto é de importância
particular na obra educativa: de fato, elimina-se a própria raiz da possível
discriminação entre os diversos trabalhos e profissões, logo que se veja
claramente como todos, em cada campo, se empenham com idêntico direito e com idêntica
responsabilidade. Deste modo aparecerá mais esplendente a imagem de Deus no
homem e na mulher.
Se
há que reconhecer às mulheres, como aos homens, o direito de ascender às
diversas tarefas públicas, a sociedade deve estruturar-se, contudo, de maneira
tal que as esposas e as mães não sejam de fato constrangidas a trabalhar fora
de casa e que a família possa dignamente viver e prosperar, mesmo quando elas
se dedicam totalmente ao lar próprio.
Deve
além disso superar-se a mentalidade segundo a qual a honra da mulher deriva
mais do trabalho externo do que da atividade familiar. Mas isto exige que se
estime e se ame verdadeiramente a mulher com todo o respeito pela sua dignidade
pessoal, e que a sociedade crie e desenvolva as devidas condições para o
trabalho doméstico.
A
Igreja, com o devido respeito pela vocação diversa do homem e da mulher, deve
promover, na medida do possível, também na sua vida, a igualdade deles quanto
a direitos e dignidades, e isto para o bem de todos: da família, da Igreja e da
sociedade.
É
evidente, porém, que isto não significa para a mulher a renúncia à sua
feminilidade nem a imitação do caráter masculino, mas a plenitude da
verdadeira humanidade feminil, tal como se deve exprimir no seu agir, quer na
família quer fora dela, sem contudo esquecer, neste campo, a variedade dos
costumes e das culturas.
Ofensas
à dignidade da mulher
24.
Infelizmente a mensagem cristã acerca da dignidade da mulher vem sendo
impugnada por aquela persistente mentalidade que considera o ser humano não
como pessoa, mas como coisa, como objeto de compra-venda, ao serviço de um
interesse egoístico e exclusivo do prazer: e a primeira vítima de tal
mentalidade é a mulher.
Esta
mentalidade produz frutos bastante amargos, como o desprezo do homem e da
mulher, a escravidão, a opressão dos fracos, a pornografia, a prostituição -
sobretudo quando é organizada - e todas aquelas várias discriminações que se
encontram no âmbito da educação, da profissão, da retribuição do trabalho,
etc.
Além
disso, ainda hoje, em grande parte da nossa sociedade, permanecem muitas formas
de discriminação aviltante que ferem e ofendem gravemente algumas categorias
particulares de mulheres, como, por exemplo, as esposas que não têm filhos, as
viúvas, as separadas, as divorciadas, as mães-solteiras.
Estas
e outras discriminações foram veementemente deploradas pelos Padres Sinodais.
Solicito, pois, que se desenvolva uma ação pastoral específica mais vigorosa
e incisiva, a fim de que sejam vencidas em definitivo, para se poder chegar à
estima plena da imagem de Deus que esplandece em todos os seres humanos, sem
nenhuma exclusão.
O
homem esposo e pai
25.
É dentro da comunhão-comunidade conjugal e familiar que o homem é chamado a
viver o seu dom e dever de esposo e pai.
Na
esposa ele vê o cumprimento do desígnio de Deus: «Não é conveniente que o
homem esteja só; vou dar-lhe um auxiliar semelhante a ele» e faz sua a exclamação
de Adão, o primeiro esposo: «Esta é, realmente, osso dos meus ossos e carne da
minha carne».
O
amor conjugal autêntico supõe e exige que o homem tenha um profundo respeito
pela igual dignidade da mulher: «Não és o senhor - escreve Santo Ambrósio -
mas o marido; não te foi dada como escrava, mas como mulher... Retribui-lhe as
atenções tidas para contigo e sê-lhe agradecido pelo seu amor». Com a esposa
o homem deve viver «uma forma muito especial de amizade pessoal». O cristão,
é, além disso, chamado a desenvolver uma atitude de amor novo, manifestando
para com a sua esposa a caridade delicada e forte que Cristo nutre pela Igreja.
O
amor à esposa tornada mãe e o amor aos filhos são para o homem o caminho
natural para a compreensão e realização da paternidade. De modo especial onde
as condições sociais e culturais constringem facilmente o pai a um certo
desinteresse em relação à família ou de qualquer forma a uma menor presença
na obra educativa, é necessário ser-se solícito para que se recupere
socialmente a convicção de que o lugar e a tarefa do pai na e pela família são
de importância única e insubstituível.
Como a experiência ensina, a ausência
do pai provoca desequilíbrios psicológicos e morais e dificuldades notáveis
nas relações familiares. O mesmo acontece também, em circunstancias opostas,
pela presença opressiva do pai, especialmente onde ainda se verifica o fenômeno
do «machismo», ou seja da superioridade abusiva das prerrogativas masculinas
que humilham a mulher e inibem o desenvolvimento de relações familiares
sadias.
Revelando
e revivendo na terra a mesma paternidade de Deus, o homem é chamado a garantir
o desenvolvimento unitário de todos os membros da família. Cumprirá tal dever
mediante uma generosa responsabilidade pela vida concebida sob o coração da mãe
e por um empenho educativo mais solícito e condividido com a esposa, por um
trabalho que nunca desagregue a família mas a promova na sua constituição e
estabilidade, por um testemunho de vida cristã adulta, que introduza mais
eficazmente os filhos na experiência viva de Cristo e da Igreja.
Os
direitos da criança
26.
Na família, comunidade de pessoas, deve reservar-se uma especialíssima atenção
à criança, desenvolvendo uma estima profunda pela sua dignidade pessoal como
também um grande respeito e um generoso serviço pelos seus direitos. Isto vale
para cada criança, mas adquire uma urgência singular quanto mais pequena e
desprovida, doente, sofredora ou diminuída for a criança.
Solicitando
e vivendo um cuidado terno e forte por cada criança que vem a este mundo, a
Igreja cumpre uma sua missão fundamental: revelar e repetir na história o
exemplo e o mandamento de Cristo, que quis pôr a criança em destaque no Reino
de Deus: «Deixai vir a Mim os pequeninos e não os impeçais pois deles é o
reino de Deus».
Repito
novamente o que disse na assembléia geral das Nações Unidas em 2 de Outubro de
1979: «Desejo ... exprimir a felicidade que para cada um de nós constituem as
crianças, primavera da vida, antecipação da história futura de cada pátria
terrestre. Nenhum país do mundo, nenhum sistema político pode pensar no seu
futuro senão através da imagem destas novas gerações que assumirão dos pais
o múltiplo patrimônio dos valores, dos deveres e das aspirações da nação
à qual pertencem, e o de toda a família humana.
A solicitude pela criança
ainda antes do nascimento, desde o primeiro momento da concepção e, depois,
nos anos da infância e da adolescência, é a primária e fundamental prova da
relação do homem com o homem. E, portanto, que mais se poderá augurar a cada
nação e a toda a humanidade, a todas as crianças do mundo senão aquele
futuro melhor no qual o respeito dos direitos do homem se torne plena realidade
no aproximar-se do ano dois mil?».
O
acolhimento, o amor, a estima, o serviço multíplice e unitário - material, afetivo, educativo, espiritual - a cada criança que vem a este mundo deverão
constituir sempre uma nota distintiva irrenunciável dos cristãos, em
particular das famílias cristãs. Deste modo as crianças, ao poderem crescer
«em sabedoria, idade e graça diante de Deus e dos homens», darão o seu
precioso contributo à edificação da comunidade familiar e à santificação
dos pais.
Os
anciãos na família
27.
Há culturas que manifestam uma veneração singular e um grande amor pelo ancião:
longe de ser excluído da família ou de ser suportado como um peso inútil, o
ancião continua inserido na vida familiar, tomando nela parte ativa e responsável
- embora devendo respeitar a autonomia da nova família - e sobretudo
desenvolvendo a missão preciosa de testemunha do passado e de inspirador de
sabedoria para os jovens e para o futuro.
Outras
culturas, pelo contrário, especialmente depois de um desenvolvimento industrial
e urbanístico desordenado, forçaram e continuam a forçar os anciãos a situações
inaceitáveis de marginalização que são fonte de atrozes sofrimentos para
eles mesmos e de empobrecimento espiritual para muitas famílias.
É
necessário que a ação pastoral da Igreja estimule todos a descobrir e a
valorizar as tarefas dos anciãos na comunidade civil e eclesial, e, em
particular, na família. Na realidade, «a vida dos anciãos ajuda-nos a
esclarecer a escala dos valores humanos; mostra a continuidade das gerações e
demonstra maravilhosamente a interdependência do povo de Deus. Os anciãos têm
além disso o carisma de encher os espaços vazios entre gerações, antes que
se sublevem. Quantas crianças têm encontrado compreensão e amor nos olhos,
nas palavras e nos carinhos dos anciãos! E quantas pessoas de idade têm
subscrito com gosto as inspiradas palavras bíblicas que a coroa dos anciãos
são os filhos dos filhos (Pv. 17, 6)».
II
- O Serviço à Vida
A
transmissão da vida
Cooperadores
do amor de Deus Criador
28.
Com a criação do homem e da mulher à sua imagem e semelhança, Deus coroa e
leva à perfeição a obra das suas mãos: Ele chama-os a uma participação
especial do seu amor e do seu poder de Criador e de Pai, mediante uma cooperação
livre e responsável deles na transmissão do dom da vida humana: «Deus abençoou-os
e disse-lhes: crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra»,
Assim
a tarefa fundamental da família é o serviço à vida. É realizar, através da
história, a bênção originária do Criador, transmitindo a imagem divina pela
geração de homem a homem.
A
fecundidade é o fruto e o sinal do amor conjugal, o testemunho vivo da plena
doação recíproca dos esposos: «O autêntico culto do amor conjugal e toda a
vida familiar que dele nasce, sem pôr de lado os outros fins do matrimônio,
tendem a que os esposos, com fortaleza de animo, estejam dispostos a colaborar
com o amor do Criador e Salvador, que por meio deles aumenta cada dia mais e
enriquece a família»,
A
fecundidade do amor conjugal não se restringe somente à procriação dos
filhos, mesmo que entendida na dimensão especificamente humana: alarga-se e
enriquece-se com todos aqueles frutos da vida moral, espiritual e sobrenatural
que o pai e a mãe são chamados a doar aos filhos e, através dos filhos, à
Igreja e ao mundo.
A
doutrina e a norma sempre antigas e sempre novas da Igreja
29.
exatamente porque o amor dos cônjuges é uma participação singular no mistério
da vida e no amor do próprio Deus, a Igreja tem consciência de ter recebido a
missão especial de guardar e de proteger a altíssima dignidade do matrimônio e a gravíssima responsabilidade da transmissão da vida humana.
Desta
maneira, na continuidade com a tradição viva da comunidade eclesial através
da história, o Concílio Vaticano II e o magistério do meu Predecessor Paulo
VI, expresso sobretudo na encíclica Humanae Vitae, transmitiram aos nossos
tempos um anúncio verdadeiramente profético, que reafirma e repõe, com
clareza, a doutrina e a norma sempre antigas e sempre novas da Igreja sobre o matrimônio
e sobre a transmissão da vida humana.
Por
isso, os Padres Sinodais declaram textualmente na última assembléia: «Este
Sacro Sínodo reunido em união de fé com o Sucessor de Pedro, sustenta
firmemente o que foi proposto pelo Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes, 50 e,
depois, pela encíclica
, e em particular que o amor conjugal deve
ser plenamente humano, exclusivo e aberto a nova vida (Humanae Vitae, 11 e cf..
9 e 12)».
A
Igreja está do lado da vida
30.
A doutrina da Igreja coloca-se hoje numa situação social e cultural que a
torna mais difícil de ser compreendida e ao mesmo tempo mais urgente e
insubstituível para promover o verdadeiro bem do homem e da mulher.
De
fato o progresso científico-técnico que o homem contemporâneo amplia
continuamente no domínio sobre a natureza, não só desenvolve a esperança de
criar uma humanidade nova e melhor, mas gera também uma sempre mais profunda
angústia sobre o futuro. Alguns perguntam-se se viver é bom ou se não teria
sido melhor nem sequer ter nascido. Duvidam, portanto, da liceidade de chamar
outros à vida, que talvez amaldiçoarão a sua existência num mundo cruel,
cujos terrores nem sequer são previsíveis.
Outros pensam que são os únicos
destinatários das vantagens da técnica e excluem os demais, impondo-lhes meios
contraceptivos ou técnicas ainda piores. Outros ainda, manietados como estão
pela mentalidade consumística e com a única preocupação de um aumento contínuo
dos bens materiais, acabam por não chegar a compreender e portanto por rejeitar
a riqueza espiritual de uma nova vida humana. A razão última destas mentalidades
é a ausência de Deus do coração dos homens, cujo amor só por
si é mais forte do que todos os possíveis medos do mundo e tem o poder de os
vencer.
Nasceu
assim uma mentalidade contra a vida (anti-life mentality), como emerge de muitas
questões atuais: pense-se, por exemplo, num certo pânico derivado dos estudos
dos ecólogos e dos futurólogos sobre a demografia, que exageram, às vezes, o
perigo do incremento demográfico para a qualidade da vida.
Mas
a Igreja crê firmemente que a vida humana, mesmo se débil e com sofrimento, é
sempre um esplêndido dom do Deus da bondade. Contra o pessimismo e o egoísmo
que obscurecem o mundo, a Igreja está do lado da vida: e em cada vida humana
sabe descobrir o esplendor daquele «Sim», daquele «Amém» que é o próprio
Cristo. Ao «não» que invade e aflige o mundo, contrapõe este «Sim»
vivente, defendendo deste modo o homem e o mundo de quantos insidiam e
mortificam a vida.
A
Igreja é chamada a manifestar novamente a todos, com uma firme e mais clara
convicção, a vontade de promover, com todos os meios e de defender contra
todas as insídias a vida humana, em qualquer condição e estado de
desenvolvimento em que se encontre.
Por
tudo isto a Igreja condena como ofensa grave à dignidade humana e à justiça
todas aquelas atividades dos governos ou de outras autoridades públicas, que
tentam limitar por qualquer modo a liberdade dos cônjuges na decisão sobre os
filhos. Conseqüentemente qualquer violência exercitada por tais autoridades em
favor da contracepção e até da esterilização e do aborto procurado, é
absolutamente de condenar e de rejeitar com firmeza. Do mesmo modo é de
reprovar como gravemente injusto o fato de nas relações internacionais, a
ajuda econômica concedida para a promoção dos povos ser condicionada a
programas de contracepção, esterilização e aborto procurado.
Para
que o plano divino se realize sempre mais plenamente
31.
A Igreja está sem dúvida consciente dos múltiplos e complexos problemas que
hoje em muitos países envolvem os cônjuges no seu dever de transmitir
responsavelmente a vida. Reconhece também o grave problema do incremento demográfico,
como se apresenta nas diversas partes do mundo, e as relativas implicações
morais.
A
Igreja considera, todavia, que uma reflexão aprofundada de todos os aspectos de
tais problemas ofereça uma nova e mais forte confirmação da importância da
doutrina autêntica sobre a regulação da natalidade, reproposta no Concílio
Vaticano II e na encíclica
Por
isto, juntamente com os Padres Sinodais, sinto o dever de dirigir um urgente
convite aos teólogos a fim de que, unindo as suas forças para colaborar com o
Magistério hierárquico, se empenhem em iluminar cada vez melhor os fundamentos
bíblicos, as motivações éticas e as razões personalísticas desta doutrina.
Será assim possível, no contexto de uma exposição orgânica, tornar a
doutrina da Igreja sobre este tema fundamental verdadeiramente acessível a
todos os homens de boa vontade, favorecendo uma compreensão cada dia mais
luminosa e profunda: desta forma o plano divino poderá ser sempre mais
plenamente cumprido para a salvação do homem e para a glória do Criador.
A
tal respeito, o empenho concorde dos teólogos, inspirado pela adesão
convencida ao Magistério, que é o único guia autêntico do Povo de Deus,
apresenta particular urgência mesmo em razão da visão do homem que a Igreja
propõe: dúvidas ou erros no campo matrimonial ou familiar implicam um grave
obscurecer-se da verdade integral sobre o homem numa situação cultural já tão
freqüentemente confusa e contraditória O contributo de iluminação e de
investigação, que os teólogos são chamados a oferecer no cumprimento da sua
missão específica, tem um valor incomparável e representa um serviço
singular, altamente meritório, à família e à humanidade.
Na
visão integral do homem e da sua vocação
32.No
contexto de uma cultura que deforma gravemente ou chega até a perder o
verdadeiro significado da sexualidade humana, porque a desenraiza da sua referência
essencial à pessoa, a Igreja sente como mais urgente e insubstituível a sua
missão de apresentar a sexualidade como valor e tarefa de toda a pessoa criada,
homem e mulher, à imagem de Deus.
Nesta
perspectiva o Concílio Vaticano II afirmou claramente que «quando se trata de
conciliar o amor conjugal com a transmissão responsável da vida, a moralidade
do comportamento não depende apenas da sinceridade da intenção e da apreciação
dos motivos; deve também determinar-se por critérios objetivos, tomados da
natureza da pessoa e dos seus atos; critérios que respeitam, num contexto de
autêntico amor, o sentido da mútua doação e da procriação humana. Tudo
isto só é possível se se cultivar sinceramente a virtude da castidade
conjugal».
É
exatamente partindo da «visão integral do homem e da sua vocação, não só
natural e terrena, mas também sobrenatural e eterna», que Paulo VI afirmou que
a doutrina da Igreja «se funda na conexão inseparável, que Deus quis e que o
homem não pode quebrar por sua iniciativa, entre os dois significados do ato conjugal: o significado unitivo e o significado procriativo», E conclui
reafirmando que é de excluir, como intrinsecamente desonesta, «toda a ação que, ou em previsão do
ato conjugal, ou na sua realização, ou no
desenvolvimento das suas conseqüências naturais, se proponha, como fim ou como
meio, tornar a procriação impossível».
Quando
os cônjuges, mediante o recurso à contracepção, separam estes dois
significados que Deus Criador inscreveu no ser do homem e da mulher e no
dinamismo da sua comunhão sexual, comportam-se como «árbitros» do plano
divino e «manipulam» e aviltam a sexualidade humana, e com ela a própria
pessoa e a do cônjuge, alterando desse modo o valor da doação «total».
Assim, à linguagem nativa que exprime a recíproca doação total dos cônjuges,
a contracepção impõe uma linguagem objetivamente contraditória, a do não
doar-se ao outro: deriva daqui, não somente a recusa positiva de abertura à
vida, mas também uma falsificação da verdade interior do amor conjugal,
chamado a doar-se na totalidade pessoal.
Quando
pelo contrário os cônjuges, mediante o recurso a períodos de infecundidade,
respeitam a conexão indivisível dos significados unitivo e procriativo da
sexualidade humana, comportam-se como «ministros» de plano de Deus e «usufruem»
da sexualidade segundo o dinamismo originário da doação «total», se
manipulações e alterações.
À
luz da experiência mesma de tantos casais e dos dados das diversas ciências
humanas, a reflexão teológica pode receber e é chamada a aprofundar a diferença
antropológica e ao mesmo tempo moral, que existe entre a contracepção
e o recurso aos ritmos temporais: trata-se de uma diferença bastante mais vasta
e profunda de quanto habitualmente se possa pensar e que, em última análise,
envolve duas concepções da pessoa e da sexualidade humana irredutíveis entre
si.
A escolha dos ritmos naturais, de fato, comporta a aceitação do ritmo
biológico da mulher, e com isto também a aceitação do diálogo, do respeito
recíproco, da responsabilidade comum, do domínio de si. Acolher, depois, o
tempo e o diálogo significa reconhecer o caráter conjuntamente espiritual e
corpóreo da comunhão conjugal, como também viver o amor pessoal na sua exigência
de fidelidade. Neste contexto o casal faz a experiência da comunhão conjugal
enriquecida daqueles valores de ternura e afetividade, que constituem o segredo
profundo da sexualidade humana, mesmo na sua dimensão física. Desta maneira a
sexualidade é respeitada e promovida na sua dimensão verdadeira e plenamente
humana, não sendo nunca «usada» como um «objeto» que, dissolvendo a
unidade pessoal da alma e do corpo, fere a própria criação de Deus na relação
mais íntima entre a natureza e a pessoa.
A
Igreja Mestra e Mãe para os cônjuges em dificuldade
33.Também
no campo da moral conjugal a Igreja é e age como Mestra e Mãe.
Como
Mestra, ela não se cansa de proclamar a norma moral que deve guiar a transmissão
responsável da vida. De tal norma a Igreja não é, certamente, nem a autora
nem o juiz. Em obediência à verdade que é Cristo, cuja imagem se reflete na
natureza e na dignidade da pessoa humana, a Igreja interpreta a norma moral e
propõe-na a todos os homens de boa vontade, sem esconder as suas exigências de
radicalidade e de perfeição.
Como
Mãe, a Igreja está próxima dos muitos casais que se encontram em dificuldade
sobre este importante ponto da vida moral: conhece bem a sua situação, freqüentemente
muito árdua e às vezes verdadeiramente atormentada por
dificuldades de toda a espécie, não só individuais mas também sociais; sabe
que muitos cônjuges encontram dificuldades não só para a realização
concreta mas também para a própria compreensão dos valores ínsitos na norma
moral.
Mas
é a mesma e única Igreja a ser ao mesmo tempo Mestra e Mãe. Por isso a Igreja
nunca se cansa de convidar e de encorajar para que as eventuais dificuldades
conjugais sejam resolvidas sem nunca falsificar e comprometer a verdade: ela está
de fato convencida de que não pode existir verdadeira contradição entre a
lei divina de transmitir a vida e a de favorecer o autêntico amor conjugal. Por
isso, a pedagogia concreta da Igreja deve estar sempre ligada e nunca separada
da sua doutrina. Repito, portanto, com a mesmíssima persuasão do meu
Predecessor: «Não diminuir em nada a doutrina salutar de Cristo é eminente
forma de caridade para com as almas».
Por
outro lado, a autêntica pedagogia eclesial revela o seu realismo e a sua
sabedoria só desenvolvendo um empenhamento tenaz e corajoso no criar e
sustentar todas aquelas condições humanas - psicológicas, morais e
espirituais - que são indispensáveis para compreender e viver o valor e a
norma moral.
Não
há dúvida de que entre estas condições devem elencar-se a constância e a
paciência, a humildade e a fortaleza de espírito, a filial confiança em Deus e
na sua graça, o recurso freqüente à oração e aos sacramentos da Eucaristia e
da reconciliação. Assim fortalecidos, os cônjuges cristãos poderão manter
viva a consciência do influxo singular que a graça do sacramento do matrimônio
exerce sobre todas as realidades da vida conjugal, e, portanto, também sobre a
sua sexualidade: o dom do espírito, acolhido e correspondido pelos cônjuges,
ajuda-os a viver a sexualidade humana segundo o plano de Deus e como sinal do
amor unitivo e fecundo de Cristo pela Igreja.
Mas,
entre as condições necessárias, entra também o conhecimento da corporeidade
e dos ritmos de fertilidade. Em tal sentido, é preciso fazer tudo para que um
igual conhecimento se torne acessível a todos os cônjuges, e, antes ainda às
jovens, mediante uma informação e educação clara, oportuna e séria, feita
por casais, médicos e peritos. O conhecimento deve conduzir à educação para
o autocontrole: daqui a absoluta necessidade da virtude da castidade e da
permanente educação para ela. Segundo a visão cristã, a castidade não
significa de modo nenhum nem a recusa nem a falta de estima pela sexualidade
humana: ela significa antes a energia espiritual que sabe defender o amor dos
perigos do egoísmo e da agressividade e sabe voltá-lo para a sua plena realização.
Paulo
VI, com profundo intuito de sabedoria e de amor, não fez outra coisa senão dar
voz à experiência de tantos casais quando na sua encíclica escreveu: «O domínio
do instinto, mediante a razão e a vontade livre, impõe sem dúvida uma ascese
para que as manifestações afetivas da vida conjugal sejam segundo a ordem reta
e particularmente para a observância da continência periódica. Mas esta
disciplina própria da pureza dos esposos, muito longe de prejudicar o amor
conjugal, confere-lhe pelo contrário um mais alto valor humano.
Isto exige um
esforço contínuo, mas graças ao seu benéfico influxo, os cônjuges
desenvolvem integralmente a sua personalidade, enriquecendo-se de valores
espirituais: aquela traz à vida familiar frutos de serenidade e de paz e
facilita a solução de outros problemas; favorece a atenção para com o
consorte, ajuda os esposos a superar o egoísmo, inimigo do amor, e aprofunda o
sentido da responsabilidade deles no cumprimento dos seus deveres. Os pais
adquirem então a capacidade de uma influência mais profunda e eficaz na educação
dos filhos».
O
itinerário moral dos esposos
34.É
sempre muito importante possuir uma reta concepção da ordem moral, dos seus
valores e das suas normas: a importância aumenta quando se tornam mais
numerosas e graves as dificuldades para as respeitar.
Exatamente
porque revela e propõe o desígnio de Deus Criador, a ordem moral não pode ser
algo de mortificante para o homem e de impessoal; pelo contrário, respondendo
às exigências mais profundas do homem criado por Deus, põe-se ao serviço da
sua plena humanidade, com o amor delicado e vinculante com o qual Deus mesmo
inspira, sustenta e guia cada criatura para a felicidade.
Mas
o homem, chamado a viver responsavelmente o plano sapiente e amoroso de Deus, é
um ser histórico, que se constrói, dia a dia, com numerosas decisões livres:
por isso ele conhece, ama e cumpre o bem moral segundo etapas de crescimento.
Também
os cônjuges, no âmbito da vida moral, são chamados a um contínuo caminhar,
sustentados pelo desejo sincero e operante de conhecer sempre melhor os valores
que a lei divina guarda e promove, pela vontade reta e generosa de os encarnar
nas suas decisões concretas. Eles, porém, não podem ver a lei só como puro
ideal a conseguir no futuro, mas devem considerá-la como um mandato de Cristo
de superar cuidadosamente as dificuldades. Por isso a chamada «lei da graduação»
ou caminho gradual não pode identificar-se com a graduação da
lei, como se houvesse vários graus e várias formas de preceito na lei
divina para homens em situações diversas.
Todos os cônjuges são chamados,
segundo o plano de Deus, à santidade no matrimônio e esta alta vocação
realiza-se na medida em que a pessoa humana está em grau de responder ao
mandato divino com espírito sereno, confiando na graça divina e na vontade própria».
Na mesma linha a pedagogia da Igreja compreende que os cônjuges antes de tudo
reconheçam claramente a doutrina da Humanae Vitae como normativa para o exercício
da sexualidade e sinceramente se empenhem em pôr as condições necessárias
para a observar.
Esta
pedagogia, como sublinhou o Sínodo, compreende toda a vida conjugal. Por isso a
obrigação de transmitir a vida deve integrar-se na missão global da
totalidade da vida cristã, a qual, sem a cruz, não pode chegar à ressurreição.
Em semelhante contexto compreende-se como não se possa suprimir da vida
familiar o sacrifício, mas antes se deva aceitá-lo com o coração para que o
amor conjugal se aprofunde e se torne fonte de alegria íntima.
Este
caminho comum exige reflexão, informação, instrução idônea dos sacerdotes,
dos religiosos e dos leigos que estão empenhados na pastoral familiar: todos
eles poderão ajudar os cônjuges no itinerário humano e espiritual que
comporta em si a consciência do pecado, o sincero empenho de observar a lei
moral, o ministério da reconciliação. Deve também ser recordado como na
intimidade conjugal estão implicadas as vontades das duas pessoas, chamadas a
uma harmonia de mentalidade e comportamento: isto exige não pouca paciência,
simpatia e tempo. De singular importância neste campo é a unidade dos juízos
morais e pastorais dos sacerdotes: tal unidade deve cuidadosamente ser procurada
e assegurada, para que os fiéis não tenham que sofrer problemas de consciência.
O
caminho dos cônjuges será portanto facilitado se, na estima da doutrina da
Igreja e na confiança na graça de Cristo, ajudados e acompanhados pelos
pastores e pela inteira comunidade eclesial, descobrirem e experimentarem o
valor da libertação e da promoção do amor autêntico, que o Evangelho
oferece e o mandamento do Senhor propõe.
Suscitar
convicções e oferecer uma ajuda concreta
35.Diante
do problema de uma honesta regulação da natalidade, a comunidade eclesial, no
tempo presente, deve assumir como seu dever suscitar convicções e oferecer uma
ajuda concreta a quantos quiserem viver a paternidade e a maternidade de modo
verdadeiramente responsável.
Neste
campo, enquanto se congratula com os resultados conseguidos pelas investigações
científicas de um conhecimento mais preciso dos ritmos de fertilidade feminina
e estimula uma mais decisiva e ampla extensão de tais estudos, a Igreja cristã
não pode não solicitar com renovado vigor a responsabilidade de quantos - médicos,
peritos, conselheiros conjugais, educadores, casais - podem efetivamente ajudar
os cônjuges a viver o seu amor com respeito pela estrutura e pelas finalidades
do ato conjugal que o exprime. Isto quer dizer um empenho mais vasto, decisivo
e sistemático, para fazer conhecer, apreciar e aplicar os métodos naturais de
regulação da fertilidade.
Um
testemunho precioso pode e deve ser dado por aqueles esposos que, mediante o
comum empenho na continência periódica, chegaram a uma responsabilidade
pessoal mais madura em relação ao amor e à vida. Como escrevia Paulo VI: «a
esses confia o Senhor a tarefa de fazer visível aos homens a santidade e a
suavidade da lei que une o amor mútuo dos esposos e a cooperação deles com o
amor de Deus autor da vida humana».
A
educação
O
direito-dever dos pais de educar
36.O
dever de educar mergulha as raízes na vocação primordial dos cônjuges à
participação na obra criadora de Deus: gerando no amor e por amor uma nova
pessoa, que traz em si a vocação ao crescimento e ao desenvolvimento, os pais
assumem por isso mesmo o dever de a ajudar eficazmente a viver uma vida
plenamente humana. Como recordou o Concílio Vaticano II: «Os pais, que
transmitiram a vida aos filhos, têm uma gravíssima obrigação de educar a
prole e, por isso, devem ser reconhecidos como seus primeiros e principais
educadores. Esta função educativa é de tanto peso que, onde não existir,
dificilmente poderá ser suprida. Com efeito, é dever dos pais criar um
ambiente de tal modo animado pelo amor e pela piedade para com Deus e para com
os homens que favoreça a completa educação pessoal e social dos filhos. A família
é, portanto, a primeira escola das virtudes sociais de que as sociedades têm
necessidade».
O
direito-dever educativo dos pais qualifica-se como essencial, ligado como está
à transmissão da vida humana; como original e primário, em relação ao dever
de educar dos outros, pela unicidade da relação de amor que subsiste entre
pais e filhos; como insubstituível e inalienável, e portanto, não delegável
totalmente a outros ou por outros usurpável.
Para
além destas características, não se pode esquecer que o elemento mais
radical, que qualifica o dever de educar dos pais é o amor paterno e materno, o
qual encontra na obra educativa o seu cumprimento ao tornar pleno e perfeito o
serviço à vida: o amor dos pais de fonte torna-se alma e, portanto, norma, que
inspira e guia toda a ação educativa concreta, enriquecendo-a com aqueles
valores de docilidade, constância, bondade, serviço, desinteresse, espírito
de sacrifício, que são o fruto mais precioso do amor.
Educar
para os valores essenciais da vida humana
37.Embora
no meio das dificuldades da obra educativa, hoje muitas vezes agravada, os pais
devem, com confiança e coragem, formar os filhos para os valores essenciais da
vida humana. Os filhos devem crescer numa justa liberdade diante dos bens
materiais, adotando um estilo de vida simples e austero, convencidos de que «o
homem vale mais pelo que é do que pelo que tem»
Numa
sociedade agitada e desagregada por tensões e conflitos em razão do violento
choque entre os diversos individualismos e egoísmos, os filhos devem
enriquecer-se não só do sentido da verdadeira justiça que, por si só conduz
ao respeito pela dignidade pessoal de cada um, mas também e, ainda mais, do
sentido do verdadeiro amor, como solicitude sincera e serviço desinteressado
para com os outros, em particular os mais pobres e necessitados.
A família é a
primeira e fundamental escola de sociabilidade: enquanto comunidade de amor, ela
encontra no dom de si a lei que a guia e a faz crescer. O dom de si, que inspira
o amor mútuo dos cônjuges, deve por-se como modelo e norma daquele que deve
ser atuado nas relações entre irmãos e irmãs e entre as diversas gerações
que convivem na família. E a comunhão e a participação quotidianamente
vividas na casa, nos momentos de alegria e de dificuldade, representam a mais
concreta e eficaz pedagogia para a inserção ativa, responsável e fecunda dos
filhos no mais amplo horizonte da sociedade.
A
educação para o amor como dom de si constitui também a premissa indispensável
para os pais chamados a oferecer aos filhos uma clara e delicada educação
sexual. Diante de uma cultura que «banaliza» em grande parte a sexualidade
humana, porque a interpreta e a vive de maneira limitada e empobrecida
coligando-a unicamente ao corpo e ao prazer egoístico, o serviço educativo dos
pais deve dirigir-se com firmeza para uma cultura sexual que seja verdadeira e
plenamente pessoal. A sexualidade, de fato, é uma riqueza de toda a pessoa -
corpo, sentimento e alma - e manifesta o seu significado íntimo ao levar a pessoa ao dom de si no amor.
A
educação sexual, direito e dever fundamental dos pais, deve atuar sempre
sob a sua solícita guia, quer em casa quer nos centros educativos escolhidos e
controlados por eles. Neste sentido a Igreja reafirma a lei da subsidiariedade,
que a escola deve observar quando coopera na educação sexual, ao imbuir-se do
mesmo espírito que anima os pais.
Neste
contexto é absolutamente irrenunciável a educação para a castidade como
virtude que desenvolve a autêntica maturidade da pessoa e a torna capaz de
respeitar e promover o «significado nupcial» do corpo. Melhor, os pais cristãos
reservarão uma particular atenção e cuidado, discernindo os sinais da chamada
de Deus, para a educação para a virgindade como forma suprema daquele dom de
si que constitui o sentido próprio da sexualidade humana.
Pelos
laços estreitos que ligam a dimensão sexual da pessoa e os seus valores éticos,
o dever educativo deve conduzir os filhos a conhecer e a estimar as normas
morais como necessária e preciosa garantia para um crescimento pessoal responsável
na sexualidade humana.
Por
isto a Igreja opõe-se firmemente a uma certa forma de informação sexual,
desligada dos princípios morais, tão difundida, que não é senão uma introdução
à experiência do prazer e um estímulo que leva à perda - ainda nos anos da
inocência - da serenidade, abrindo as portas ao vício.
A
missão educativa e o sacramento do matrimônio
38
Para os pais cristãos a missão educativa, radicada como já se disse na sua
participação na obra criadora de Deus, tem uma nova e específica fonte no
sacramento do matrimônio, que os consagra para a educação propriamente cristã
dos filhos, isto é, que os chama a participar da mesma autoridade e do mesmo
amor de Deus Pai e de Cristo Pastor, como também do amor materno da Igreja, e
os enriquece de sabedoria, conselho, fortaleza e de todos os outros dons do Espírito
Santo para ajudarem os filhos no seu crescimento humano e cristão.
O
dever educativo recebe do sacramento do matrimônio a dignidade e a vocação de
ser um verdadeiro e próprio «ministério» da Igreja ao serviço da edificação
dos seus membros. Tal é a grandeza e o esplendor do ministério educativo dos
pais cristãos, que Santo Tomás não hesita em compará-lo ao ministério dos
sacerdotes: «Alguns propagam e conservam a vida espiritual com um ministério
unicamente espiritual: é a tarefa do sacramento da ordem; outros fazem-no
quanto à vida corporal e espiritual o que se realiza com o sacramento do matrimônio,
que une o homem e a mulher para que tenham descendência e a eduquem para o
culto de Deus».
A
consciência viva e atenta da missão recebida no sacramento do matrimônio ajudará os pais cristãos a dedicarem-se com grande serenidade e confiança ao
serviço de educar os filhos e, ao mesmo tempo, com sentido de responsabilidade
diante de Deus que os chama e os manda edificar a Igreja nos filhos. Assim a família
dos batizados, convocada qual igreja doméstica pela Palavra e pelo Sacramento,
torna-se, conjuntamente, como a grande Igreja, mestra e mãe.
A
primeira experiência de Igreja
39.A
missão de educar exige que os pais cristãos proponham aos filhos todos os
conteúdos necessários para o amadurecimento gradual da personalidade sob o
ponto de vista cristão e eclesial. Retomarão então as linhas educativas acima
recordadas, com o cuidado de mostrar aos filhos a que profundidade de
significado a fé e a caridade de Jesus Cristo sabem conduzir. Para além disso,
a certeza de que o Senhor lhes confia o crescimento de um filho de Deus, de um
irmão de Cristo, de um templo do Espírito Santo, de um membro da Igreja,
ajudará os pais cristãos no seu dever de reforçar na alma dos filhos o dom da
graça divina.
O
Concílio Vaticano II precisa assim o conteúdo da educação cristã: «Esta
procura dar não só a maturidade de pessoa humana... mas tende principalmente a
fazer com que os batizados, enquanto são introduzidos gradualmente no
conhecimento do mistério da salvação, se tornem cada vez mais conscientes do
dom da fé que receberam; aprendam, principalmente na ação litúrgica, a
adorar a Deus Pai em espírito e verdade (cf. Jo 4,23), disponham-se a levar
a própria vida segundo o homem novo em justiça e santidade de verdade (Ef 4,
22-24); e assim se aproximem do homem perfeito, da idade plena de Cristo (cf.
Ef 4,13) e colaborem no aumento do Corpo Místico. Além disso, conscientes da
sua vocação, habituem-se quer a testemunhar a esperança que neles existe (cf. 1 Pd 3,15), quer a ajudar a conformação cristã no mundo».
Também
o Sínodo, retomando e desenvolvendo as linhas conciliares, apresentou a missão
educativa da família cristã como um verdadeiro ministério, através do qual
é transmitido e irradiado o Evangelho, ao ponto de a mesma vida da família se
tornar itinerário de fé e, em certo modo, iniciação cristã e escola para
seguir a Cristo. Na família consciente de tal dom, como escreveu Paulo VI, «todos
os membros evangelizam e são evangelizados».
Pela
força do ministério da educação os pais, mediante o testemunho de vida, são
os primeiros arautos do Evangelho junto dos filhos. A inda mais: rezando com os
filhos, dedicando-se com eles à leitura da Palavra de Deus e inserindo-os no íntimo
do Corpo - eucarístico e eclesial - de Cristo mediante a iniciação cristã,
tornam-se plenamente pais, progenitores não só da vida carnal, mas também
daquela que, mediante a renovação do Espírito, brota da Cruz e da ressurreição
de Cristo.
Para
que os pais cristãos possam cumprir dignamente o seu ministério educativo, os
Padres Sinodais exprimiram o desejo de que seja preparado um catecismo para uso
da família, com texto adequado, claro, breve e tal que possa ser facilmente
assimilado por todos. As conferências episcopais foram vivamente convidadas a
empenharem-se na realização deste catecismo.
Relações
com outras forças educativas
40.
A família é a primeira, mas não a única e exclusiva comunidade educativa: a
dimensão comunitária, civil e eclesial do homem exige e conduz a uma obra mais
ampla e articulada, que seja o fruto da colaboração ordenada das diversas forças
educativas. Estas forças são todas elas necessárias, mesmo que cada uma possa
e deva intervir com a sua competência e o seu contributo próprio.
O
dever educativo da família cristã tem conseqüentemente um lugar bem importante
na pastoral orgânica o que implica uma nova forma de colaboração entre os pais
e as comunidades cristãs, entre os diversos grupos educativos e os pastores.
Neste sentido, a renovação da escola católica deve dar uma atenção
especial quer aos pais dos alunos quer à formação de uma perfeita comunidade
educadora.
Deve
ser absolutamente assegurado o direito dos pais à escolha de uma educação
conforme à sua fé religiosa.
O
Estado e a Igreja têm obrigação de prestar às famílias todos os meios possíveis
a fim de que possam exercer adequadamente os seus deveres educativos. Por isso,
quer a Igreja quer o Estado devem criar e promover aquelas instituições e atividades
que as famílias justamente reclamam. A ajuda deverá ser
proporcional às insuficiências das famílias. Portanto, todos os que na
sociedade ocupam postos de direção escolar nunca esqueçam que os pais foram
constituídos pelo próprio Deus como primeiros e principais educadores dos
filhos, e que o seu direito é absolutamente inalienável.
Mas,
complementar ao direito, põe-se o grave dever dos pais de se empenharem com
profundidade numa relação cordial e construtiva com os professores e os diretores
das escolas.
Se
nas escolas se ensinam ideologias contrárias à fé cristã, cada família
juntamente com outras, possivelmente mediante formas associativas, deve com
todas as forças e com sabedoria ajudar os jovens a não se afastarem da fé.
Neste caso, a família tem necessidade de especial ajuda da parte dos pastores,
que não poderão esquecer o direito inviolável dos pais de confiar os seus
filhos à comunidade eclesial.
Um
múltiplo serviço à vida
41.O
amor conjugal fecundo exprime-se num serviço à vida em variadas formas, sendo
a geração e a educação as mais imediatas, próprias e insubstituíveis. Na
realidade, cada ato de amor verdadeiro para com o homem testemunha e aperfeiçoa
a fecundidade espiritual da família, porque é obediência ao profundo
dinamismo interior do amor como doação de si aos outros.
Nesta
perspectiva, para todos rica de valor e de empenho, saberão inspirar-se
particularmente aqueles cônjuges que fazem a experiência da esterilidade física.
As
famílias cristãs, que na fé reconhecem todos os homens como filhos do Pai
comum dos céus, irão generosamente ao encontro dos filhos das outras famílias,
sustentando-os e amando-os não como estranhos, mas como membros da única família
dos filhos de Deus. Os pais cristãos terão assim oportunidade de alargar o seu
amor para além dos vínculos da carne e do sangue, alimentando os laços que têm
o seu fundamento no espírito e que se desenvolvem no serviço concreto aos
filhos de outras famílias, muitas vezes necessitadas até das coisas mais
elementares.
As
famílias cristãs saberão viver uma maior disponibilidade em favor da adoção
e do acolhimento de órfãos ou abandonados: enquanto estas crianças,
encontrando o calor afetivo de uma família, podem fazer uma experiência clã carinhosa e próvida paternidade de Deus, testemunhada pelos pais cristãos, e
assim crescer com serenidade e confiança na vida, a família inteira
enriquecer-se-á dos valores espirituais de uma mais ampla fraternidade.
A
fecundidade das famílias deve conhecer uma sua incessante «criatividade»,
fruto maravilhoso do Espírito de Deus, que abre os olhos do coração à
descoberta de novas necessidades e sofrimentos da nossa sociedade, e que infunde
coragem para as assumir e dar-lhes resposta. Apresenta-se às famílias, neste
quadro, um vastíssimo campo de ação: com efeito, ainda mais preocupante que
o abandono das crianças é hoje o fenômeno da marginalização social e
cultural, que duramente fere anciãos, doentes, deficientes, toxicômanos,
ex-presos, etc.
Desta
maneira dilata-se enormemente o horizonte da paternidade e da maternidade das
famílias cristãs: o seu amor espiritualmente fecundo é desafiado por estas e
tantas outras urgências do nosso tempo. Com as famílias e por meio delas, o
Senhor continua a ter «compaixão» das multidões.
III - A Participação no
Desenvolvimento da Sociedade
A
família, célula primeira e vital da sociedade
42.
«Pois que o Criador de todas as coisas constituiu o matrimônio princípio e
fundamento da sociedade humana», a família tornou-se a «célula primeira e
vital da sociedade».
A
família possui vínculos vitais e orgânicos com a sociedade, porque constitui o
seu fundamento e alimento contínuo mediante o dever de serviço à vida: saem,
de fato, da família os cidadãos e na família encontram a primeira escola
daquelas virtudes sociais, que são a alma da vida e do desenvolvimento da mesma
sociedade.
Assim
por força da sua natureza e vocação, longe de fechar-se em si mesma, a família
abre-se às outras famílias e à sociedade, assumindo a sua tarefa social.
A
vida familiar como experiência de comunhão e de participação
43.A
mesma experiência de comunhão e de participação, que deve caracterizar a
vida quotidiana da família, representa o seu primeiro e fundamental contributo
à sociedade.
As
relações entre os membros da comunidade familiar são inspiradas e guiadas
pela lei da «gratuidade» que, respeitando e favorecendo em todos e em cada um
a dignidade pessoal como único título de valor, se torna acolhimento cordial,
encontro e diálogo, disponibilidade desinteressada, serviço generoso,
solidariedade profunda.
A
promoção de uma autêntica e madura comunhão de pessoas na família torna-se
a primeira e insubstituível escola de sociabilidade, exemplo e estímulo para
as mais amplas relações comunitárias na mira do respeito, da justiça, do diálogo,
do amor.
Deste
modo a família, como recordaram os Padres Sinodais, constitui o lugar nativo e
o instrumento mais eficaz de humanização e de personalização da sociedade.
Colabora de um modo original e profundo na construção do mundo, tornando possível
uma vida propriamente humana, guardando e transmitindo em particular as virtudes
e «os valores». Como escreve o Concílio Vaticano II, na família «congregam-se
as diferentes gerações que reciprocamente se ajudam a alcançar uma sabedoria
mais plena e a conciliar os direitos pessoais com as outras exigências da vida
social»,
Assim
diante de uma sociedade que se arrisca a ser cada vez mais despersonalizada e
massificada, e, portanto, desumana e desumanizante, com as resultantes negativas
de tantas formas de «evasão» - como, por exemplo, o alcoolismo, a droga e o
próprio terrorismo - a família possui e irradia ainda hoje energias formidáveis
capazes de arrancar o homem do anonimato, de o manter consciente da sua
dignidade pessoal, de o enriquecer de profunda humanidade e de o inserir ativamente
com a sua unicidade e irrepetibilidade no tecido da sociedade.
Função
social e política
44.A
função social da família não pode certamente fechar-se na obra procriativa e
educativa, ainda que nessa encontre a primeira e insubstituível forma de
expressão.
As
famílias, quer cada uma por si quer associadas, podem e devem portanto
dedicar-se a várias obras de serviço social, especialmente em prol dos pobres,
e de qualquer modo de todas aquelas pessoas e situações que a organização
previdencial e assistencial das autoridades públicas não consegue atingir.
O
contributo social da família tem uma originalidade própria, que pode ser
conhecida melhor e mais decisivamente favorecida, sobretudo à medida que os
filhos crescem, empenhando de fato o mais possível todos os membros.
Em
particular é de realçar a importância sempre maior que na nossa sociedade
assume a hospitalidade, em todas as suas formas desde o abrir as portas da própria
casa e ainda mais do próprio coração aos pedidos dos irmãos, ao empenho
concreto de assegurar a cada família a sua casa, como ambiente natural que a
conserva e a faz crescer. Sobretudo a família cristã é chamada a escutar a
recomendação do apóstolo: «Exercei a hospitalidade com solicitude» e
portanto a atuar, imitando o exemplo e compartilhando a caridade de Cristo, o
acolhimento do irmão necessitado: «Quem der de beber a um destes pequeninos,
ainda que seja somente um copo de água fresca, por ser meu discípulo, em
verdade vos digo não perderá a sua recompensa»,
O
dever social das famílias é chamado ainda a exprimir-se sob forma de intervenção
política: as famílias devem com prioridade diligenciar para que as leis e as
instituições do Estado não só não ofendam, mas sustentem e defendam
positivamente os seus direitos e deveres. Em tal sentido as famílias devem
crescer na consciência de serem «protagonistas» da chamada «política
familiar» e assumir a responsabilidade de transformar a sociedade: doutra forma
as famílias serão as primeiras vítimas daqueles males que se limitaram a
observar com indiferença. O apelo do Concílio Vaticano II para que se supere a
ética individualística tem também valor para a família como tal.
A
sociedade ao serviço da família
45.A
íntima conexão entre a família e a sociedade, como exige a abertura e a
participação da família na sociedade e no seu desenvolvimento, impõe também
que a sociedade não abandone o seu dever fundamental de respeitar e de promover
a família.
A
família e a sociedade têm certamente uma função complementar na defesa e na
promoção do bem de todos homens e de cada homem. Mas a sociedade, e mais
especificamente o Estado, devem reconhecer que a família é «uma sociedade que
goza de direito próprio e primordial» e portanto nas suas relações com a família
são gravemente obrigados ao respeito do princípio de subsidiariedade.
Por
força de tal princípio o Estado não pode nem deve subtrair às famílias
tarefas que elas podem igualmente desenvolver perfeitamente sós ou livremente
associadas, mas favorecer positivamente e solicitar o mais possível a
iniciativa responsável das famílias. Convencidas de que o bem da família
constitui um valor indispensável e irrenunciável da comunidade civil, as
autoridades públicas devem fazer o possível por assegurar às famílias todas
aquelas ajudas - econômicas, sociais, educativas, políticas, culturais de que
têm necessidade para fazer frente de modo humano a todas as suas
responsabilidades.
A
carta dos direitos da família
46.O
ideal de uma ação recíproca de auxílio e de desenvolvimento entre a família
e a sociedade encontra-se muitas vezes, e em termos bastante graves, com a
realidade de uma separação, mais que de uma contraposição.
Com
efeito, como continuamente denunciou o Sínodo, a situação que numerosas famílias
encontram em diversos países é muito problemática, e até decididamente
negativa: instituições e leis que desconhecem injustamente os direitos invioláveis
da família e da mesma pessoa humana, e a sociedade, longe de se colocar ao
serviço da família, agride-a com violência nos seus valores e nas suas exigências
fundamentais. Assim a família que, segundo o desígnio de Deus, é a célula
base da sociedade, sujeito de direitos e deveres antes do Estado e de qualquer
outra comunidade, encontra-se como vítima da sociedade, dos atrasos e da lentidão
das suas intervenções e ainda mais das suas patentes injustiças.
Por
tudo isto a Igreja defende aberta e fortemente os direitos da família contra as
intoleráveis usurpações da sociedade e do Estado. De modo particular, os
Padres Sinodais recordam, entre outros, os seguintes direitos da família:
o
direito de existir e progredir como família, isto é o direito de cada
homem, mesmo o pobre, a fundar uma família e a ter os meios adequados para
a sustentar;
o
direito de exercer as suas responsabilidades no âmbito de transmitir a vida
e de educar os filhos;
o
direito à intimidade da vida conjugal e familiar;
o
direito à estabilidade do vínculo e da instituição matrimonial;
o
direito de crer e de professar a própria fé, e de a difundir;
o
direito de educar os filhos segundo as próprias tradições e valores
religiosos e culturais, com os instrumentos, os meios e as instituições
necessárias;
o
direito de obter a segurança física, social, política, econômica,
especialmente tratando-se de pobres e de enfermos;
o
direito de ter uma habitação digna a conduzir convenientemente a vida
familiar;
o
direito de expressão e representação diante das autoridades públicas econômicas, sociais e culturais e outras inferiores, quer
diretamente quer
através de associações;
o
direito de criar associações com outras famílias e instituições, para
um desempenho de modo adequado e solícito do próprio dever;
o
direito de proteger os menores de medicamentos prejudiciais, da pornografia,
do alcoolismo, etc mediante instituições e legislações adequadas;
o
direito à distração honesta que favoreça também os valores da família;
o
direito das pessoas de idade a viver e morrer dignamente;
o
direito de emigrar como família para encontrar vida melhor
A Santa Sé, acolhendo o pedido explícito
do Sínodo, terá o cuidado de aprofundar tais sugestões, elaborando uma «Carta
dos direitos da família» a propor aos ambientes e às Autoridades
interessadas.
Graça
e responsabilidade da família cristã
47.O
dever social próprio de cada família diz respeito, por um título novo e
original, à família cristã, fundada sobre o sacramento do matrimônio.
Assumindo a realidade humana do amor conjugal com todas as suas conseqüências,
o sacramento habilita e empenha os cônjuges e os pais cristãos a viver a sua
vocação de leigos, e por tanto a «procurar o Reino de Deus tratando das
realidades temporais e ordenando-as segundo Deus».
O
dever social e político reentra naquela missão real ou de serviço da qual os
esposos cristãos participam pela força do sacramento do matrimônio, recebendo
ao mesmo tempo um mandamento ao qual não podem subtrair-se e uma graça que os
sustenta e estimula.
Em
tal modo a família cristã é chamada a oferecer a todos o testemunho de uma
dedicação generosa e desinteressada pelos problemas sociais, mediante a «opção
preferencial» pelos pobres e marginalizados. Por isso, progredindo no caminho
do Senhor mediante uma predileção especial para com todos os pobres, deve
cuidar especialmente dos esfomeados, dos indigentes, dos anciãos, dos doentes,
dos drogados, dos sem família.
Para
uma nova ordem internacional
48.Diante
da dimensão mundial que hoje caracteriza os vários problemas sociais, a família
vê alargar-se de modo completamente novo o seu dever para com o desenvolvimento
da sociedade: trata-se também de uma cooperação para uma nova ordem
internacional, porque só na solidariedade mundial se podem enfrentar e resolver
os enormes e dramáticos problemas da justiça no mundo, da liberdade dos povos,
da paz da humanidade.
A
comunhão espiritual das famílias cristãs, radicadas na fé e esperança
comuns e vivificadas pela caridade, constitui uma energia interior que dá
origem, difunde e desenvolve justiça, reconciliação, fraternidade e paz entre
os homens. Como «pequena Igreja», a família cristã é chamada, à semelhança
da «grande Igreja» a ser sinal de unidade para o mundo e a exercer deste modo
o seu papel profético, testemunhando o Reino e a paz de Cristo, para os quais o
mundo inteiro caminha.
As
famílias cristãs poderão fazê-lo quer através da sua obra educativa,
oferecendo aos filhos um modelo de vida fundada sobre os valores da verdade, da
liberdade, da justiça e do amor, quer com um empenho ativo e responsável no
crescimento autenticamente humano da sociedade e das suas instituições, quer
mantendo de vários modos associações que especificamente se dedicam aos
problemas de ordem internacional.
IV
- A Participação na Vida e na Missão da Igreja
A
família no mistério da Igreja
49.Entre
os deveres fundamentais da família cristã estabelece-se o dever eclesial:
colocar-se ao serviço da edificação do Reino de Deus na história, mediante a
participação na vida e na missão da Igreja.
Para
melhor compreender os fundamentos, os conteúdos e as características de tal
participação, ocorre aprofundar os vínculos múltiplos e profundos que ligam
entre si a Igreja e a família cristã, e constituem esta última como «uma
Igreja em miniatura» (Ecclesia domestica), fazendo com que esta, a seu modo,
seja imagem viva e representação histórica do próprio mistério da Igreja.
É
antes de tudo a Igreja Mãe que gera, educa, edifica a família cristã,
operando em seu favor a missão de salvação que recebeu do Senhor. Com o anúncio
da Palavra de Deus, a Igreja revela à família cristã a sua verdadeira
identidade, o que ela é e deve ser segundo o desígnio do Senhor; com a celebração
dos sacramentos, a Igreja enriquece e corrobora a família cristã com a graça
de Cristo em ordem à sua santificação para a glória do Pai; com a renovada
proclamação do mandamento novo da caridade, a Igreja anima e guia a família
cristã ao serviço do amor, a fim de que imite e reviva o mesmo amor de doação
e sacrifício, que o Senhor Jesus nutre pela humanidade inteira.
Por
sua vez a família cristã está inserida a tal ponto no mistério da Igreja que
se torna participante, a seu modo, da missão de salvação própria da Igreja:
os cônjuges e os pais cristãos, em virtude do sacramento, «têm assim, no seu
estado de vida e na sua ordem, um dom próprio no Povo de Deus». Por isso não
só «recebem» o amor de Cristo tornando-se comunidade «salva», mas também são
chamados a «transmitir» aos irmãos o mesmo amor de Cristo, tornando-se assim
comunidade «salvadora». Deste modo, enquanto é fruto e sinal da fecundidade
sobrenatural da Igreja, a família cristã torna-se símbolo, testemunho,
participação da maternidade da Igreja.
Uma
função eclesial própria e original
50.A
família cristã é chamada a tomar parte viva e responsável na missão da
Igreja de modo próprio e original, colocando-se ao serviço da Igreja e da
sociedade no seu ser e agir, enquanto comunidade íntima de vida e de amor.
Se
a família cristã é comunidade, cujos vínculos são renovados por Cristo
mediante a fé e os sacramentos, a sua participação na missão da Igreja deve
dar-se segundo uma modalidade comunitária: conjuntamente, portanto, os cônjuges
enquanto casal, os pais e os filhos enquanto família, devem viver o seu serviço
à Igreja e ao mundo. Devem ser na fé «um só coração e uma só alma»,
através do espírito apostólico comum que os anima e mediante a colaboração
que os empenha nas obras de serviço à comunidade eclesial e civil.
A
família cristã, pois, edifica o Reino de Deus na história mediante aquelas
mesmas realidades quotidianas que dizem respeito e contradistinguem a sua condição
de vida: é então no amor conjugal e familiar - vivido na sua extraordinária
riqueza de valores e exigências de totalidade, unicidade, fidelidade e
fecundidade - que se exprime e se realiza a participação da família cristã
na missão profética, sacerdotal e real de Jesus Cristo e da sua Igreja: o amor
e a vida constituem portanto o núcleo da missão salvífica da família cristã
na Igreja e pela Igreja
O
Concílio Vaticano II recorda-o quando escreve: «Cada família comunicará
generosamente com as outras as próprias riquezas espirituais. Por isso, a família
cristã, nascida de um matrimônio que é imagem e participação da aliança de
amor entre Cristo e a Igreja, manifestará a todos a presença viva do Salvador
no mundo e a autêntica natureza da Igreja, quer por meio do amor dos esposos,
quer pela sua generosa fecundidade, unidade e fidelidade, quer pela amável
cooperação de todos os seus membros».
Posto
assim o fundamento da participação da família cristã na missão eclesial, é
agora o momento de ilustrar o seu conteúdo na tríplice e unitária referencia
a Jesus Cristo Profeta, Sacerdote e Rei, apresentando por isso a família cristã
como 1) comunidade crente e evangelizadora, 2) comunidade em diálogo com Deus,
3) comunidade ao serviço do homem.
A
Família cristã, comunidade crente e evangelizadora
A
fé, descoberta e admiração do desígnio de Deus sobre a família
51.Partícipe
da vida e da missão da Igreja, que está em religiosa escuta da Palavra de Deus
e a proclama com firme confiança, a família cristã vive a sua tarefa profética
acolhendo e anunciando a Palavra de Deus: torna-se assim, cada dia mais
comunidade crente e evangelizadora.
Também
aos esposos e aos pais cristãos é pedida a obediência da fé: são chamados a
acolher a Palavra do Senhor, que a eles revela a extraordinária novidade - a
Boa Nova - da sua vida conjugal e familiar, feita por Cristo santa e
santificante. De fato, somente na fé eles podem descobrir e admirar com
jubilosa gratidão a que dignidade Deus quis elevar o matrimônio e a família,
constituindo-os sinal e lugar da aliança de amor entre Deus e os homens, entre
Jesus Cristo e a Igreja sua esposa.
A
preparação para o matrimônio cristão é já qualificada como um itinerário
de fé: põe-se, de fato, como ocasião privilegiada para que os noivos
descubram e aprofundem a fé recebida no batismo e alimentada com a educação
cristã. Desta forma reconhecem e acolhem livremente a vocação de seguir o
caminho de Cristo e de se pôr ao serviço do Reino de Deus no estado
matrimonial.
O
momento fundamental da fé dos esposos é dado pela celebração do sacramento
do matrimônio, que na sua natureza profunda é a proclamação, na Igreja, da
Boa-Nova sobre o amor conjugal: é Palavra de Deus que «revela» e «cumpre» o
sábio e amoroso projeto que Deus tem sobre os esposos, introduzidos na
misteriosa e real participação do próprio amor de Deus pela humanidade. Se em
si mesma a celebração sacramental do matrimônio é proclamação da Palavra
de Deus, enquanto os noivos são a título vário protagonistas e celebrantes,
deve ser uma «profissão de fé» feita dentro da Igreja e com a Igreja
comunidade dos crentes.
Esta
profissão de fé exige o seu prolongamento no decurso da vida dos esposos e da
família: Deus, que de fato, chamou os esposos «ao» matrimônio, continua a
chamá-los «no» matrimônio. Dentro e através dos fatos, dos problemas, das
dificuldades, dos acontecimentos da existência de todos os dias, Deus vai-lhes
revelando e propondo as «exigências» concretas da sua participação no amor
de Cristo pela Igreja em relação com a situação particular - familiar,
social e eclesial - na qual se encontram.
A
descoberta e a obediência ao desígnio de Deus devem fazer-se «conjuntamente»
pela comunidade conjugal e familiar, através da mesma experiência humana do
amor vivido do Espírito de Cristo entre os esposos, entre os pais e os filhos
Por
isto, como a grande Igreja, assim também a pequena Igreja doméstica tem
necessidade de ser contínua e intensamente evangelizada: daqui o seu dever de
educação permanente na fé.
O
ministério de evangelização da família cristã
52.Na
medida em que a família cristã acolhe o Evangelho e amadurece na fé torna-se
comunidade evangelizadora. Escutemos de novo Paulo VI: «A família, como a
Igreja, deve ser um lugar onde se transmite o Evangelho e donde o Evangelho
irradia. Portanto no interior de uma família consciente desta missão, todos os
componentes evangelizam e são evangelizados. Os pais não só comunicam aos
filhos o Evangelho, mas podem também receber deles o mesmo Evangelho
profundamente vivido. Uma tal família torna-se, então, evangelizadora de
muitas outras famílias e do ambiente no qual está inserida»,
Como
repetiu o Sínodo, retomando o meu apelo lançado em Puebla, a futura evangelização
depende em grande parte da Igreja doméstica. Esta missão apostólica da família
tem as suas raízes no batismo e recebe da graça sacramental do matrimônio uma nova força para transmitir a fé, para santificar e transformar a sociedade
atual segundo o desígnio de Deus.
A
família cristã, sobretudo hoje, tem uma especial vocação para ser testemunha
da aliança pascal de Cristo, mediante a irradiação constante da alegria do
amor e da certeza da esperança, da qual deve tornar-se reflexo: «A família
cristã proclama em alta voz as virtudes presentes do Reino de Deus e a esperança
na vida bem-aventurada»,
A
absoluta necessidade da catequese familiar surge com singular vigor em
determinadas situações que infelizmente a Igreja experimenta em diversos
lugares: «Onde uma legislação anti-religiosa pretende impedir até a educação
na fé, onde uma incredulidade difundida ou um secularismo invasor tornam
praticamente impossível um verdadeiro crescimento religioso, aquela que poderia
ser chamada Igreja doméstica fica como único ambiente, no qual
crianças e jovens podem receber uma autêntica catequese».
Um
serviço eclesial
53.O
ministério de evangelização dos pais cristãos é original e insubstituível:
assume as conotações típicas da vida familiar, entrelaçada como deveria ser
com o amor, com a simplicidade, com o sentido do concreto e com o testemunho do
quotidiano.
A
família deve formar os filhos para a vida, de modo que cada um realize
plenamente o seu dever segundo a vocação recebida de Deus. De fato, a família
que está aberta aos valores do transcendente, que serve os irmãos na alegria,
que realiza com generosa fidelidade os seus deveres e tem consciência da sua
participação quotidiana no mistério da Cruz gloriosa de Cristo, torna-se o
primeiro e o melhor seminário da vocação à vida consagrada ao Reino de Deus.
O
ministério de evangelização e de catequese dos pais deve acompanhar também a
vida dos filhos nos anos da adolescência e da juventude, quando estes, como
muitas vezes acontece, contestam ou mesmo rejeitam a fé cristã recebida nos
primeiros anos da vida. Como na Igreja a obra de evangelização nunca se separa
do sofrimento do apóstolo, assim na família cristã os pais devem enfrentar
com coragem e com grande serenidade de animo as dificuldades que o seu ministério
de evangelização algumas vezes encontra nos próprios filhos.
Não
se deverá esquecer que o serviço dos cônjuges e pais cristãos a favor do
Evangelho é essencialmente um serviço eclesial, isto é, reentra no contexto
da Igreja inteira, qual comunidade evangelizada e evangelizadora. Enquanto
radicado e derivado da única missão da Igreja e enquanto ordenado à edificação
do único Corpo de Cristo, o ministério de evangelização e de catequese da
Igreja doméstica deve permanecer em comunhão intima e deve harmonizar-se
responsavelmente com todos os outros serviços de evangelização e de catequese
presentes e operantes na comunidade eclesial, quer diocesana quer paroquial.
Pregar
o Evangelho a toda a criatura
54.A
universalidade sem fronteiras é o horizonte próprio da evangelização,
animada interiormente pelo impulso missionário: é de fato a resposta
explicita e inequívoca ao mandato de Cristo: «Ide pelo mundo inteiro e anunciai
a Boa Nova a toda a criatura».
Também
a fé e a missão evangelizadora da família cristã prosseguem este alento
missionário católico. O sacramento do matrimônio que retoma e volta a propor
o dever, radicado no batismo e na confirmação, de defender e difundir a fé,
constitui os cônjuges e os pais cristãos testemunhas de Cristo «até aos
confins do mundo», verdadeiros e próprios «missionários» do amor e da vida.
Uma
certa forma de atividade missionária pode desenvolver-se já na mesma família.
Isto acontece quando algum dos seus membros não tem fé ou não a pratica com
coerência. Em tal caso, os familiares devem oferecer-lhe um testemunho de vida
de fé que o estimule e encoraje no caminho para a plena adesão a Cristo
Salvador.
Animada
já interiormente pelo espírito missionário, a Igreja doméstica é chamada a
ser um sinal luminoso da presença de Cristo e do seu amor mesmo para os «afastados»,
para as famílias que ainda não crêem e para aquelas que já não vivem em coerência
com a fé recebida: é chamada «com o seu exemplo e com o seu testemunho» a
iluminar «aqueles que procuram a verdade».
Como
já no início do cristianismo Áquila e Priscila se apresentavam como casal
missionário, assim hoje a Igreja testemunha a sua incessante novidade e
rejuvenescimento com a presença de cônjuges e de famílias cristãs que, ao
menos durante um certo período de tempo, estão nas terras de missão a
anunciar o Evangelho, servindo o homem com o amor de Jesus Cristo.
As
famílias cristãs dão um contributo particular à causa missionária da Igreja
cultivando as vocações missionárias nos seus filhos e filhas e, de uma forma
mais generalizada, com uma obra educativa que vai «dispondo os filhos, desde a infância
para conhecerem o amor de Deus por todos os homens».
A
família cristã, comunidade em diálogo com Deus
O
santuário doméstico da Igreja
55.O
anúncio do Evangelho e a sua aceitação pela fé atingem a plenitude na
celebração sacramental. A Igreja, comunidade crente e evangelizadora, é também
povo sacerdotal, revestido de dignidade e participante do poder de Cristo Sumo
Sacerdote da Nova e Eterna Aliança.
A
família cristã também está inserida na Igreja, povo sacerdotal: mediante o
sacramento do matrimônio, no qual está radicada e do qual se alimenta, é
continuamente vivificada pelo Senhor Jesus, e por Ele chamada e empenhada no diálogo
com Deus mediante a vida sacramental, o oferecimento da própria existência e a
oração.
É
este o múnus sacerdotal que a família cristã pode e deve exercitar em comunhão
íntima com toda a Igreja, através das realidades quotidianas da vida conjugal
e familiar: em tal sentido a família cristã é chamada a santificar-se e a
santificar a comunidade cristã e o mundo.
O
matrimônio, sacramento de santificação mútua e ato de culto
56.O
sacramento do matrimônio, que retoma e especifica a graça santificante do batismo, é a fonte própria e o meio original de
santificação para os cônjuges.
Em virtude do mistério da morte e ressurreição de Cristo, dentro do qual se
insere novamente o matrimônio cristão, o amor conjugal é purificado e
santificado: «O Senhor dignou-se sanar, aperfeiçoar e elevar este amor com um
dom especial de graça e caridade»
O
dom de Jesus Cristo não se esgota na celebração do matrimônio, mas acompanha
os cônjuges ao longo de toda a existência. O Concílio Vaticano II recorda-o
explicitamente, quando diz que Jesus Cristo «permanece com eles, para que,
assim como Ele amou a Igreja e se entregou por ela, de igual modo os cônjuges,
dando-se um ao outro, se amem com perpétua fidelidade... Por este motivo, os
esposos cristãos são fortalecidos e como que consagrados em ordem aos deveres
do seu estado por meio de um sacramento especial; cumprindo, graças à energia
deste, a própria missão conjugal e familiar, penetrados do espírito de Cristo
que impregna toda a sua vida de fé, esperança e caridade, avançam sempre mais
na própria perfeição e mútua santificação e cooperam assim juntos para a
glória de Deus».
A
vocação universal à santidade é dirigida também aos cônjuges e aos pais
cristãos: é especificada para eles pela celebração do sacramento e traduzida
concretamente nas realidades próprias da existência conjugal e familiar.
Nascem daqui a graça e a exigência de uma autêntica e profundo
espiritualidade conjugal e familiar, que se inspire nos motivos da criação, da
aliança, da cruz, da ressurreição e do sinal, sobre cujos temas se deteve várias
vezes o Sínodo.
O
matrimônio cristão, como todos os sacramentos que «estão ordenados à
santificação dos homens, à edificação do Corpo de Cristo, e enfim, a
prestar culto a Deus», é em si mesmo um ato litúrgico de louvor a Deus em
Jesus Cristo e na Igreja: celebrando-o, os cônjuges cristãos professam a sua
gratidão a Deus pelo dom sublime que lhes foi dado de poder reviver na sua
existência conjugal e familiar o mesmo amor de Deus pelos homens e de Cristo
pela Igreja sua esposa.
E
como do sacramento derivam para os cônjuges o dom e a obrigação de viver no
quotidiano a santificação recebida, assim do mesmo sacramento dimanam a graça
e o empenho moral de transformar toda a sua vida num contínuo «sacrifício
espiritual». Ainda aos esposos e aos pais cristãos, particularmente para
aquelas realidades terrenas e temporais que os caracterizam, se aplicam as
palavras do Concílio: «E deste modo, os leigos, agindo em toda a parte santamente, como adoradores, consagram a Deus o próprio mundo».
matrimônio
e Eucaristia
57.O
dever de santificação da família tem a sua primeira raiz no batismo e a sua
expressão máxima na Eucaristia, à qual está intimamente ligado o matrimônio
cristão. O Concílio Vaticano II quis chamar a atenção para a relação
especial que existe entre a Eucaristia e o matrimônio pedindo que: «o matrimônio
se celebre usualmente dentro da Missa». Redescobrir e aprofundar tal relação
é absolutamente necessário, se se quiser compreender e viver com uma maior
intensidade as graças e as responsabilidades do matrimônio e da família cristã.
A
Eucaristia é a fonte própria do matrimônio cristão. O sacrifício eucarístico,
de fato, representa a aliança de amor de Cristo com a Igreja, enquanto
sigilada com o sangue da sua Cruz. Neste sacrifício da Nova e Eterna Aliança
é que os cônjuges cristãos encontram a raiz da qual brota, é interiormente
plasmada e continuamente vivificada a sua aliança conjugal. Como representação
do sacrifício de amor de Cristo pela Igreja, a Eucaristia é fonte de caridade.
E no dom eucarístico da caridade a família cristã encontra o fundamento e a
alma da sua «comunhão» e da sua «missão»: o Pão eucarístico faz dos
diversos membros da comunidade familiar um único corpo, revelação e participação
na mais ampla unidade da Igreja; a participação pois ao Corpo «dado» e ao
Sangue «derramado» de Cristo torna-se fonte inesgotável do dinamismo missionário
e apostólico da família cristã.
O
sacramento da conversão e da reconciliação
58.Uma
parte essencial e permanente do dever de santificação da família cristã é o
acolhimento do apelo evangélico de conversão dirigido a todos os cristãos,
que nem sempre permanecem fiéis à «novidade» daquele batismo que os
constituiu «santos». A família cristã também nem sempre é coerente com a
lei da graça e da santidade batismal, proclamada de novo pelo sacramento do matrimônio.
O
arrependimento e o mútuo perdão no seio da família cristã, que se revestem
de tanta importância na vida quotidiana, encontram o seu momento sacramental
específico na Penitência cristã. Aos cônjuges escrevia assim Paulo VI, na
Encíclica
: «Se o pecado os atingir, não desanimem, mas recorram
com humilde perseverança à misericórdia de Deus, que com prodigalidade é
generosamente dada no sacramento da Penitência».
A
celebração deste sacramento dá à vida familiar um significado particular: ao
descobrirem pela fé como o pecado contradiz não só a aliança com Deus, mas
também a aliança dos cônjuges e a comunhão da família, os esposos e todos
os membros da família são conduzidos ao encontro com Deus «rico em misericórdia»,
o qual, alargando o seu amor que é mais forte do que o pecado, reconstrói e
aperfeiçoa a aliança conjugal e a comunhão familiar.
A
oração familiar
59.A
Igreja reza pela família cristã e educa-a a viver em generosa coerência com o
dom e o dever sacerdotal, recebido de Cristo Sumo Sacerdote. Na realidade, o
sacerdócio batismal dos fiéis, vivido no matrimônio, constitui
para os cônjuges e para a família o fundamento de uma vocação e de uma missão
sacerdotal, pela qual a própria existência quotidiana se transforma num «sacrifício
espiritual agradável a Deus por meio de Jesus Cristo»: é o que acontece, não
só com a celebração da Eucaristia e dos outros sacramentos e com a oferenda
de si mesmos à glória de Deus, mas também com a vida de oração, com o diálogo
orante com o Pai por Jesus Cristo no Espírito Santo.
A
oração familiar tem as suas características. É uma oração feita em comum,
marido e mulher juntos, pais e filhos juntos. A comunhão na oração é, ao
mesmo tempo, fruto e exigência daquela comunhão que é dada pelos sacramentos
do batismo e do matrimônio. Aos membros da família cristã podem aplicar-se
de modo particular as palavras com que Cristo promete a sua presença: «Digo-vos
ainda: se dois de vós se unirem, na terra, para pedirem qualquer coisa, obtê-la-ão
de Meu Pai que está nos Céus. Pois onde estiverem reunidos, em Meu nome, dois
ou três, Eu estou no meio deles».
A
oração familiar tem como conteúdo original a própria vida de família, que
em todas as suas diversas fases é interpretada como vocação de Deus e atuada como resposta filial ao Seu apelo: alegrias e dores, esperanças e tristezas,
nascimento e festas de anos, aniversários de núpcias dos pais, partidas, ausências
e regressos, escolhas importantes e decisivas, a morte de pessoas queridas,
etc., assinalam a intervenção do amor de Deus, na história da família, assim
como devem marcar o momento favorável para a ação de graças, para a impetração,
para o abandono confiante da família ao Pai comum que está nos céus. A
dignidade e a responsabilidade da família cristã como Igreja doméstica só
podem pois ser vividas com a ajuda incessante de Deus, que não faltará, se
implorada com humildade e confiança na oração.
Educadores
de oração
60.Em
virtude da sua dignidade e missão, os pais cristãos têm o dever específico
de educar os filhos para a oração, de os introduzir na descoberta progressiva
do mistério de Deus e no colóquio pessoal com Ele: «É sobretudo na família
cristã, ornada da graça e do dever do sacramento do matrimônio, que devem ser
ensinados os filhos desde os primeiros anos, segundo a fé recebida no batismo,
a conhecer e a adorar Deus e amar o próximo».
Elemento
fundamental e insubstituível da educação para a oração é o exemplo
concreto, o testemunho vivo dos pais: só rezando em conjunto com os filhos, o
pai e a mãe, enquanto cumprem o próprio sacerdócio real, entram na
profundidade do coração dos filhos, deixando marcas que os acontecimentos
futuros da vida não conseguirão fazer desaparecer. Tornemos a escutar o apelo
que o Papa Paulo VI dirigiu aos pais: «Mães, ensinais aos vossos filhos as orações
do cristão? Em consonância com os Sacerdotes, preparais os vossos filhos para
os sacramentos da primeira idade: confissão, comunhão, crisma? Habituai-los,
quando enfermos, a pensar em Cristo que sofre? a invocar o auxílio de Nossa
Senhora e dos Santos? Rezais o terço em família? E vós, Pais, sabeis rezar
com os vossos filhos, com toda a comunidade doméstica, pelo menos algumas
vezes? O vosso exemplo, na retidão do pensamento e da ação, sufragada com
alguma oração comum, tem o valor de uma lição de vida, tem o valor de um ato
de culto de mérito particular; levais assim a paz às paredes domésticas:
Pax huic domui!. Recordai: deste modo construís a Igreja!».
Oração
litúrgica e privada
61.Entre
a oração da Igreja e a de cada um dos fiéis há uma profunda e vital relação,
como reafirmou claramente o Concílio Vaticano II.
Ora
uma finalidade importante da oração da Igreja doméstica é a de constituir,
para os filhos, a introdução natural à oração litúrgica própria da Igreja
inteira, no sentido quer de uma preparação para ela, quer de a alargar ao âmbito
da vida pessoal, familiar e social.
Daqui a necessidade de uma participação
progressiva de todos os membros da família cristã na Eucaristia, sobretudo na
dominical e festiva, e nos outros sacramentos, em particular nos da iniciação
cristã dos filhos. As diretivas conciliares abriram uma nova possibilidade à
família cristã, que foi incluída entre os grupos aos quais se recomenda a
celebração comunitária do Ofício divino. Assim também está ao cuidado da
família cristã celebrar, mesmo em casa e de forma adaptada aos seus membros,
os tempos e as festividades do ano litúrgico.
Para
preparar e prolongar em casa o culto celebrado na Igreja, a família cristã
recorre à oração privada, que se apresenta sob uma grande variedade de
formas: esta variedade, enquanto testemunho da riqueza extraordinária com a
qual o Espírito anima a oração cristã, responde às diversas exigências e
situações da vida de quem se volta para o Senhor.
Além das orações da manhã
e da tarde são de aconselhar expressamente - seguindo também indicações dos
Padres Sinodais - a leitura e a meditação da Palavra de Deus, a preparação
para a recepção dos sacramentos, a devoção e consagração ao Coração de
Jesus, as várias formas de culto à Santíssima Virgem, a benção da mesa, as
práticas de piedade popular.
No
respeito pela liberdade dos filhos de Deus, a Igreja propôs e continua a
sugerir aos fiéis algumas práticas de piedade com solicitude e insistência
particulares. Entre estas é de lembrar a recitação do Rosário: «Queremos
agora, em continuidade de pensamento com os nossos Predecessores, recomendar
vivamente a recitação do Santo Rosário em família...
Não há dúvida de que
o Rosário da bem-aventurada Virgem Maria deve ser considerado uma das mais
excelentes e eficazes orações em comum, que a família cristã é convidada a
recitar Dá-nos gosto pensar e desejamos vivamente que, quando o encontro
familiar se transforma em tempo de oração, seja o Rosário a sua expressão freqüente
e preferida», Desta maneira a autêntica devoção mariana, que se
exprime no vínculo sincero e na generosa série das posições espirituais da
Virgem Santíssima, constitui um instrumento privilegiado para alimentar a
comunhão de amor da família e para desenvolver a espiritualidade conjugal e
familiar. Ela, a Mãe de Cristo e da Igreja, é também, de fato, de forma
especial, a Mãe das famílias cristãs, das Igrejas domésticas.
Oração
e vida
62.Nunca
se deverá esquecer que a oração é parte constitutiva essencial da vida cristã,
tomada na sua integralidade e centralidade; mais ainda, pertence à nossa mesma
«humanidade»: é «a primeira expressão da vida interior do homem, a primeira
condição da autêntica liberdade do espírito».
Por
isso, a oração não representa de modo algum uma evasão que desvia do empenho
quotidiano, mas constitui o impulso mais forte para que a família cristã
assuma e cumpra em plenitude todas as suas responsabilidades de célula primeira
e fundamental da sociedade humana. Em tal sentido, a efetiva participação na
vida e na missão da Igreja no mundo é proporcional à fidelidade e à
intensidade da oração com que a família cristã se une à Videira fecunda,
Cristo Senhor.
Da
união vital com Cristo, alimentada pela Liturgia, pelo oferecimento de si e da
oração, deriva também a fecundidade da família cristã no seu serviço específico
de promoção humana, que de per si não pode não levar à transformação do
mundo.
A
família cristã, comunidade ao serviço do homem
O
mandamento novo do amor
63.A
Igreja, povo profético, sacerdotal e real, tem a missão de levar todos os
homens a acolher na fé a Palavra de Deus, a celebrá-la e a professá-la nos
sacramentos e na oração, e, por fim, a manifestá-la na vida concreta segundo
o dom e o mandamento novo do amor.
A
vida cristã encontra a sua lei não num código escrito, mas na ação pessoal
do Espírito Santo que anima e guia o cristão, isto é, na «lei do Espírito
que dá vida em Cristo Jesus»: «o amor de Deus foi derramado em nossos corações
pelo Espírito Santo, que nos foi concedido».
Isto
vale também para o casal e para a família cristã: seu guia e norma é o Espírito
de Jesus, difundido nos corações com a celebração do sacramento do matrimônio.
Em continuidade com o batismo na água e no Espírito, o matrimônio propõe
outra vez a lei evangélica do amor, e, com o dom do Espírito, grava-a mais
profundamente no coração dos cônjuges cristãos: o seu amor, purificado e
salvo, é fruto do Espírito, que age no coração dos crentes e se põe, ao
mesmo tempo, como mandamento fundamental da vida moral pedida à liberdade
responsável deles.
A
família cristã é deste modo animada e guiada pela nova lei do Espírito e em
íntima comunhão com a Igreja, povo real, chamada a viver o seu «serviço» de
amor a Deus e aos irmãos. Como Cristo exerce o seu poder real pondo-se ao serviço
dos homens, assim o cristão encontra o sentido autêntico da sua participação
na realeza do seu Senhor ao condividir com Ele o espírito e a atitude de serviço
no que diz respeito ao homem: «Comunicou (Cristo) este poder aos discípulos,
para que também eles sejam constituídos em régia liberdade e, com a abnegação
de si mesmos e a santidade da vida, vençam em si próprios o reino do pecado (cf. Rm 6,12); mais ainda, para que, servindo a Cristo também nos outros,
conduzam os seus irmãos, com humildade e paciência, àquele Pai, a quem servir
é reinar. Pois o Senhor deseja dilatar também por meio dos leigos o Seu reino,
reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça,
de amor e de paz, no qual a própria criação será liberta da servidão da
corrupção alcançando a liberdade da glória dos filhos de Deus (cf. Rm 8,21)».
Descobrir
em cada irmão a imagem de Deus
64.Animada
e sustentada pelo mandamento novo do amor, a família cristã vive a acolhida, o
respeito, o serviço para com a homem, considerado sempre na sua dignidade de
pessoa e de filho de Deus.
Isto
deve acontecer, antes de tudo, no e para o casal e para a família, mediante o
empenho quotidiano de promover uma autêntica comunidade de pessoas, fundada e
alimentada por uma íntima comunhão de amor. Deve além disso ampliar-se para o
círculo mais universal da comunidade eclesial, dentro da qual a família cristã
está inserida: graças à caridade da família, a Igreja pode e deve assumir
uma dimensão mais doméstica, isto é, mais familiar, adotando um estilo de
relações mais humano e fraterno.
A
caridade ultrapassa os próprios irmãos na fé, porque «todo o homem é meu
irmão»; em cada um, sobretudo se pobre, fraco, sofredor e injustamente
tratado, a caridade sabe descobrir o rosto de Cristo e um irmão a amar e a
servir.
Para
que o serviço ao homem seja vivido pela família segundo o estilo evangélico
será necessário pôr em prática com urgência o que escreve o Concílio
Vaticano II: «Para que este exercício da caridade seja e apareça acima de
toda a suspeita, considere-se no próximo a imagem de Deus, para o qual foi
criado, veja-se nele Cristo, a quem realmente se oferece tudo o que ao indigente
se dá»
A
família cristã, enquanto edifica a Igreja pela caridade, põe-se ao serviço
do homem e do mundo, atuando verdadeiramente a «promoção humana», cujo
conteúdo se encontra sintetizado na Mensagem do Sínodo à família: «É vossa
tarefa formar os homens para o amor e educá-los a agir com amor em todas as
relações humanas, de modo que o amor fique aberto à comunidade inteira,
permeado do sentido de justiça e de respeito para com os demais, cônscio da própria
responsabilidade para com a mesma sociedade».
IV. A PASTORAL FAMILIAR: ETAPAS,
ESTRUTURAS, RESPONSÁVEIS E SITUAÇÕES
i - As
Etapas da Pastoral Familiar
A
Igreja acompanha a família cristã no seu caminho
65.Como
toda a realidade vivente, também a família é chamada a desenvolver-se e a
crescer. Depois da preparação do noivado e da celebração sacramental do
matrimônio, o casal inicia o caminho quotidiano para a progressiva atuação
dos valores e dos deveres do próprio matrimônio.
À luz da fé
e em virtude da esperança, também a família cristã participa, em comunhão
com a Igreja, na experiência de peregrinação na terra para a plena revelação
e realização do Reino de Deus.
Sublinha-se,
portanto, uma vez mais a urgência da intervenção pastoral da Igreja em prol
da família. É preciso empregar todas as forças para que a pastoral da família
se afirme e desenvolva, dedicando-se a um sector verdadeiramente prioritário,
com a certeza de que a evangelização, no futuro, depende em grande parte da
Igreja doméstica.
A solicitude
pastoral da Igreja não se limitará somente às famílias cristãs mais próximas,
mas, alargando os próprios horizontes à medida do coração de Cristo,
mostrar-se-á ainda mais viva para o conjunto das famílias em geral e para
aquelas, em particular, que se encontram em situações difíceis ou
irregulares. Para todas a Igreja terá uma palavra de verdade, de bondade, de
compreensão, de esperança, de participação viva nas suas dificuldades por
vezes dramáticas; a todas oferecerá ajuda desinteressada a fim de que possam
aproximar-se do modelo de família, que o Criador quis desde o «princípio» e
que Cristo renovou com a graça redentora.
A ação
pastoral da Igreja deve ser progressiva, também no sentido de que deve seguir a
família, acompanhando-a passo a passo nas diversas etapas da sua formação e
desenvolvimento.
A
preparação
66.A
preparação dos jovens para o matrimônio e para a vida familiar é necessária
hoje mais do que nunca. Em alguns países são ainda as mesmas famílias que,
segundo costumes antigos, se reservam transmitir aos jovens os valores que dizem
respeito à vida matrimonial e familiar, mediante uma obra progressiva de educação
ou iniciação. Mas as mudanças verificadas no seio de quase todas as
sociedades modernas exigem que não só a família, mas também a sociedade e a
Igreja se empenhem no esforço de preparar adequadamente os jovens para as
responsabilidades do seu futuro. Muitos fenômenos negativos que hoje se
lamentam na vida familiar derivam do fato que, nas situações novas, os jovens
não só perdem de vista a justa hierarquia dos valores, mas, não possuindo
critérios seguros de comportamento, não sabem como enfrentar e resolver as
novas dificuldades. Contudo a experiência ensina que os jovens bem preparados
para vida familiar, em geral, têm mais êxito do que os outros.
Isto vale
mais ainda para o matrimônio cristão, cuja influência repercute na santidade
de tantos homens e mulheres. Por isso a Igreja deve promover melhores e mais
intensos programas de preparação para o matrimônio, a fim de eliminar, o mais
possível, as dificuldades com que se debatem tantos casais, e sobretudo para
favorecer positivamente o aparecimento e o amadurecimento de matrimônios com êxito.
A preparação
para o matrimônio deve ver-se e Atuar-se como um processo gradual e contínuo.
Compreende, de fato, três momentos principais: uma preparação remota, outra
próxima e uma outra imediata.
A preparação
remota tem início desde a infância, naquela sábia pedagogia familiar,
orientada a conduzir as crianças a descobrirem-se a si mesmas como seres
dotados de uma rica e complexa psicologia e de uma personalidade particular com
as forças e fragilidades próprias. É o período em que é infundida a estima
por todo o valor humano autêntico, quer nas relações interpessoais, quer nas
sociais, com tudo o que significa para a formação do caráter, para o domínio
e reto uso das inclinações próprias, para o modo de considerar e encontrar
as pessoas do outro sexo, etc. É pedida, além disso, especialmente aos cristãos,
uma sólida formação espiritual e catequética, que saiba mostrar o matrimônio
como verdadeira vocação e missão sem excluir a possibilidade do dom total de
si a Deus na vocação à vida sacerdotal ou religiosa.
É nesta
base que, em seguida e mais amplamente, se porá o problema da preparação próxima,
que - desde a idade oportuna e com adequada catequese, como em forma de caminho
catecumenal - compreende uma preparação mais específica, quase uma nova
descoberta dos sacramentos.
Esta catequese renovada de todos os que se preparam
para o matrimônio cristão é absolutamente necessária, para que o sacramento
seja celebrado e vivido com retas disposições morais e espirituais. A formação
religiosa dos jovens deverá ser integrada, no momento conveniente e segundo as
várias exigências concretas, numa preparação para a vida a dois que,
apresentando o matrimônio como uma relação interpessoal do homem e da mulher
em contínuo desenvolvimento, estimule a aprofundar os problemas da sexualidade
conjugal e da paternidade responsável, com os conhecimentos médico-biológicos
essenciais que lhe estão anexos, e os leve à familiaridade com métodos
adequados de educação dos filhos, favorecendo a aquisição dos elementos de
base para uma condução ordenada da família (por exemplo, trabalho estável,
disponibilidade financeira suficiente, administração sábia, noções de
economia doméstica).
Por fim não
se deverá omitir a preparação para o apostolado familiar, para a fraternidade
e colaboração com as outras famílias, para a inserção ativa nos grupos,
associações, movimentos e iniciativas que têm por finalidade o bem humano e
cristão da família.
A preparação
imediata para a celebração do sacramento do matrimônio deve ter lugar nos últimos
meses e semanas que precedem as núpcias quase a dar um novo significado, um
novo conteúdo e forma nova ao chamado exame pré matrimonial exigido pelo
direito canônico. Sempre necessária em todos os casos, tal preparação impõe-se
com maior urgência para aqueles noivos que apresentam carências e dificuldades
na doutrina e na prática cristã.
Entre os
elementos a comunicar neste caminho de fé, análogo ao do catecumenato, deve
incluir-se uma profunda consciência do mistério de Cristo e da Igreja, dos
significados de graça e de responsabilidade do matrimônio cristão, assim como
a preparação para tomar parte ativa e consciente nos ritos da liturgia
nupcial.
Nas diversas
fases de preparação para o matrimônio - que delineamos somente em grandes
traços indicativos - devem sentir-se empenhadas a família cristã e toda a
comunidade eclesial. É desejável que as Conferências episcopais, interessadas
em iniciativas oportunas para ajudar os futuros esposos a serem mais conscientes
da seriedade da sua escolha e os pastores a certificarem-se das suas
convenientes disposições, publiquem um Diretório para a pastoral da família.
Nele deverão estabelecer, antes de tudo, os elementos mínimos de conteúdo, de
duração e de métodos dos «Cursos de preparação», equilibrando os diversos
aspectos - doutrinais, pedagógicos, legais e médicos - e estudando-os de modo
que quantos se preparam para o matrimônio, para além de um aprofundamento
intelectual, se sintam estimulados a inserirem-se vitalmente na comunidade
eclesial.
Muito embora
o caráter de necessidade e de obrigatoriedade da preparação imediata não
seja de menosprezar - o que aconteceria se se concedesse facilmente a dispensa -
todavia, tal preparação deve ser sempre proposta e atuada de modo que a sua
eventual omissão não seja impedimento à celebração do matrimônio.
A
celebração
67.O
matrimônio cristão exige, por norma, uma celebração litúrgica que exprima
de forma social e comunitária a natureza essencialmente eclesial sacramental do
pacto conjugal entre os batizados.
Enquanto
gesto sacramental de santificação, a celebração do matrimônio - inserida
na liturgia, cume de toda a ação da Igreja e fonte da sua força
santificadora deve ser por si válida, digna e frutuosa. Abre-se aqui um campo
vasto à solicitude pastoral a fim de que sejam plenamente cumpridas as exigências
derivantes da natureza do pacto conjugal elevado a sacramento, e seja de igual
modo fielmente observada a disciplina da Igreja sobre a liberdade do
consentimento, os impedimentos, a forma canônica e o próprio rito da celebração.
Este último deve ser simples e digno, de acordo com os princípios das
competentes autoridades da Igreja, às quais também incumbe - segundo as
circunstancias concretas de tempo e de lugar e em conformidade com as normas
emanadas da Sé Apostólica - assumir eventualmente na celebração litúrgica
elementos próprios de uma determinada cultura, que exprimam de forma mais
adequada o profundo significado humano e religioso do pacto conjugal, desde que
nada contenham de menos condizente com a fé e a moral cristãs.
Enquanto
sinal, a celebração litúrgica deve desenvolver-se de maneira a constituir,
mesmo no seu aspecto exterior, uma proclamação da Palavra de Deus e uma
profissão de fé da comunidade dos crentes. O empenhamento pastoral terá aqui
a sua expressão no diligente cuidado da preparação da «Liturgia da Palavra»
e na educação para a fé dos que assistem à celebração e, em primeiro
lugar, dos nubentes.
Enquanto
gesto sacramental da Igreja, a celebração litúrgica do matrimônio deve
envolver a comunidade cristã, com uma participação plena, ativa e responsável
de todos os presentes, de acordo com a posição e a função de cada um: os
esposos, o sacerdote, as testemunhas, os parentes, os amigos, os demais fiéis:
todos os membros de uma assembléia que manifesta e vive o mistério de Cristo e
da sua Igreja.
Para a
celebração do matrimônio cristão no âmbito de culturas ou tradições
ancestrais, sigam-se os princípios já acima enunciados.
Celebração
do matrimônio e evangelização dos batizados não crentes
68.Exatamente
porque na celebração do sacramento se presta uma atenção muito especial às
disposições morais e espirituais dos nubentes, em particular à sua fé,
enfrentamos aqui uma dificuldade não rara, que podem encontrar os pastores da
Igreja no contexto da nossa sociedade secularizada.
Com efeito,
a fé de quem pede casar-se pela Igreja pode existir em graus diversos e é
dever primário dos pastores fazê-la descobrir de novo, nutri-la e torná-la
madura. Devem, além disso, compreender as razões que levam a Igreja a admitir
à celebração do matrimônio mesmo aqueles que estão imperfeitamente
dispostos.
O matrimônio
tem de específico o ser sacramento de uma realidade que já existe na economia
da criação: o mesmo pacto conjugal instituído pelo Criador «desde o princípio».
A decisão do homem e da mulher de se casarem segundo este projeto divino, a
decisão de empenharem no seu irrevogável consenso conjugal toda a vida num
amor indissolúvel e numa fidelidade incondicional, implica realmente, mesmo se
não em modo plenamente consciente, uma disposição de profunda obediência à
vontade de Deus, que não pode acontecer sem a graça. Portanto inserem-se já
num verdadeiro e próprio caminho de salvação, que a celebração do
sacramento e a sua imediata preparação podem completar e levar a termo, dada a
retidão da intenção deles.
É verdade,
contudo, que, em alguns territórios, motivos de caráter mais social que
autenticamente religioso, induzem os noivos a casarem-se na igreja. Não admira.
O matrimônio, na verdade, não é um acontecimento que diz respeito só a quem
se casa. Por sua própria natureza é também um fato social, que compromete os
esposos ante a sociedade. Desde sempre a sua celebração se faz com festa, que
une as famílias e os amigos. É normal, portanto, que entrem motivos sociais,
juntamente com os pessoais, na petição do casamento na igreja.
Todavia, não
se deve esquecer que estes noivos, pela força do seu batismo, estão já
realmente inseridos na Aliança nupcial de Cristo com a Igreja e que, pela sua
reta intenção, acolheram o projeto de Deus sobre o matrimônio, e, portanto,
ao menos implicitamente, querem aquilo que a Igreja faz quando celebra o
matrimônio.
Portanto, o mero fato de neste pedido entrarem motivos de caráter social, não
justifica uma eventual recusa da celebração do matrimônio pelos pastores. De
resto, como ensinou o Concílio Vaticano II, os sacramentos com as palavras e os
elementos rituais nutrem e robustecem a fé:168 aquela fé para a qual os noivos
já estão encaminhados pela força da retidão da sua intenção, que a graça
de Cristo não deixa certamente de favorecer e de sustentar.
Querer
estabelecer critérios ulteriores de admissão à celebração eclesial do
matrimônio, que deveriam considerar o grau de fé dos nubentes, compreende, além
do mais, riscos graves. Antes de tudo, o de pronunciar juízos infundados e
discriminatórios; depois, o risco de levantar dúvidas sobre a validade de
matrimônios já celebrados, com dano grave para as comunidades cristãs, e de
novas inquietações injustificadas para a consciência dos esposos; cair-se-ia
no perigo de contestar ou de pôr em dúvida a sacramentalidade de muitos
matrimônios
de irmãos separados da comunhão plena com a Igreja Católica, contradizendo
assim a tradição eclesial.
Quando, pelo
contrário, não obstante todas as tentativas feitas, os nubentes mostram
recusar de modo explícito e formal o que a Igreja quer fazer ao celebrar o
matrimônio dos batizados, o pastor não os pode admitir à celebração. Mesmo
se constrangido, ele tem o dever de avaliar a situação e fazer compreender aos
interessados que, estando assim as coisas, não é a Igreja, mas eles mesmos a
impedirem a celebração que não obstante pedem.
Mais urna
vez se manifesta com toda a urgência a necessidade de uma evangelização e
catequese pré e pós matrimoniais, feitas por toda a comunidade cristã, para
que cada homem e cada mulher que se casam, o possam fazer de modo a celebrarem o
sacramento do matrimônio não só válida mas também frutuosamente.
Pastoral
pós-matrimonial
69. O
cuidado pastoral da família regularmente constituída significa, em concreto, o
empenho de todos os membros da comunidade eclesial local em ajudar a casal a
descobrir e a viver a sua nova vocação e missão. Para que a família se
transforme mais numa verdadeira comunidade de amor, é necessário que todos os
membros sejam ajudados e formados para as responsabilidades próprias diante dos
novos problemas que se apresentam, para o serviço recíproco, para a
comparticipação ativa na vida da família.
Isto vale
sobretudo para as famílias jovens, as quais, encontrando-se num contexto de
novos valores e de novas responsabilidades, estão mais expostas, especialmente
nos primeiros anos de matrimônio, a eventuais dificuldades, como as criadas
pela adaptação à vida em comum ou pelo nascimento dos filhos. Os jovens cônjuges
saibam acolher cordialmente e inteligentemente valorizar a ajuda discreta,
delicada e generosa de outros casais, que já de há tempo fazem a mesma experiência
do matrimônio e da família.
Assim, no seio da comunidade eclesial - grande família
formada pelas famílias cristãs - realizar-se-á um intercambio mútuo de
presença e ajuda entre todas as famílias, cada uma pondo ao serviço das
outras a própria experiência humana, como também os dons da fé e da graça.
Animada de verdadeiro espírito apostólico, esta ajuda de família a família
constituirá um dos modos mais simples, mais eficazes e ao alcance de todos para
transfundir capilarmente os valores cristãos, que são o ponto de partida e de
chegada do trabalho pastoral. Deste modo as famílias jovens não se limitarão
só a receber, mas por sua vez, assim ajudadas, tornar-se-ão fonte de
enriquecimento para outras famílias, há tempo constituídas, com o seu
testemunho de vida e o seu contributo de fato.
Na ação
pastoral para com as famílias jovens, a Igreja deverá prestar uma atenção
específica para as educar a viver responsavelmente o amor conjugal em relação
com as exigências de comunhão e de serviço à vida, como também a conciliar
a intimidade da vida de casa com a obra comum e generosa de edificar a Igreja e
a sociedade humana. Quando, com a vinda dos filhos, o casal se torna em sentido
pleno e específico uma família, a Igreja estará ainda próxima dos pais para
que os acolham e os amem à luz do dom recebido do Senhor da vida, assumindo com
alegria a fadiga de os servir no seu crescimento humano e cristão.
II -
Estruturas da Pastoral Familiar
A ação
pastoral é sempre expressão dinâmica da realidade da Igreja, empenhada na missão
de salvação. Também a pastoral familiar - forma particular e específica da
pastoral - tem como seu principio operativo e como protagonista responsável a
mesma Igreja, através das suas estruturas e dos seus responsáveis.
A
comunidade eclesial e a paróquia em particular
70.Sendo
ao mesmo tempo comunidade salva e salvadora, a Igreja deve considerar-se aqui na
sua dupla dimensão universal e particular: esta exprime-se e Atua-se na
comunidade diocesana, pastoralmente dividida em comunidades menores entre as
quais se distingue, pela sua importância peculiar, a paróquia.
A comunhão
com a Igreja universal não mortifica, mas garante e promove a consistência e
originalidade das diversas Igrejas particulares; estas últimas são o sujeito
operativo mais imediato e mais eficaz para a atuação da pastoral familiar. Em
tal sentido cada Igreja local e, em termos mais particularizados, cada
comunidade paroquial, deve ter consciência mais viva da graça e da
responsabilidade que recebe do Senhor em ordem a promover a pastoral da família.
Nenhum plano de pastoral orgânica, a qualquer nível que seja, pode prescindir
da pastoral da família.
À luz de
tal responsabilidade deve compreender-se também a importância de uma adequada
preparação da parte de quantos estarão mais especificamente empenhados neste
gênero de apostolado. Os sacerdotes, os religiosos e as religiosas, desde o
tempo de formação, sejam orientados e formados de maneira progressiva e
adequada para os respectivos deveres. Entre outras iniciativas alegro-me de
poder sublinhar a recente criação em Roma, na Pontifícia Universidade
Lateranense, de um Instituto Superior consagrado ao estudo dos problemas da família.
Já em algumas dioceses foram fundados Institutos deste gênero: Os bispos
empenhem-se para que o maior número possível de sacerdotes, antes de assumirem
responsabilidades paroquiais, freqüente cursos especializados.
Noutras partes
realizam-se periodicamente cursos de formação em Institutos Superiores de
estudos Teológicos e Pastorais. Tais iniciativas são de encorajar, sustentar,
multiplicar e abrir obviamente também aos leigos que desempenharão o seu
trabalho profissional (médico, legal, psicológico, social e educativo) de
ajuda à família.
A família
71.Mas
deve sobretudo reconhecer-se o lugar especial que, neste campo, compete à missão
dos cônjuges e das famílias cristãs, em virtude da graça recebida no
sacramento. Tal missão deve ser posta ao serviço da edificação da Igreja, da
construção do Reino de Deus na história. Isto é pedido como ato de obediência
dócil a Cristo Senhor Com efeito, Ele, pela força do matrimônio dos
batizados elevado a sacramento, confere aos esposos cristãos uma missão
peculiar de apóstolos, enviando-os como operários para a sua vinha, e, de
forma muito particular, para este campo da família.
Na sua
atividade eles agem em comunhão e colaboração com os outros membros da
Igreja, que também trabalham para a família, pondo a render os seus dons e
ministérios. Tal apostolado desenvolver-se-á antes de tudo no seio da própria
família, com o testemunho da vida vivida em conformidade com a lei divina em
todos os aspectos, com a formação cristã dos filhos, com a ajuda dada ao seu
amadurecimento na fé, com a educação à castidade, com a preparação para a
vida, com a vigilância para os preservar dos perigos ideológicos e morais de
que são muitas vezes ameaçados, com a sua gradual e responsável inserção na
comunidade eclesial e na civil, com a assistência e o conselho na escolha da
vocação, com a mútua ajuda entre os membros da família para um comum
crescimento humano e cristão, e assim por diante.
O apostolado da família
irradiar-se-á com obras de caridade espiritual e material para com as outras
famílias, especialmente aquelas mais necessitadas de ajuda e de amparo, para
com os pobres, os doentes, os mais velhos, os deficientes, os órfãos, as viúvas,
os cônjuges abandonados, as mães solteiras e aquelas que em situações difíceis
são tentadas a desfazerem-se do fruto do seu seio, etc.
As
associações de famílias ao serviço das famílias
72.Sempre
no âmbito da Igreja, responsável pela pastoral familiar, são para lembrar as
diversas associações de fiéis, nas quais se manifesta e se vive de algum modo
o mistério da Igreja de Cristo. Devem, portanto reconhecer-se e valorizar-se -
cada uma em relação às características, finalidades, influxo e métodos próprios
- as diversas comunidades eclesiais, os vários grupos, e os numerosos
movimentos empenhados de modo vário, a diversos títulos e a diversos níveis,
na pastoral familiar.
Por este
motivo o Sínodo reconheceu expressamente a utilidade de tais associações de
espiritualidade, de formação e de apostolado. Será seu dever suscitar nos fiéis
um vivo sentido de solidariedade, favorecer uma conduta de vida inspirada no
Evangelho e na fé da Igreja, formar as consciências segundo os valores cristãos
e não de acordo com os parâmetros da opinião pública, estimular para as obras
de caridade mútua e para com os outros com um espírito de abertura, que faça
das famílias cristãs uma verdadeira fonte de luz e um fermento sadio para as
demais.
Igualmente
é desejável que, com um sentido vivo do bem comum, as famílias cristãs se
empenhem ativamente a todos os níveis, mesmo com outras associações não
eclesiais. Algumas destas associações visam a preservação, transmissão e
tutela dos sãos valores éticos e culturais de cada povo, o desenvolvimento da
pessoa humana, a proteção médica, jurídica e social da maternidade e da
infância, a justa promoção da mulher e a luta contra o que calca a sua
dignidade, o incremento da solidariedade mútua, o conhecimento dos problemas
conexos com a regulação responsável da fecundidade segundo os métodos
naturais conformes à dignidade humana e à doutrina da Igreja.
Outras têm em
vista a construção de um mundo mais justo e mais humano, a promoção de leis
justas que favoreçam a reta ordem social no respeito pleno da dignidade e da
legítima liberdade do indivíduo e da família, a nível nacional ou
internacional, a colaboração com a escola e com as outras instituições que
completam a educação dos filhos, e assim sucessivamente.
III - Os
Responsáveis da Pastoral Familiar
Para além
da família - objeto, mas sobretudo ela mesma sujeito da pastoral familiar -
devem recordar-se também, os outros principais responsáveis neste sector
particular.
Bispos
e presbíteros
73.O
primeiro responsável da pastoral familiar na diocese é o bispo. Como Pai e
Pastor, ele deve estar atento de um modo particular a este sector da pastoral,
sem dúvida prioritário. Deve consagrar-lhe uma grande dedicação, solicitude,
tempo, pessoal, recursos; sobretudo, porém, apoio pessoal às famílias e a
quantos, nas diversas estruturas diocesanas, o ajudam na pastoral da família.
Empenhar-se-á particularmente no propósito de fazer com que a sua diocese se
torne sempre mais uma verdadeira «família diocesana» modelo e fonte de
esperança para tantas famílias que a integram. A criação do Conselho Pontifício
para a Família está neste contexto: sinal da importância que atribuo à
pastoral da família no mundo, e ao mesmo tempo instrumento eficaz de ajuda à
sua promoção em todos os níveis.
Os bispos são
auxiliados de modo particular pelos presbíteros, cuja missão - como
expressamente sublinhou o Sínodo - integra essencialmente o ministério da
Igreja para com o matrimônio e a família. O mesmo se diga dos diáconos, aos
quais eventualmente venha a ser confiado este sector da pastoral.
A sua
responsabilidade estende-se não só aos problemas morais e litúrgicos, mas
também aos pessoais e sociais. Devem sustentar a família nas suas dificuldades
e sofrimentos, pondo-se ao lado dos seus membros, ajudando-os a ver a vida à
luz do Evangelho. Não é supérfluo notar que, se tal missão for exercida com
o devido discernimento e com um verdadeiro espírito apostólico, o ministro da
Igreja recebe novos estímulos e energias espirituais mesmo para a própria vocação
e para o exercício do seu ministério.
Oportuna e
seriamente preparados para tal apostolado, o sacerdote ou o diácono devem
portar-se constantemente, em relação às famílias, como pai, irmão, pastor e
mestre, ajudando-as com os dons da graça e iluminando-as com a luz da verdade.
O seu ensinamento e os seus conselhos, portanto, deverão estar sempre em plena
consonância com o Magistério autêntico da Igreja, de modo a ajudar o Povo de
Deus a formar-se um reto sentido da fé a aplicar à vida concreta. Tal
fidelidade ao Magistério permitirá também aos sacerdotes procurar
empenhadamente a unidade nos seus juízos, para evitarem ansiedades na consciência
dos fiéis.
Pastores e
leigos participam, na Igreja, da missão profética de Cristo: os leigos,
testemunhando a fé com palavras e com a vida cristã; os pastores, discernindo
em tal testemunho o que é expressão da fé genuína e o que não corresponde
originalmente à luz da mesma fé; a família, enquanto comunidade cristã, com
a sua participação peculiar e testemunho de fé. Pode estabelecer-se assim um
diálogo entre os pastores e as famílias. Os teólogos e os peritos em
problemas familiares podem ajudar muito a tal diálogo, explicando com exatidão
o conteúdo do Magistério da Igreja e o da experiência da vida em família.
Desta maneira a ensinamento do Magistério será melhor compreendido e será
aplanada a estrada para o seu progressivo desenvolvimento.
Convém contudo
recordar que a norma próxima e obrigatória na doutrina da fé - mesmo sobre os
problemas da família - compete ao Magistério hierárquico. A clareza de relações
entre teólogos, peritos de problemas familiares e o Magistério ajudam muito a
uma reta inteligência da fé e à promoção - dentro dos seus próprios
limites - do legítimo pluralismo.
Religiosos
e religiosas
74.O
contributo que os religiosos e as religiosas, e as almas consagradas em geral,
podem dar ao apostolado da família encontra a primeira, fundamental e original
expressão exatamente na consagração a Deus que os torna «diante de todos os
fiéis... chamada daquele admirável conúbio realizado por Deus e que se
manifestará plenamente no século futuro, pelo que a Igreja tem Cristo como único
esposo», e testemunhas daquela caridade universal que por meio da castidade
abraçada pelo Reino dos céus, os torna sempre mais disponíveis para se
dedicarem generosamente ao serviço divino e às obras do apostolado.
Daqui a
possibilidade de que os religiosos e as religiosas, membros de Institutos
seculares e de outros Institutos de perfeição, singularmente ou associados,
desenvolvam um serviço seu às famílias, com solicitude particular para com as
crianças, especialmente se abandonadas, indesejadas, órfãs, pobres ou
deficientes; visitando as famílias e tendo em atenção especial os doentes;
cultivando relações de respeito e de caridade com as famílias incompletas, em
dificuldade ou desagregadas; oferecendo o próprio trabalho de ensino e de
consulta para a preparação dos jovens ao matrimônio e para a ajuda aos casais
em relação a uma procriação verdadeiramente responsável; abrindo as próprias
casas à hospitalidade simples e cordial, a fim de que as famílias possam
encontrar lá o sentido de Deus, o gosto da oração e do recolhimento, o
exemplo concreto de uma vida vivida em caridade e alegria fraterna como membros
de uma família maior que é a de Deus.
Desejo
acrescentar uma exortação mais solícita aos responsáveis dos Institutos de
vida consagrada, para que queiram considerar - sempre no respeito substancial
pelo seu carisma original e próprio - o apostolado ao serviço das famílias
como um dos deveres prioritários, tornado mais urgente pelo estado hodierno das
coisas.
Leigos
especializados
75.Podem
prestar grande ajuda às famílias os leigos especializados (médicos, juristas,
psicólogos, assistentes sociais, consulentes, etc....) quer individualmente
quer empenhados em diversas associações e iniciativas, com trabalho de
esclarecimento, de conselho, de orientação, de apoio. A eles bem podem
aplicar-se as exortações que tive ocasião de dirigir à Conferência dos
consulentes familiares de inspiração cristã: «A vossa tarefa bem merece o
qualificativo de missão, tão nobres são as finalidades que visa e tão
determinantes, para o bem da sociedade e da mesma comunidade cristã, os
resultados que dela derivam... Tudo o que conseguirdes fazer em favor da família
é destinado a ter uma eficácia que, ultrapassando o âmbito próprio, chegará
também a outras pessoas e influirá sobre a sociedade. O futuro do mundo e da
Igreja passa através da família».
Usuários
e operadores da comunicação social
76.Deve
reservar-se uma palavra para esta categoria tão importante na vida moderna. É
mais que sabido que os instrumentos de comunicação social «influem, e muitas
vezes profundamente, quer sob o aspecto afetivo e intelectual, quer sob o
aspecto moral e religioso, no animo de quantos os usam», especialmente se
jovens. Podem ter um influxo benéfico sobre a vida e sobre os costumes da família
e sobre a educação dos filhos, mas escondem também «insídias e perigos
consideráveis», e poder-se-ão tornar veículo - às vezes hábil e
sistematicamente manobrado como infelizmente acontece em vários países do
mundo - de ideologias desagregadoras e de visões deformadas da vida, da família,
da religião, da moralidade, não respeitosas da verdadeira dignidade e do
destino do homem.
Perigo tanto
mais real, enquanto «o modo hodierno de viver - principalmente nas nações
mais industrializadas - leva bastantes vezes as famílias a descarregarem-se das
suas responsabilidades educativas, encontrando na facilidade de evasão
(representada, em casa, especialmente pela televisão e por certas publicações)
o meio de terem ocupado o tempo e as atividades das crianças e dos jovens».
Daqui «o dever ... de proteger especialmente as crianças e os jovens das
agressões que sofrem por parte dos mass-media», procurando usá-los
em família de modo cuidadosamente regrado. Assim também deveria preocupar a
família encontrar para os seus filhos outros divertimentos mais sadios, mais úteis
e formativos física, moral e espiritualmente, «para potenciar e valorizar o
tempo livre dos jovens e encaminhar-lhes as energias».
Já que os
instrumentos de comunicação social - ao mesmo tempo que a escola e o ambiente
- influem muitas vezes notavelmente na formação dos filhos, os pais, enquanto
usuários, devem constituir-se parte ativa no seu uso moderado, crítico,
vigilante e prudente, individuando qual a repercussão tida nos filhos, e
exercendo mediação orientadora «de educar a consciência dos filhos a
exprimir juízos serenos e objetivos, que depois a guiem na escolha e na rejeição
dos programas propostos».
Com idêntico
interesse, os pais procurarão influir na escolha e na preparação dos
programas, mantendo-se - com iniciativas oportunas - em contacto com os responsáveis
dos vários momentos da produção e da transmissão para se assegurarem que não
serão abusivamente postos de lado ou expressamente conculcados aqueles valores
humanos fundamentais que fazem parte do verdadeiro bem comum da sociedade, mas,
pelo contrário, sejam difundidos programas aptos a apresentar, na sua
verdadeira óptica, os problemas da família e a sua adequada solução.
A tal
propósito o meu predecessor de veneranda memória, Paulo VI, escrevia: «Os
produtores devem conhecer e respeitar as exigências da família, o que supõe,
por vezes, uma grande coragem e sempre um alto sentido de responsabilidade. Com
efeito, devem evitar tudo o que possa lesar a família na sua existência, na
sua estabilidade, no seu equilíbrio, na sua felicidade. A ofensa aos valores
fundamentais da família - trate-se de erotismo ou de violência, de apologia do
divórcio ou de atitudes anti-sociais dos jovens - é uma ofensa ao bem
verdadeiro do homem».
E eu mesmo,
em ocasião análoga fazia notar que as famílias «devem poder contar não
pouco com a boa vontade, retidão e sentido de responsabilidade dos
profissionais dos media: editores, escritores, produtores, diretores,
dramaturgos, informadores, comentadores e atores». Por isso, é imperioso que
também a Igreja continue a dedicar toda a atenção a estas categorias de responsáveis, encorajando e sustentando, ao mesmo tempo, aqueles católicos que se
sentem chamados e que tem dotes, a um empenhamento neste sector tão delicado.
IV - A
Pastoral Familiar nos Casos Difíceis
Circunstâncias
particulares
77.Um
empenho pastoral ainda mais generoso, inteligente e prudente, na linha do
exemplo do Bom Pastor, é pedido para aquelas famílias que - muitas vezes
independentemente da própria vontade ou pressionadas por outras exigências de
natureza diversa - se encontram em situações objetivamente difíceis.
A este propósito
é necessário voltar especialmente a atenção para algumas categorias
particulares, mais necessitadas não só de assistência, mas de uma ação
mais incisiva sobre a opinião pública e sobretudo sobre as estruturas
culturais, econômicas e jurídicas, a fim de se poderem eliminar ao máximo as
causas profundas do seu mal-estar.
Tais são,
por exemplo, as famílias dos emigrantes por motivos de trabalho; as famílias
de quantos são obrigados a ausências longas, como, por exemplo, os militares,
os marinheiros, os itinerantes de todo o tipo; as famílias dos presos, dos prófugos
e dos exilados; as famílias que vivem praticamente marginalizadas nas grandes
cidades; aquelas que não têm casa, as incompletas ou «monoparentais»; as famílias
com filhos deficientes ou drogados; as famílias dos alcoólatras; as
desenraizadas do seu ambiente social e cultural ou em risco de perdê-lo; as
discriminadas por motivos políticos ou por outras razões; as famílias
ideologicamente divididas; as que dificilmente conseguem ter um contacto com a
paróquia; as que sofrem violência ou tratamentos injustos por causa da própria
fé; as que se compõem de cônjuges menores; os anciãos, não raramente forçados
a viver na solidão e sem meios adequados de subsistência.
As famílias
dos emigrantes, tratando-se especialmente de operários e de agricultores devem
encontrar em toda a parte, na Igreja, a sua pátria. É este um dever conatural
à Igreja, sendo como é sinal de unidade na diversidade. Na medida do possível
sejam assistidos pelos sacerdotes do seu próprio rito, cultura e idioma. Diz
respeito também à Igreja apelar à consciência pública e a quantos exercem a
autoridade sobre a vida social, econômica e política, para que os operários
encontrem trabalho na sua região e pátria. sejam retribuídos com um salário
justo, as famílias se voltem a unir o mais depressa possível, sejam
consideradas na sua identidade cultural, tratadas como as outras e aos seus
filhos sejam dadas oportunidades de formação profissional e de exercício da
profissão, como também da posse da terra necessária para trabalhar e viver.
Um problema
difícil é o das famílias ideologicamente divididas. Nestes casos há
necessidade de um particular cuidado pastoral. Antes de tudo é preciso, com
discrição, manter um contacto pessoal com tais famílias. Os crentes devem ser
fortificados na fé e sustentados na vida cristã. Embora a parte fiel ao
catolicismo não possa ceder, é preciso manter sempre vivo o diálogo com a
outra parte. Devem ser multiplicadas as manifestações de amor e de respeito,
na esperança firme de manter intocável a unidade.
Depende muito também das
relações entre pais e filhos. As ideologias estranhas à fé poderão
estimular os membros crentes da família a crescer na fé e no testemunho de
amor. Outros momentos difíceis em que a família tem necessidade de ajuda da
comunidade eclesial e dos seus pastores, podem ser: a irrequieta adolescência
contestadora e às vezes tumultuosa dos filhos; o seu matrimônio, que os separa
da família de origem; a incompreensão ou a falta de amor da parte das pessoas
mais queridas; o abandono do cônjuge ou a sua perda, que faz começar a experiência
dolorosa da viuvez, a morte de um familiar, que mutila e transforma em
profundidade o núcleo originário da família.
Igualmente não
pode ser transcurado pela Igreja o momento da velhice, com todos os seus conteúdos
positivos e negativos: de possível aprofundamento do amor conjugal sempre mais
purificado e enobrecido pela longa e sempre contínua fidelidade; de
disponibilidade a pôr ao serviço dos outros, em forma nova, a bondade e a
sabedoria acumuladas e as energias que permanecem; de dura solidão, mais
freqüentemente psicológica e afetiva que física, por um abandono eventual ou
por uma atenção insuficiente dos filhos e dos parentes; de sofrimento pela
doença, pelo progressivo declínio das forças, pela humilhação de ter que
depender de outros, pela amargura de se sentir talvez um peso para os seus próprios
entes queridos, pelo aproximar-se o fim da vida. São estas as ocasiões em que
- como insinuaram os Padres Sinodais - mais facilmente se compreendem e vivem
aqueles elevados aspectos da espiritualidade matrimonial e familiar, que se
inspiram no valor da Cruz e ressurreição de Cristo, fonte de santificação e
de profunda alegria na vida quotidiana, à luz das grandes realidades escatológicas
da vida eterna.
Em todas
estas variadas situações nunca se descuide a oração, fonte de luz, de força
e alimento da esperança cristã.
Matrimônios
mistos
78.O número
crescente dos matrimônios entre católicos e outros batizados exige uma
peculiar atenção pastoral à luz das orientações e das normas, contidas nos
mais recentes documentos da Santa Sé e das Conferências episcopais, para uma
aplicação concreta às diversas situações.
Os casais
que vivem em matrimônio misto apresentam exigências peculiares, que se podem
reduzir a três aspectos fundamentais.
Antes de
tudo, considerem-se as obrigações da parte católica derivantes da fé, no que
concernem ao seu livre exercício e a conseqüente obrigação de providenciar,
segundo as próprias forças, ao batismo e à educação dos filhos na fé católica.
É necessário
ter presente as particulares dificuldades inerentes às relações entre marido
e mulher no que diz respeito à liberdade religiosa: esta pode ser violada seja
por pressões indevidas para obter a mudança de convicções religiosas do ou
da consorte, seja por impedimentos postos à sua livre manifestação na prática
religiosa.
No que diz
respeito à forma litúrgica e canônica do matrimônio, os Ordinários podem
usar amplamente das suas faculdades para as várias necessidades.
No
tratamento destas exigências especiais é preciso ter em conta os pontos
seguintes:
na
preparação própria para este tipo de matrimônio, deve ser feito um esforço
razoável para proporcionar um bom conhecimento da doutrina católica sobre
as qualidades e exigências do matrimônio, como também para se certificar
de que no futuro não se verifiquem as pressões e os obstáculos, de que até
agora se tem tratado;
uma
importância que, com o apoio da comunidade, a parte católica seja
fortificada na fé e ajudada positivamente a amadurecer na sua compreensão
e na sua prática, de modo a tornar-se testemunha autêntica no seio da família,
mediante a vida e a qualidade de amor demonstrado ao cônjuge e aos filhos.
Os matrimônios entre católicos e
outros batizados, na sua fisionomia particular, apresentam numerosos elementos
que convêm valorizar e desenvolver, quer pelo seu valor intrínseco, quer pela
ajuda que podem dar ao movimento ecumênico. Isto é verdade de um modo
particular quando os dois cônjuges são fiéis aos seus deveres religiosos. O
batismo comum e o dinamismo da graça fornecem aos esposos, nestes matrimônios,
a base e a motivação para exprimir a sua unidade na esfera dos valores morais
e espirituais.
Para
tal fim, e mesmo para pôr em evidência a importância ecumênica de um tal
matrimônio misto, vivido plenamente na fé pelos dois cônjuges cristãos,
procure-se - mesmo que nem sempre seja fácil - uma colaboração cordial entre
o ministro católico e o não católico, desde o momento da preparação para o
matrimônio e para as núpcias.
Quanto
à participação do cônjuge não católico na comunhão eucarística, sigam-se
as normas emanadas do Secretariado para a união dos cristãos.
Em
várias partes do mundo nota-se, hoje, um crescente número de matrimônios
entre católicos e não batizados. Em muitos casos o cônjuge não batizado
professa uma outra religião e as suas convicções devem ser tratadas com
respeito, segundo os princípios da Declaração Nostra Aetate do Concílio
Ecumênico
Vaticano II sobre as relações com as religiões não cristãs; mas em muitos
outros, particularmente nas sociedades secularizadas, a pessoa não batizada não
professa religião alguma. Para estes matrimônios é necessário que as Conferências
episcopais e cada bispo tomem medidas pastorais adequadas, a fim de garantir a
defesa da fé do cônjuge católico e o seu livre exercício, principalmente no
que se refere ao dever de fazer quanto estiver ao seu alcance para que os filhos
sejam batizados e educados catolicamente. O cônjuge católico deve ser, além
disso, apoiado em todos os modos no empenhamento de oferecer à própria família
um genuíno testemunho de fé e de vida católica.
Ação
pastoral perante algumas situações irregulares
79.Na
sua solicitude pela tutela da família em todas as suas dimensões, não somente
na dimensão religiosa, o Sínodo dos Bispos não deixou de prestar atenta
consideração a algumas situações irregulares, religiosa e muitas vezes também
civilmente, que - nas rápidas mudanças culturais hodiernas - se vão
infelizmente difundindo mesmo entre os católicos, com não pequeno dano do
instituto familiar e da sociedade, de que constitui a célula fundamental.
O
matrimônio à experiência
80.Uma
primeira situação irregular é dada pelo que se chama «matrimônio à experiência»,
que hoje muitos querem justificar, atribuindo-lhe um certo valor. A razão
humana insinua já a sua não aceitação, mostrando quanto seja pouco
convincente que se faça uma «experiência» em relação a pessoas humanas,
cuja dignidade exige que sejam elas só e sempre, o termo do amor de doação
sem limite algum nem de tempo nem de qualquer outra circunstância.
Por
sua parte, a Igreja não pode admitir um tal tipo de união por ulteriores
motivos, originais, derivantes da fé. Por um lado, com efeito, o dom do corpo
na relação sexual é símbolo real da doação de toda a pessoa: uma doação
tal que, além do mais, na atual economia da salvação não pode Atuar-se com
verdade plena sem o concurso do amor de caridade, dado por Cristo. Por outro
lado, o matrimônio entre duas pessoas batizadas é o símbolo real da união
de Cristo com a Igreja, uma união não temporária ou «à experiência», mas
eternamente fiel; entre dois batizados, portanto, não pode existir senão um
matrimônio indissolúvel.
Ordinariamente
tal situação não poder ser superada se a pessoa humana, desde a infância, com
a ajuda da graça de Cristo e sem temores, não for educada para o domínio da
concupiscência nascente e para estabelecer com os outros relações de amor
genuíno. Isso não se consegue sem uma verdadeira educação para o amor autêntico
e para o reto uso da sexualidade, de modo a introduzir a pessoa humana em todas
as suas dimensões, mesmo no referente ao próprio corpo, na plenitude do mistério
de Cristo.
Seria
muito útil indagar sobre as causas deste fenômeno, também no seu aspecto
psicológico e sociológico, para chegar a uma terapia adequada.
Uniões
livres de fato
81.Trata-se
de uniões sem nenhum vínculo institucional, civil ou religioso, publicamente
reconhecido. Este fenômeno - cada vez mais freqüente - não deixará de chamar
a atenção dos pastores, exatamente porque existindo na sua base elementos
muito diversos, será possível atuar sobre eles e limitar-lhes as conseqüências.
Alguns,
com efeito, consideram-se quase constrangidos a tais uniões por situações difíceis
de caráter econômico, cultural e religioso, já que contraindo um matrimônio
regular, seriam expostos a um dano, à perda de vantagens econômicas, à
discriminação, etc. Outras, pelo contrário, fazem-no numa atitude de
desprezo, de contestação ou de rejeição da sociedade, do instituto familiar,
do ordenamento sócio-político, ou numa busca única de prazer. Outros, enfim, são
obrigados pela extrema ignorância e pobreza, às vezes por condicionamentos
verificados por situações de verdadeira injustiça, ou também de uma certa
imaturidade psicológica, que os torna incertos e duvidosos na contração de
um vínculo estável e definitivo. Em alguns países os costumes tradicionais
prevêem o matrimônio verdadeiro e próprio só depois de um período de
coabitação e depois do nascimento do primeiro filho.
Cada
um destes elementos põe à Igreja árduos problemas pastorais, pelas graves
conseqüências quer religiosas e morais (perda do sentido religioso do matrimônio
à luz da Aliança de Deus com o seu Povo; privação da graça do sacramento;
escândalo grave), quer também sociais (destruição do conceito de família;
enfraquecimento do sentido de fidelidade mesmo para com a sociedade; possíveis
traumas psicológicos nos filhos; afirmação do egoísmo).
Os
pastores e a comunidade eclesial serão diligentes em conhecer tais situações
e as suas causas concretas, caso por caso; em aproximar-se dos conviventes com
discrição e respeito; em esforçar-se com uma ação de esclarecimento
paciente, de caridosa correção, de testemunho familiar cristão, que lhes
possa aplanar o caminho para regularizar a situação. Faça-se, sobretudo, obra
de prevenção, cultivando o sentido da fidelidade na educação moral e
religiosa dos jovens, instruindo-os acerca das condições e das estruturas que
favorecem tal fidelidade, sem a qual não há verdadeira liberdade, ajudando-os
a amadurecer espiritualmente e fazendo-lhes compreender a riqueza da realidade
humana e sobrenatural do matrimônio-sacramento.
O
Povo de Deus atue também junto das autoridades públicas, para que, resistindo
a estas tendências desagregadoras da própria sociedade e prejudiciais à
dignidade, segurança e bem-estar dos cidadãos, a opinião pública não seja
induzida a menosprezar a importância institucional do matrimônio e da família.
E já que em muitas regiões, pela pobreza extrema derivante de estruturas
socioeconômicas
injustas ou inadequadas, os jovens não estão em condições de se casarem como
convém, a sociedade e as autoridades públicas favoreçam o matrimônio legítimo
mediante uma série de intervenções sociais e políticas, garantindo o salário
familiar, emanando disposições para uma habitação adaptada à vida familiar,
criando possibilidades adequadas de trabalho e de vida.
Católicos
unidos só em matrimônio civil
82.
Difunde-se sempre mais o caso de católicos que, por motivos ideológicos e práticos,
preferem contrair só matrimônio civil, rejeitando ou pelo menos adiando o
religioso. A sua situação não se pode equiparar certamente à dos simples
conviventes sem nenhum vinculo, pois que ali se encontra ao menos um
empenhamento relativo a um preciso e provavelmente estável estado de vida,
mesmo se muitas vezes não está afastada deste passo a perspectiva de um
eventual divórcio. Procurando o reconhecimento público do vínculo da parte do
Estado, tais casais mostram que estão dispostos a assumir, com as vantagens
também as obrigações. Não obstante, tal situação não é aceitável por
parte da Igreja.
A
ação pastoral procurará fazer compreender a necessidade da coerência entre
a escolha de um estado de vida e a fé que se professa, e tentará todo o possível
para levar tais pessoas a regularizar a sua situação à luz dos princípios
cristãos. Tratando-as embora com muita caridade, e interessando-as na vida das
respectivas comunidades, os pastores da Igreja não poderão infelizmente
admiti-las aos sacramentos.
Separados
e divorciados sem segunda união
83.Motivos
diversos, quais incompreensões recíprocas, incapacidade de abertura a relações
interpessoais, etc. podem conduzir dolorosamente o matrimônio válido a uma
fratura muitas vezes irreparável. Obviamente que a separação deve ser
considerada remédio extremo, depois que se tenham demonstrado vãs todas as
tentativas razoáveis.
A
solidão e outras dificuldades são muitas vezes herança para o cônjuge
separado, especialmente se inocente. Em tal caso, a comunidade eclesial deve
ajudá-lo mais que nunca; demonstrar-lhe estima, solidariedade, compreensão e
ajuda concreta de modo que lhe seja possível conservar a fidelidade mesmo na
situação difícil em que se encontra; ajudá-lo a cultivar a exigência do
perdão própria do amor cristão e a disponibilidade para retomar eventualmente
a vida conjugal anterior.
Análogo
é o caso do cônjuge que foi vítima de divórcio, mas que - conhecendo bem a
indissolubilidade do vínculo matrimonial válido - não se deixa arrastar para
uma nova união, empenhando-se, ao contrário, unicamente no cumprimento dos
deveres familiares e na responsabilidade da vida cristã. Em tal caso, o seu
exemplo de fidelidade e de coerência cristã assume um valor particular de
testemunho diante do mundo e da Igreja, tornando mais necessária ainda, da
parte desta, uma ação contínua de amor e de ajuda, sem algum obstáculo à
admissão aos sacramentos.
Divorciados
que contraem nova união
84.A
experiência quotidiana mostra, infelizmente, que quem recorreu ao divórcio tem
normalmente em vista a passagem a uma nova união, obviamente não com o rito
religioso católico. Pois que se trata de uma praga que vai, juntamente com as
outras, afetando sempre mais largamente mesmo os ambientes católicos, o
problema deve ser enfrentado com urgência inadiável. Os Padres Sinodais
estudaram-no expressamente. A Igreja, com efeito, instituída para conduzir à
salvação todos os homens e sobretudo os batizados, não pode abandonar
aqueles que - unidos já pelo vínculo matrimonial sacramental - procuraram
passar a novas núpcias. Por isso, esforçar-se-á infatigavelmente por
oferecer-lhes os meios de salvação.
Saibam
os pastores que, por amor à verdade, estão obrigados a discernir bem as situações.
Há, na realidade, diferença entre aqueles que sinceramente se esforçaram por
salvar o primeiro matrimônio e foram injustamente abandonados e aqueles que por
sua grave culpa destruíram um matrimônio canonicamente válido. Há ainda
aqueles que contraíram uma segunda união em vista da educação dos filhos, e,
às vezes, estão subjetivamente certos em consciência de que o precedente
matrimônio irreparavelmente destruído nunca tinha sido válido.
Juntamente
com o Sínodo exorto vivamente os pastores e a inteira comunidade dos fiéis a
ajudar os divorciados, promovendo com caridade solícita que eles não se
considerem separados da Igreja, podendo, e melhor devendo, enquanto batizados,
participar na sua vida. Sejam exortados a ouvir a Palavra de Deus, a freqüentar
o Sacrifício da Missa, a perseverar na oração, a incrementar as obras de
caridade e as iniciativas da comunidade em favor da justiça, a educar os filhos
na fé cristã, a cultivar o espírito e as obras de penitência para assim
implorarem, dia a dia, a graça de Deus. Reze por eles a Igreja, encoraje-os,
mostre-se mãe misericordiosa e sustente-os na fé e na esperança.
A
Igreja, contudo, reafirma a sua práxis, fundada na Sagrada Escritura, de não
admitir à comunhão eucarística os divorciados que contraíram nova união. Não
podem ser admitidos, do momento em que o seu estado e condições de vida
contradizem objetivamente aquela união de amor entre Cristo e a Igreja,
significada e atuada na Eucaristia. Há, além disso, um outro peculiar motivo
pastoral: se se admitissem estas pessoas à Eucaristia, os fiéis seriam
induzidos em erro e confusão acerca da doutrina da Igreja sobre a
indissolubilidade do matrimônio.
A
reconciliação pelo sacramento da penitência - que abriria o caminho ao
sacramento eucarístico - pode ser concedida só àqueles que, arrependidos de
ter violado o sinal da Aliança e da fidelidade a Cristo, estão sinceramente
dispostos a uma forma de vida não mais em contradição com a indissolubilidade
do matrimônio. Isto tem como conseqüência, concretamente, que quando o homem e
a mulher, por motivos sérios - quais, por exemplo, a educação dos filhos - não
se podem separar, «assumem a obrigação de viver em plena continência, isto
é, de abster-se dos atos próprios dos cônjuges».
Igualmente
o respeito devido quer ao sacramento do matrimônio quer aos próprios cônjuges
e aos seus familiares, quer ainda à comunidade dos fiéis proíbe os pastores,
por qualquer motivo ou pretexto mesmo pastoral, de fazer em favor dos
divorciados que contraem uma nova união, cerimônias de qualquer gênero. Estas
dariam a impressão de celebração de novas núpcias sacramentais válidas, e
conseqüentemente induziriam em erro sobre a indissolubilidade do matrimônio
contraído validamente.
Agindo
de tal maneira, a Igreja professa a própria fidelidade a Cristo e à sua
verdade; ao mesmo tempo comporta-se com espírito materno para com estes seus
filhos, especialmente para com aqueles que sem culpa, foram abandonados pelo legítimo
cônjuge.
Com
firme confiança ela vê que, mesmo aqueles que se afastaram do mandamento do
Senhor e vivem agora nesse estado, poderão obter de Deus a graça da conversão
e da salvação, se perseverarem na oração, na penitência e na caridade.
Os sem-família
85.Desejo
ainda acrescentar uma palavra para uma categoria de pessoas que, pela situação
concreta em que se encontram - e muitas vezes não por sua vontade deliberada -
eu considero particularmente junto do Coração de Cristo e dignas do afeto e
da solicitude da Igreja e dos pastores.
Infelizmente
há no mundo muitíssimas pessoas que não podem referir-se de modo algum ao que
poderia definir-se em sentido próprio uma família. Grandes sectores da
humanidade vivem em condições de enorme pobreza, em que a promiscuidade, a carência
de habitações, a irregularidade e instabilidade das relações, a falta
extrema de cultura não permitem praticamente poder falar de verdadeira família.
Há outras pessoas que, por motivos diversos, ficaram sós no mundo. Também
para todos estes há um «bom anúncio da família».
Em
favor de quantos vivem na pobreza extrema, já falei da necessidade urgente de
trabalhar com coragem para se encontrarem soluções mesmo a nível político,
que consintam ajudar a superar estas condições desumanas de prostração. É
um dever que incumbe, solidariamente, à sociedade inteira, mas de uma maneira
especial às autoridades pela força do seu cargo e das responsabilidades
conseqüentes, assim como às famílias, que devem demonstrar grande compreensão
e vontade de ajudar.
Àqueles
que não têm uma família natural, é preciso abrir ainda mais as portas da
grande família que é a Igreja, concretizada na família diocesana e paroquial,
nas comunidades eclesiais de base ou nos movimentos apostólicos. Ninguém está
privado da família neste mundo: a Igreja é casa e família para todos,
especialmente para quantos estão «cansados e oprimidos».
CONCLUSÃO
A vós
esposos, a vós pais e mães de família;
a vós,
jovens e donzelas, que sois o futuro e a esperança da Igreja e do mundo e
construireis o núcleo que garantirá e dinamizará a família no terceiro milênio
que se aproxima;
a vós,
veneráveis e caros Irmãos no episcopado e no sacerdócio, queridos filhos
religiosos e religiosas, almas consagradas ao Senhor, que testemunhais aos
esposos a realidade última do amor de Deus;
a vós,
homens todos de coração reto, que por razões diversas vos preocupais da
situação da família, dirige-se com trepidante solicitude, a minha atenção
ao final desta Exortação Apostólica.
O futuro da
humanidade passa pela família!
É pois
indispensável e urgente que cada homem de boa vontade se empenhe em salvar e
promover os valores e as exigências da família.
Sinto-me no
dever de pedir aos filhos da Igreja um esforço especial neste campo. Conhecendo
plenamente, pela fé, o maravilhoso plano de Deus, eles têm uma razão mais
para se dedicar à realidade da família neste nosso tempo de prova e de graça.
Devem amar
particularmente a família. É o que concreta e exigentemente vos confio.
Amar a família
significa saber estimar os seus valores e possibilidades, promovendo-os sempre.
Amar a família significa descobrir os perigos e os males que a ameaçam, para
poder superá-los. Amar a família significa empenhar-se em criar um ambiente
favorável ao seu desenvolvimento. E, por fim, forma eminente de amor à família
cristã de hoje, muitas vezes tentada por incomodidades e angustiada por
crescentes dificuldades, é dar-lhe novamente razões de confiança em si mesma,
nas riquezas próprias que lhe advém da natureza e da graça e na missão que
Deus lhe confiou. «É necessário que as famílias do nosso tempo tomem
novamente altura! É necessário que sigam a Cristo».
Compete
ainda aos cristãos a tarefa de anunciar com alegria e convicção a «boa nova»
acerca da família, que tem necessidade absoluta de ouvir e de compreender
sempre mais profundamente as palavras autênticas que lhe revelam a sua
identidade, os seus recursos interiores, a importância da sua missão na Cidade
dos homens e na de Deus.
A Igreja
conhece o caminho pelo qual a família pode chegar ao coração da sua verdade
profunda. Este caminho, que a Igreja aprendeu na escola de Cristo e da história
interpretada à luz do Espírito, não o impõe, mas sente a exigência indeclinável
de o propor a todos sem medo, com grande confiança e esperança, sabendo, porém,
que a «boa nova» conhece a linguagem da Cruz. É, no entanto, através da Cruz
que a família pode atingir a plenitude do seu ser e a perfeição do seu amor.
Desejo, por
fim, convidar todos os cristãos a colaborar, carinhosa e corajosamente, com
todos os homens de boa vontade, que vivem a responsabilidade própria no serviço
à família. Os que dentro da Igreja, em seu nome e sob a sua inspiração, quer
individualmente quer em grupos, movimentos ou associações, se consagram ao bem
da família, encontram muitas vezes a seu lado pessoas e instituições
empenhadas no mesmo ideal. Na fidelidade aos valores do Evangelho e do homem e
no respeito a um legítimo pluralismo de iniciativas, esta colaboração poderá
favorecer uma mais rápida e integral promoção da família.
E agora, ao
concluir esta mensagem pastoral, que visa chamar a atenção de todos sobre as
pesadas mas fascinantes tarefas da família cristã, desejo invocar a proteção
da Família de Nazaré.
Por
misterioso desígnio de Deus, nela viveu o Filho de Deus escondido por muitos
anos: é, pois, protótipo e exemplo de todas as famílias cristãs. E aquela
Família, única no mundo, que passou uma existência anônima e silenciosa numa
pequena localidade da Palestina; que foi provada pela pobreza, pela perseguição,
pelo exílio; que glorificou a Deus de modo incomparavelmente alto e puro, não
deixará de ajudar as famílias cristãs, ou melhor, todas as famílias do
mundo, na fidelidade aos deveres quotidianos, no suportar as ânsias e as tribulações
da vida, na generosa abertura às necessidades dos outros, no feliz cumprimento
do plano de Deus a seu respeito.
Que São José,
«homem justo», trabalhador incansável, guarda integérrimo dos penhores que
lhe foram confiados, as guarde, proteja e ilumine.
Que a Virgem
Maria, Mãe da Igreja, seja também a Mãe da «Igreja doméstica» e, graças
ao seu auxílio materno, cada família cristã possa tornar-se verdadeiramente
uma «pequena Igreja», na qual se manifeste e reviva o mistério da Igreja de
Cristo. Seja Ela, a Escrava do Senhor, o exemplo de acolhimento humilde e
generoso da vontade de Deus; seja Ela, Mãe das Dores aos pés da Cruz, a
confortar e a enxugar as lágrimas dos que sofrem pelas dificuldades das suas
famílias.
E Cristo
Senhor, Rei do Universo, Rei das famílias, como em Caná, esteja presente em
cada lar cristão a conceder-lhe luz, felicidade, serenidade, fortaleza.
No dia
solene dedicado à sua Realeza, peço que cada família Lhe ofereça um
contributo próprio, original para a vinda no mundo do seu Reino, «Reino de
verdade e de vida, de santidade e de graça, de justiça, de amor e de paz»,
para o qual se encaminha a história. A Ele, a Maria e a José confio cada família.
Nas suas mãos e no seu coração ponho esta Exortação: sejam Eles a
transmiti-la a vós, veneráveis Irmãos e diletos filhos, e a abrir os vossos
corações à luz que o Evangelho irradia sobre cada família.
A todos e a
cada um, assegurando a minha constante prece, concedo de coração a Bênção
Apostólica em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 22 de Novembro de 1981, Solenidade de
N. S. Jesus Cristo Rei do Universo, quarto ano do meu Pontificado.
Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, ao sabor das paixões, amontoa- rão para si mestres, conforme suas próprias concupiscências e des- viarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas".(2Tm 4,3-4).